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17 dez 2024 Fonte: Luísa Fondello e Lucy Anns, Caritas Europa Temas: Sociedade Civil, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Economia solidária / alternativa / Microcrédito, Consumo responsável / Comércio Justo, Coerência das políticas, Advocacia Social e Política

Créditos: Caritas Europa

Por muitas décadas, nossa economia tem sido centrada no PIB como a principal medida de progresso e no crescimento econômico como a principal meta. Ele se tornou a solução mágica para muitos governos diante de uma infinidade de problemas e tem estado em primeiro plano da cooperação para o desenvolvimento.

Mas será que o crescimento econômico é realmente tão bom quanto parece? E como a busca pelo crescimento econômico tem influenciado o modelo de cooperação international para o desenvolvimento?

O modelo de “desenvolvimento” contemporâneo exige um rápido crescimento de produção material, uma dependência excessiva da tecnologia, um alto grau de industrialização e, muitas vezes, uma urbanização não planejada. O foco está no crescimento econômico e na eficiência, na conexão de países de baixa e média renda aos mercados comerciais globais, no extrativismo “verde” e na criação de “oportunidades de mercado”. Aposta-se na teoria mágica do efeito cascata (i.e. “trickle-down”) e na ideia de que é possível dissociar o crescimento econômico da pressão que exercemos sobre nossos ecossistemas.

No entanto, padrões históricos persistentes nos mostram que tal abordagem não tem atingido nossas metas de progresso social. De fato, em muitos lugares, a pobreza e as desigualdades persistem, apesar dos aumentos no PIB. Embora nosso sistema econômico tenha possibilitado a oferta de empregos, infraestrutura crucial e um padrão de vida decente para muitas pessoas, é nesse mesmo sistema que centenas de milhões de pessoas ainda vivem na pobreza, que a lacuna entre ricos e pobres continua aumentando e que o meio ambiente segue sendo degradado. A manutenção do crescimento econômico no centro da cooperação para o desenvolvimento - mesmo que outros objetivos, como a inclusão e a sustentabilidade, estejam presentes como prioridade secundária - não tem contribuído ao bem comum.

É hora de os atores da cooperação para o desenvolvimento reconhecerem que nosso modelo econômico é uma das principais causas dos problemas e injustiças contra os quais nós, como setor, lutamos. Também devemos reconhecer que nosso papel na descolonização da ajuda ao desenvolvimento será sempre limitado se continuarmos a não questionar o modelo de desenvolvimento dominante e sua desconsideração por outros modos de vida e noções de progresso. Podemos desempenhar um papel muito mais significativo se rejeitarmos tal modelo e nosso trabalho pode ser muito mais transformador se valorizarmos e respeitarmos a autodeterminação das comunidades locais e se apoiarmos as iniciativas dos movimentos sociais e das culturas indígenas que incorporam valores baseados em uma lógica relacional - como solidariedade, suficiência, cooperação - e que focam no bem-estar das pessoas e do planeta (como a agroecologia e a economia solidária).

Repensar nossa economia e as premissas que moldam a cooperação para o desenvolvimento exige uma reflexão sobre nossos próprios preconceitos e conversas difíceis, especialmente no atual contexto, marcado pela competição geopolítica, pelo negacionismo climático e por múltiplas crises que tomam nossa atenção e nos desencorajam a imaginar uma economia diferente. Entretanto, é exatamente nesse contexto que nosso compromisso com os valores de igualdade e justiça é testado, e nós não podemos desistir deles. Devemos isso às pessoas a quem servimos - os mais desvaforecidos, aqueles que sofrem o maior impacto negativo das incoerências e deficiências do nosso sistema econômico e que correm o risco de serem deixados para trás. É nossa convicção que devemos mobilizar vontade política e ter esperança para promover uma alternativa ao modelo econômico atual que não dependa da exploração das pessoas e do planeta e que não seja programada para atender a uma cultura de consumismo, individualismo e competição.

Convidamos a todos os atores do nosso setor a construir uma economia pós-carbono e pós-extrativista. Uma economia que finalmente preste atenção às questões básicas sobre o que mantém nosso ecossistema saudável e o que dá sentido à vida das pessoas. Uma economia que coloque os direitos humanos e a proteção ambiental como prioridade. Uma economia que seja de fato capaz de proteger o planeta para as próximas gerações, de erradicar a pobreza, de reduzir as desigualdades e de promover o bem-estar de todas e todos, em todas as dimensões.

Há muitos pilares para nos ajudar na transição para tal economia, precisamos trabalhar em vários níveis em sinergia. Em nossa recente publicação “Para além do crescimento econômico - o papel da Europa na construção de uma economia justa para o bem comum”, a Cáritas Europa apresentou várias recomendações à União Europeia e aos governos nacionais europeus sobre como eles podem se afastar do foco excessivo no crescimento econômico, o qual tem perpetuado desequilíbrios globais. Juntas, essas recomendações representam o que consideramos ser os principais pilares de uma economia justa e da justiça global.

 

Autoras:

Luísa Fondello, Responsável de Advocacy em Cooperação Internacional, Cáritas Europa

Lucy Anns, Responsável de Advocacy, Cáritas Europa

(as autoras escrevem em português do Brasil)

Acompanhe o nosso Trabalho.

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