30 out 2025 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Pobreza e Desigualdades, Direitos Humanos, Cooperação para o Desenvolvimento, Cidadania e Participação, Alterações climáticas e ambiente, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política
Três décadas após a histórica Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Social, realizada em Copenhaga em 1995, a comunidade internacional volta a reunir-se em Doha para reavaliar os progressos e desafios persistentes na promoção de um desenvolvimento social inclusivo e sustentável.
A Declaração de Copenhaga marcou um ponto de viragem ao colocar as pessoas no centro das políticas de desenvolvimento, afirmando o compromisso dos Estados em combater a pobreza, promover o pleno emprego e fortalecer a integração social - pilares fundamentais de um modelo de desenvolvimento mais equitativo e humano.
Desde então, o cenário global transformou-se profundamente. As mudanças climáticas, as desigualdades persistentes, as crises económicas e as novas dinâmicas geopolíticas vieram redefinir o conceito de desenvolvimento social, exigindo respostas coordenadas e inovadoras. É neste contexto que se realiza a Segunda Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Social, a decorrer nos dias 3 e 4 de novembro de 2025, em Doha, no Qatar, num momento crítico da história global, em que desigualdades crescentes e a pobreza persistente desafiam a nossa capacidade coletiva de ação. Enquanto a riqueza se concentra cada vez mais nas mãos de poucos, milhões de pessoas continuam a viver em condições de vulnerabilidade extrema, sublinhando a urgência de políticas de redistribuição, proteção social e acesso universal a serviços essenciais. Após a 4ª Conferência das Nações Unidas sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que decorreu em julho deste ano, esta é mais uma oportunidade para reforçar o compromisso dos países e da comunidade internacional com a justiça global.
A Cimeira em Doha representa, não apenas um momento de balanço, mas também um espaço de reflexão estratégica sobre os caminhos futuros do desenvolvimento humano. Pretende-se reforçar a cooperação multilateral e delinear políticas que integrem as dimensões económica, social e ambiental do progresso, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas.
Neste contexto, a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) mantém-se como um instrumento crucial, mas enfrenta retrocessos preocupantes. Para ser verdadeiramente transformadora, a APD deve ser concessional, eficaz e genuína, contribuindo diretamente para a redução da pobreza e fortalecendo capacidades locais. Ao mesmo tempo, este compromisso não pode ignorar a crise da dívida que sufoca muitos países em desenvolvimento, limitando a sua capacidade de investir na educação, na saúde ou na transição climática. Sem medidas concretas de reestruturação e cancelamento da dívida, os ciclos de desigualdade e exclusão serão perpetuados.
Ao mesmo tempo, a crise climática é hoje um desafio sistémico que afeta diretamente e agrava o desenvolvimento social. Mais do que uma questão ambiental, ela resulta de modelos económicos baseados na exploração intensiva de recursos, no uso continuado de combustíveis fósseis e num crescimento sem limites, que agravam as desigualdades e impactam com mais intensidade os países e comunidades mais vulneráveis. A atual arquitetura financeira global penaliza os que menos contribuíram para a crise e favorece historicamente os mais poluidores, tornando urgente que as respostas climáticas integrem uma visão de justiça social e equidade, reconhecendo o papel central das comunidades locais e dos países mais afetados.
Neste contexto de crises interligadas, a educação emerge como um elo central entre todos estes desafios. Garantir acesso universal e equitativo à educação de qualidade não é apenas uma questão de direitos humanos, mas uma ferramenta para quebrar ciclos de desigualdade, formar cidadãos/ãs ativos/as e preparar sociedades para enfrentar crises complexas, da dívida às mudanças climáticas. Assim, a Educação para o Desenvolvimento é um instrumento fundamental no alcance da plenitude dos direitos humanos e de sociedades mais livres, justas e comprometidas com o desenvolvimento sustentável.
Mas a verdade é que nenhuma destas soluções será sustentável sem a participação ativa da sociedade civil, pilar essencial da democracia e da transformação social. Em muitos países, porém, as organizações enfrentam ações de repressão, criminalização e desinformação que dificultam o seu trabalho. Proteger e fortalecer o espaço cívico é indispensável para a construção de sociedades resilientes e inclusivas. Dar voz às organizações locais que conhecem a realidade das comunidades e responsabilizam os governos é essencial - só assim se pode reduzir a pobreza de forma eficaz.
A Segunda Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Social é, portanto, uma oportunidade decisiva para reforçar a coerência entre os compromissos assumidos no processo da FfD4 e a concretização de um desenvolvimento verdadeiramente inclusivo e sustentável. Ao reconhecer a interdependência entre as dimensões económica, social e ambiental, e ao agir com ambição e visão integrada, os líderes podem transformar compromissos em mudanças reais e duradouras - aquelas que milhões de pessoas esperam há décadas.