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13 out 2022 Fonte: EAPN Temas: Pobreza e Desigualdades

Arigo por: Paula Cruz, Socióloga do Departamento de Investigação e Projetos da EAPN Portugal

A celebração do Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, proclamado pelas Nações Unidas em 1992, tem um significado cada vez mais premente à medida que percebemos que os números da pobreza variam muito pouco ao longo dos anos. A EAPN Portugal já referiu em vários momentos que a luta contra a pobreza resulta de escolhas políticas e essas escolhas, umas vezes permitem avançar de forma positiva na redução da pobreza, e outras vezes isso não se verifica. De qualquer das formas os números da pobreza ao nível nacional nunca variam muito e as situações de crise têm sempre um efeito negativo neste fenómeno multidimensional, porque a pobreza tem causas estruturais e sistémicas que exigem soluções integradas e também multidimensionais.

Os dados do INEapontavam um aumento da taxa de risco de pobreza em 2020 de 18.4% (1 893 milhares). O Eurostat, por sua vez, indicou um aumento de 2.4 p.p. da taxa de risco de pobreza ou exclusão social em 2021 para Portugal (subiu de 20% em 2020 para 22.4% em 2021). A tendência de descida que vínhamos a verificar está agora a inverter-se, fruto da pandemia, mas também do impacto da Guerra na Europa e o início de uma nova crise económica e social.

A EAPN Portugal, no seu recente Poverty Watch2, procurou perceber junto de cidadãos que vivenciam situações de pobreza quais os novos desafios que enfrentam após dois anos de pandemia e face ao impacto da Guerra. O sentimento, generalizado, de que o “país está um descalabro” é revelador dos efeitos que esta nova crise já está a ter nas pessoas. Preocupações com a saúde, em particular a saúde mental, foram apontadas como um dos desafios prementes do pós-pandemia que necessita de uma atenção urgente. O distanciamento social imposto nestes dois últimos anos traz também preocupações ao nível da intolerância das pessoas e de como esta intolerância pode conduzir a uma maior “indiferença da sociedade perante as dificuldades dos grupos mais vulneráveis”. O distanciamento acelerou também processos como o da digitalização, mas para os cidadãos mais vulneráveis, este é um novo desafio que traz, por um lado, mudanças sérias à sociedade - “os valores estão trocados: as pessoas não conversam, as pessoas não socializam, as pessoas não estão dispostas a ouvir o outro. Vejo mesas inteiras de pessoas e estão todos agarrados ao telemóvel” e, por outro lado, às suas próprias vidas aumentando a exclusão dos que não têm competências digitais, nem ferramentas adequadas, para lidar com a nova era digital.

Um dos grandes desafios apontados passa também pelo aumento dos preços dos bens alimentares, energia e transportes. No caso dos bens alimentares, não se trata apenas da dificuldade em aceder aos bens, mas da impossibilidade de fazer uma alimentação equilibrada em termos nutricionais: “… uma sopa bem forte… não estou a passar fome. Já não penso no resto. Porque é que eu vou pensar se não posso comprar. Eu tenho de cair na realidade. O que o meu orçamento der é com aquilo que eu tenho de me sustentar”.

Os relatos que recolhemos destes cidadãos permitem-nos “dar rosto” às estatísticas. O peso de existir no país quase 2 milhões de pessoas em risco de pobreza, fica mais real quando percebemos as múltiplas dificuldades com que estas pessoas lidam diariamente na saúde, educação, rendimento, habitação, transporte, alimentação, energia, cultura… Se no passado já era urgente termos uma Estratégia Nacional de Combate à Pobreza, esta agora tornou-se central e precisa de sair do papel e ser implementada. A Estratégia poderá ser o ponto de partida para medidas mais abrangentes e articuladas que visem atender às necessidades das pessoas, minimizar os impactos da crise e promover uma política efetiva de redução da pobreza. Neste processo não podemos esquecer a importância de instrumentos financeiros como o atual PRR e também o FSE+. A Transparência no anúncio e aplicação dos fundos é central. A aplicação das verbas que Portugal está a receber devem visar o crescimento do país como um todo e não apenas determinados setores e/ou determinados interesses particulares.

A pobreza é a negação dos direitos humanos fundamentais – económicos, sociais e culturais e, enquanto tal, lutar pela sua redução e erradicação é central. Nesta luta é fundamental mobilizar à participação diferentes atores, como as entidades de economia social e as próprias pessoas que vivenciam situações de pobreza tal como refere um dos testemunhos do nosso Conselho Nacional de Cidadãos: “Um dos novos desafios para as pessoas em situação de pobreza e exclusão social é a sua participação na luta pela erradicação do fenómeno, através de reivindicações legais que demonstrem a sua insatisfação pela realidade em que a sociedade se encontra, com o objetivo de consciencializar os decisores sociais e políticos relativamente à realidade vigente”. Esta é uma prioridade que a todos nos deve preocupar e mobilizar.

Notas:

1 INE, Rendimento e Condições de Vida 2021. Destaque do INE.

2 O Poverty Watch é um documento elaborado anualmente pela EAPN Portugal juntamente com os membros do Conselho Nacional de Cidadãos. Este documento procura monitorizar as principais tendências e politicas em matéria de pobreza e exclusão social na Europa; promover uma maior consciencialização sobre a realidade da pobreza dando voz aos que a vivenciam e apresentar recomendações de melhoria. As conclusões deste documento, juntamente com os que são elaborados pelas outras EAPNs, contribuem ainda para a elaboração do Poverty watch Europeu que é produzido em Outubro pela EAPN Europa. https://www.eapn.pt/centro-de-documentacao/documentos/povertywatch2022/ 
 

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