13 set 2024 Fonte: CIDAC Temas: Economia solidária / alternativa / Microcrédito
Por CIDAC - Centro De Intervenção Para O Desenvolvimento Amílcar Cabral
Democratizar o conhecimento económico é um dos objetivos da revista Outras Economias. Ao celebrarem-se 50 anos do processo que pôs fim a quatro décadas de ditadura e cinco séculos de colonialismo português, é fundamental entender o papel estruturante do colonialismo na construção e consolidação do sistema económico dominante e do sistema geopolítico como um todo. As relações entre os povos estão, até hoje, assentes em assimetrias originadas pelo colonialismo. A forma como olhamos “o outro” continua marcada por relações de subalternização, das quais o racismo é uma das faces mais patentes na sociedade.
O colonialismo, enquanto sistema de poder político, económico, cultural, religioso, que passa pela dominação e extração de valor de recursos e de seres de um determinado território por uma dada entidade, foi uma das fontes de acumulação primitiva de capital. A desumanização de pessoas, a sua venda, a exploração do trabalho, através da sua escravização, juntamente com a exploração de recursos naturais (ouro, prata, terra, água) constituiu uma interminável fonte de riqueza para as nações europeias. Não apenas para os Estados, mas também para entidades privadas. Foram várias as empresas que se fortaleceram através da atividade económica nos territórios colonizados, protegidas pelo Estado português. Lembremos, por exemplo, o massacre de Pindjiguiti, Bissau, em 1959, quando trabalhadores da Casa Gouveia, pertencente ao grupo CUF, organizaram uma greve que foi violentamente reprimida pela polícia e poderes militares coloniais.
Com base no conhecimento dos mecanismos de dominação colonial, muitos dos líderes dos movimentos de libertação idealizaram modelos alternativos para a construção política, cultural e económica dos seus países, nas décadas de 60 e 70. Estas foram também as décadas em que o “desenvolvimento” começou a tomar forma enquanto sucedâneo da descolonização. No auge da Guerra Fria, o mundo divida-se em países “desenvolvidos” e “sub-desenvolvidos”, em blocos que disputavam esferas de influência.
Nesta teia complexa, os países antes colonizados foram tecendo visões alternativas para o seu desenvolvimento. Socialismos africanos, desenvolvimento autóctone ou autocentrado, foram caminhos mais ou menos ligados, na prática e na teoria, às ideologias imperantes – neoliberalismo e socialismo – mas que, acima de tudo, defendiam o direito de cada povo de decidir, em autonomia, o que é melhor para si. Retomar tradições pré-coloniais; desvincular-se das práticas de comércio internacional que os remetera para o lugar de países produtores e exportadores de matérias-primas a baixo preço e compradores-importadores de matérias transformadas a alto preço; apostar em atividades agrícolas para alimentar as populações, e/ou apostar na industrialização da economia, foram algumas das pistas apontadas. Muitos desses caminhos não se concretizaram, por um lado, porque alguns países seguiram rotas autoritárias, por outro, porque persistiram as dinâmicas socioeconómicas e políticas que mantêm povos e países no centro e na periferia do sistema-mundo.
A imbricação entre capitalismo e colonialismo fazia antever que, apesar da descolonização, surgiriam novas formas de dominação económica que não passariam pela estrita dominação territorial, o neocolonialismo. Damos dele três exemplos. A permanência da moeda colonial francesa em 14 países africanos e as suas repercussões em termos económicos. Os esforços envidados pelas agências económicas multilaterais para que Timor-Leste se endividasse junto das mesmas. A ocupação por parte de um país ex-colonizado, Marrocos, do território do povo sahauri e as vantagens económicas que Marrocos e empresas europeias obtêm dessa ocupação, sendo este um exemplo mais do que neocolonialismo, de colonialismo. O Sahara Ocidental é um entre muitos territórios que ainda lutam pela sua autodeterminação.
Apesar do mundo ser atualmente muito diferente de 1974, continuamos a assistir à reprodução de injustiças económicas que têm as suas raízes muito atrás no tempo. A “ajuda ao desenvolvimento”, nascente nesses anos de descolonização como instrumento de redistribuição de riqueza é, até hoje, residual e ineficaz. E ela não seria de todo necessária se a injustiça não fosse um traço “natural” do sistema económico mundial. Neste quadro de permanências, é necessário conhecer como todos estes processos se construíram, desnaturalizando-os, para podermos efetivamente construir outros, alternativos, que retenhamos mais justos e humanos. A solidariedade internacional foi, naquelas décadas, fundamental e a sua importância mantém-se atual: Sahara Ocidental, Palestina, Guiné-Bissau, são tantos os contextos que beneficiariam de uma voz cidadã forte, solidária, organizada e global. Continuar a construir circuitos económicos alternativos, a par de conhecer e lutar por acordos globais de comércio que se pautem pela solidariedade e não por relações de poder assimétricas, são outras das pistas que importa continuar a perseguir.