menu

09 jul 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Cooperação para o Desenvolvimento, Setor Privado

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que Futuro?" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.

 

Autora: Tanya Cox, Diretora, CONCORD Europe

Se a UE desejar verdadeiramente criar uma "parceria justa e igualitária" com África, deve trabalhar com os países parceiros para criar uma economia sustentável e inclusiva. Isto implicará necessariamente uma reorientação da economia de modo a servir às pessoas e o planeta, e não o contrário. Será também necessária uma revisão profunda das relações económicas, financeiras e comerciais entre os dois continentes. Só assim será possível corrigir as enormes desigualdades e desequilíbrios de poder entre África e a Europa.

Infelizmente, os esforços até à data têm sido, na melhor das hipóteses, tímidos. As empresas europeias que operam nos países africanos continuam a explorar os seus recursos naturais sem pagar preços justos por esses recursos. Continuam também, de forma geral, a externalizar a grande maioria dos custos – causando perdas e danos ambientais em grande escala. E muitas vezes exploram as pessoas num esforço para reduzir os custos para os consumidores (e, não sejamos ingénuos, para gerarem mais lucros com isso). Nada disto contribui para uma economia sustentável nem para uma economia inclusiva.

As empresas europeias que operam nos países africanos continuam a explorar os seus recursos naturais sem pagar preços justos por esses recursos.

Nem todas as soluções estão nas mãos da Europa... mas muito mais poderia ser feito

É evidente que os líderes africanos têm de fazer a sua parte para melhorar as condições de vida do seu povo. As desigualdades não são apenas da autoria da UE. Um exemplo seria acabar com a corrupção e os subornos que drenam os cofres do governo de verbas que deveriam ser utilizadas para assegurar proteção social e serviços públicos essenciais de qualidade para todos e para investir em infraestruturas, energia, tecnologia, investigação e desenvolvimento – tudo isto é fundamental para construir uma economia robusta que sirva às pessoas. Outro exemplo é a necessidade de agir a uma só voz para exigir mudanças às empresas europeias e impedi-las de obter "melhores negócios noutro lugar", colocando um país contra outro, por exemplo no que diz respeito à tributação.

No entanto, à luz da nossa história colonial, é vital que a Europa faça um esforço genuíno para resolver a confusão pela qual é parcialmente responsável. A Europa deve pôr em prática as condições sobre as quais tem controlo e que criariam uma maior igualdade de condições entre os continentes. Recentemente, por exemplo, os legisladores europeus têm-se parabenizado por chegar a acordo quanto a uma nova lei de transparência fiscal que obrigue as empresas europeias com um volume de negócios superior a 750 milhões de euros em dois anos consecutivos a divulgar publicamente os impostos pagos sobre as suas operações na Europa e num determinado número de paraísos fiscais. Uma das razões pelas quais se congratulam por esta decisão é, aparentemente, porque a Europa perde muito nos fluxos financeiros ilícitos.

A Europa deve pôr em prática as condições sobre as quais tem controlo e que criariam uma maior igualdade de condições entre os continentes.

Por essa razão, é escandaloso que os governos europeus tenham sido autorizados a bloquear a aplicação desta lei a países não europeus. O volume da fuga de capitais ilícitos do continente africano é enorme: segundo a UNCTAD, representa cerca de 89 mil milhões de dólares por ano. Isto equivale ao dobro do volume da ajuda que o continente recebe e poderia ser decisivo para assegurar uma economia sustentável e inclusiva. Também contribuiria muito para acabar com a relação de dependência criada pela ajuda e que liga a UE e África numa relação de financiamento neocolonial, em vez da "parceria justa e igualitária" que a UE afirma procurar.

Ir para além do “business-as-usual”

É evidente que todas as empresas privadas devem alterar os seus métodos de produção de modo a limitarem os danos para o ambiente e a exploração das pessoas. No entanto, os quadros executivos das empresas devem conduzir as suas operações numa direção totalmente diferente para que o poder e o lucro deixem de ter prioridade sobre as pessoas e o planeta.

Muitas tentativas têm sido feitas para influenciar o comportamento das multinacionais de uma forma ou de outra mas, realisticamente falando, isto requer anos de esforço e, como no exemplo acima, é frequentemente demasiado pouco e demasiado tarde. Ora, a fim de acelerar as coisas, deve ser construído um novo sistema económico paralelo. E há muitas maneiras em que a Europa e África podem trabalhar em conjunto, em pé de igualdade, para que isso aconteça. Esta economia seria constituída por negócios sustentáveis e inclusivos; negócios que têm uma missão social e ambiental inscrita nos seus estatutos e a orientar as suas decisões.

Estes são os parceiros comerciais ideais com quem trabalhar se a UE pretende verdadeiramente reduzir as desigualdades, reconstruir melhor após a pandemia da COVID-19 e apoiar os países parceiros a fazer o mesmo. Tais empresas desafiam o “business-as-usual”, uma vez que olham para além dos objetivos competitivos de curto prazo, orientados para o lucro, que apenas servem os poucos ricos e privilegiados, e procuram antes criar valor para toda a sociedade em cada fase da cadeia de abastecimento. Colocam os objetivos sociais e ambientais em primeiro lugar. Desta forma, as cadeias de valor corporativas criam finalmente valor real para todos.

Uma sociedade sustentável, justa, resiliente e inclusiva a longo prazo depende e interage com uma economia sustentável, justa, resiliente e inclusiva

No entanto, uma vez que este modelo de negócio ainda não é explicitamente reconhecido, a UE e África deveriam trabalhar em conjunto a fim de criar quadros jurídicos e políticos apropriados e identificar formas de apoiar tais negócios por exemplo, assegurando o acesso ao capital, promovendo "investimentos com impacto", revendo as políticas de contratação pública para favorecer a verdadeira sustentabilidade e assegurando que as negócios sustentáveis e inclusivos – ou negócios sociais[1], como por vezes são chamados – estejam sempre à mesa quando os setores público e privado dialogam. Estas são apenas algumas das medidas que poderiam – e deveriam – ser previstas. 

Uma sociedade sustentável, justa, resiliente e inclusiva a longo prazo depende e interage com uma economia sustentável, justa, resiliente e inclusiva. A criação dessa relação simbiótica exigirá que a UE e África adotem uma abordagem proativa que seja holística, baseada em valores e centrada nas pessoas, abordando as desigualdades existentes e os desequilíbrios de poder. Isto implicará que os líderes vão para além da resolução dos problemas atuais e, em vez disso, ponham em prática formas de trabalho profundamente novas – o que requer formas totalmente novas de pensar. Já para não mencionar a vontade política de o fazer acontecer.

[1] Nota de tradução: no original "for-benefit companies"

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de junho de 2021 "Relações União Europeia-África: Que futuro?" Leia ou faça download da edição completa aqui.

Acompanhe o nosso Trabalho.

subscrever newsletter