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07 dez 2022 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Alterações climáticas e ambiente

Photo by Malachi Brooks on Unsplash

Artigo escrito por: José Luís Monteiro, da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, e representante da Plataforma Portuguesa das ONGD na COP27

 

A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP) deste ano ficou marcada logo de início pelo discurso e pelo aviso do Secretário-Geral das Nações Unidas de que as emissões de gases com efeito de estufa continuam a crescer, a temperatura a aumentar e de que estamos perto de pontos de não retorno… “Estamos numa autoestrada para o inferno climático e o nosso pé continua no acelerador” concluía António Guterres. 

Desde o início, a COP27 estava a ser proclamada como a COP da Implementação, o momento em que se iria passar das palavras aos atos. Também desde o início, previa-se que dois confrontos dominariam a reunião no Egipto: “Ambição na Mitigação” e “Perdas e Danos” (L&D – Loss and Damage em inglês) igualmente importantes - por defeito de formação, focar-me-ei mais no segundo.

  • Ambição na mitigação: tem vindo a haver uma tentativa insidiosa de corroer a confiança do limite de 1,5ºC, substituindo-o por 2º C (valor que também é referido no Acordo de Paris), com a União Europeia a esforçar-se por manter a ambição dos 1,5ºC e alguns países, como a China e a Índia, a promover a sua substituição. Apesar de, pelo menos por agora, se ter mantido o valor inferior, este esforço concertado de redução da ambição é preocupante. Apesar de parecer que é uma questão menor, esta diferença de apenas meio grau, o diabo está nos detalhes. Convém compreender que a diferença entre um aumento de 1,5ºC e 2ºC até ao fim do século, a devastação total dos recifes de coral, a triplicação do número de espécies de insetos em perigo extremo de extinção e mais 2 mil milhões de pessoas sujeitas a vagas periódicas de calor extremo… A discussão parece meramente académica, uma vez que estamos longe dos compromissos necessários para atingir qualquer destes valores. Se cada país cumprir os seus NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas) na totalidade, estamos em rota para um aumento entre os 2,4 e 2,8ºC. No entanto, a solução não pode ser mover a meta, tem que ser aumentar os compromissos (nas palavras de um conhecido jogador de futebol, se querem ver mais golos, não aumentem o tamanho da baliza, ensinem os jogadores a chutar).
     
  • Perdas e danos: três décadas… foi quanto demorámos a dar o primeiro passo numa questão que sempre pareceu óbvia. Deve um poluidor assumir alguma responsabilidade pelos danos que causa? De acordo com as leis ambientais internas da maioria dos países desenvolvidos, a resposta é sim (é o princípio do poluidor pagador). No entanto, desde que, em 1991, Vanuatu apresentou a ideia de que os países ricos (e poluidores) deveriam compensar pelos danos climáticos causados pelas suas economias, esses países ricos têm demonstrado uma tremenda capacidade de fuga às suas responsabilidades. Desde 1991 mais de 675.000 pessoas perderam a vida devido a eventos climáticos extremos e biliões de euros em danos foram acumulados nos países em desenvolvimento. No entanto, os países desenvolvidos usaram todos os artifícios possíveis para adiar e evitar decisões ou compromissos, demonstrando um “jogo de cintura” impossível de conseguir por qualquer entidade que tenha uma espinha dorsal minimamente sólida. Foram inúmeros os pedidos de mais dados científicos, as modificações de enquadramento, os instrumentos de diálogo criados, os textos vagos e outras fintas diplomáticas.

Demorou dezasseis anos para que as Perdas e Danos fossem sequer mencionadas na declaração final de uma COP, mais quatro anos para que se referisse que se deveria “explorar mecanismos internacionais para abordar a questão das Perdas e Danos”, e mais dois anos para ser criado o Mecanismo de Varsóvia (com funções de apoio e suporte sobre L&D, mas sem mecanismo de financiamento). Em 2015, no Acordo de Paris, os países desenvolvidos conseguem que a referência a L&D no texto final, no Artigo 8, estabeleça áreas de cooperação, mas exclua a possibilidade de compensar por perdas económicas. Mais dois anos e cria-se outro mecanismo de diálogo (o Suva Expert Dialogue). Depois, em 2019, vários países desenvolvidos recorrem a outra tática, a simulação de ignorância, gastando a COP25 com a conversa de que já havia financiamento para L&D, dando exemplo as verbas disponíveis no Green Climate Fund para a proteção contra cheias (ou seja, confundindo propositadamente L&D com Adaptação). Em 2021, em Glasgow, é criado um novo mecanismo de diálogo para estudar o problema e apresentar propostas dentro de 3 anos. 

Só nesta COP 27, passados 31 anos, é que é finalmente aprovada a criação de um Fundo para Perdas e Danos. Resta definir montantes, contribuidores e beneficiários finais (a União Europeia faz finca pé de que só os mais vulneráveis devem beneficiar e que países com economias sólidas e emissões consideráveis também devem contribuir, por exemplo, China, Índia, Arábia Saudita, etc.). Terão que passar mais dois ou três anos até que este fundo esteja a funcionar. Tudo isto demorou pouco mais que uma geração a materializar-se (a um nível pessoal é-me facilmente percetível pois quando Vanuatu apresentou a ideia, eu estava a entrar para a Universidade, e o processo ficará concluído quando o meu filho mais velho terminar a sua formação universitária). 

Também será importante referir que os montantes potencialmente envolvidos são muito elevados, mas a perceção da sua dimensão dependerá sempre do termo de comparação. Por exemplo, nos primeiros 6 meses de 2022, foram contabilizados 119 eventos climáticos extremos em países em desenvolvimento, causando prejuízos de cerca de 26 mil milhões de dólares. O valor é elevado, sem dúvida. No entanto, as 6 maiores empresas petrolíferas tiveram lucros no mesmo período de 95 mil milhões de dólares (portanto poderiam compensar por esses danos e ainda apresentar um resultado positivo de quase 70 mil milhões). Portanto há dinheiro, falta é vontade de o aplicar corretamente. 

Mais uma vez, no fim desta COP 27, temos mais um copo meio cheio. Há progressos, mas não os suficientes. Evitamos retrocessos, mas tivemos muitas frustrações. No fundo, não conseguimos sair da “autoestrada para o inferno”, tudo o que conseguimos foi aliviar muito levemente a pressão no acelerador… Mas obviamente que há esperança que seja na próxima, no Dubai, que conseguimos corrigir um pouco o rumo. E a esperança é um sentimento poderoso, faz-nos sonhar com o paraíso mesmo quando nos aproximamos do inferno.
 

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