24 abr 2024 Fonte: CIDAC- Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral Temas: Cooperação para o Desenvolvimento, Consumo responsável / Comércio Justo, Cidadania e Participação, Advocacia Social e Política, Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Sociedade Civil
Por CIDAC - CENTRO DE INTERVENÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO AMÍLCAR CABRAL
“Naquele tempo, não podias” ter acesso a informação diferente da propaganda do regime salazarista, discutir, agir em conjunto com outros/as. A liberdade de expressão e o direito de associação foram algumas das importantes conquistas do 25 de abril. Este direito encontra-se espelhado na nossa atual Constituição no artigo 46.º - “Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respetivos fins não sejam contrários à lei penal." Democratizar, descolonizar, desenvolver, os famosos três “D” do programa do MFA, são objetivos em permanente construção.
Em maio de 1974, semanas depois da revolução, um grupo de cidadãos/ãs criava o CIDA-C (Centro de Informação e Documentação Anti-Colonial), um espaço de continuidade da luta pelo direito à autodeterminação e independência das colónias portuguesas em que se tinham empenhado, até então, na clandestinidade, à semelhança de muitos outros grupos que resistiam e construíam.
A par do trabalho de informação e mobilização cidadã, em dezembro de 1974, e respondendo ao pedido de um grupo de professores/as, realizou-se uma ação de cooperação com a Guiné-Bissau, que haveria de ser a primeira de muitas. Davam-se os primeiros passos que entrelaçavam a solidariedade entre os povos com a cooperação, com os olhos postos no desenvolvimento.
Na cooperação, as Organizações da Sociedade Civil (OSC) portuguesas faziam as suas primeiras experiências nos anos 80/90, confrontando-se com os modelos e tendências europeias já em prática. Nos países “beneficiários”, assistimos à tensão entre atores locais e internacionais, ao debate sobre a relação entre sociedade civil e Estado, ou sobre a forma como OSC internacionais se sobrepunham às funções dos Estados locais, ou ainda às práticas de marcação de território (placas, logótipos, …) que desapropriam as populações dos seus próprios territórios afirmando, para consumo interno e externo, a sua dependência dos financiadores. Em alternativa, optámos pela intervenção em parceria com organizações locais, com trabalhadores/as locais, sem representação permanente do CIDAC no terreno e com apoios técnicos de curta duração. Foi uma escolha assente no ideal de trabalho em parcerias de longo prazo, do reforço da sociedade civil, cá e lá, numa lógica de complementaridade, mas também de aprendizagem e de reforço mútuo.
Em Portugal, uma das expressões mais perenes do trabalho com outros foi a fundação da Plataforma Portuguesa das ONGD em 1985, à qual o CIDAC se associou deste o primeiro momento e na qual mantém uma participação regular, quer nos órgãos sociais quer nos grupos de trabalho, porque uma rede só pode existir se os seus membros se apropriarem dela e dela participarem. É nos espaços de trabalho comum que as organizações da sociedade civil unem forças e vontades. Este é um caminho longo, de aprendizagem, de uma sociedade que paulatinamente foi saindo do isolamento a que tinha sido votada. É um caminho difícil de trabalho sobre a diversidade e de valorização da construção coletiva.
Com a publicação do Estatuto das ONGD, em 1989, foi dado um passo fundamental para o reconhecimento do setor em que intervimos. Mas nesse fortalecimento há um risco de alheamento da sociedade que nos rodeia. No CIDAC, mantivemos a prática já antiga de acolher nas nossas instalações variadíssimos coletivos, formais e informais, com os quais partilhamos valores, contribuindo assim para a viabilidade de intervenções cidadãs em temas como a autodeterminação dos povos, a justiça económica e climática ou a educação inclusiva. Acompanhando os seus trabalhos, participando pontualmente, vamo-nos mantendo a par das lutas de outros setores da sociedade civil, que muitas vezes se cruzam com as nossas.
Em reação ao modelo de crescimento, profissionalização e gestão por projetos que se instalou gradualmente nas organizações da sociedade civil portuguesa, particularmente na sequência da adesão à Comunidade Europeia em 1986, escolhemos um foco em temáticas prioritárias. Com esta opção, feita no final dos anos 90, procurou-se desfazer o caminho de dispersão que o modelo de financiamento promovia, recuperar o espaço de intervenção na longa duração, assegurar a relevância do nosso trabalho, por via da qualificação do nosso contributo – mais especialista e menos generalista, e criar condições para uma forte interligação entre a Cooperação e a Educação para o Desenvolvimento, entrecruzando experiências e aprendizagens do norte e do sul globais.
Ouvindo as organizações parceiras do sul, passámos a olhar com particular atenção para as problemáticas do Desenvolvimento através do prisma do sistema económico internacional. Desde os anos 2000 trabalhámos com diferentes parceiros em Portugal, na Guiné-Bissau e em Timor-Leste, e em diversos formatos, sobre outras formas de economia, sobre Comércio Justo de bens e de serviços, sobre desenvolvimento das produções e mercados locais, sobre soberania alimentar, mas também sobre o papel da sociedade civil, sobre modelos de financiamento, sustentabilidade e autonomia das organizações.
Acreditando que a participação política se faz também fora dos círculos partidários, mobilizando todos e todas para a intervenção cidadã, olhamos para as organizações da sociedade civil enquanto espaços de participação numa democracia representativa, tantas vezes, meramente formal. As lutas políticas são a raiz do CIDAC e fazem parte do quotidiano da vida associativa. Durante décadas participámos na luta pelo direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste, exigindo do governo português e das instituições internacionais o cumprimento do direito internacional. Empenhámo-nos, por exemplo, em conjunto com outras organizações, na obtenção de um compromisso político do Estado português para com a ED, que acabou por resultar na elaboração da primeira Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED), hoje já na sua terceira edição; ou na luta contra a entrada da Guiné-Equatorial para a CPLP; ou ainda na luta contra o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP), entre tantas outras que nos fizeram e fazem sentido.
Ao longo dos anos, foram mudando as estratégias de intervenção ou as temáticas prioritárias, num esforço consciente e refletido de adaptação permanente ao contexto em que intervimos e ao que vemos como o nosso papel enquanto organização da sociedade civil. Permanentes são os valores que nos norteiam, entre os quais a solidariedade, a justiça nas relações internacionais, o reconhecimento e a valorização das identidades e dos recursos locais, o papel específico da sociedade civil na procura e construção de soluções alternativas, a independência e autonomia face aos poderes instituídos e a intervenção em parceria.
É a partir destes valores que nos pensamos e reconstruimos a cada etapa. Que procuramos o sentido de continuar a existir enquanto atores políticos e não como meros executores de políticas públicas, com uma agenda própria, levada à prática em parceria com outros. É assim que entendemos o papel das OSC, nomeadamente das ONGD, na construção quotidiana de uma sociedade democrática.