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29 jan 2020 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Cooperação para o Desenvolvimento, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Pobreza e Desigualdades, Agenda 2030

Iniciada a Década da Ação, os 10 anos para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a cooperação portuguesa pode e deve afirmar-se na dianteira do combate às causas estruturais das desigualdades a nível global. No início de uma nova legislatura, importa refletir sobre os temas que vão marcar a agenda.

Ao longo dos últimos anos, a configuração das relações de poder a nível internacional tem sido alvo de reorientações importantes. A emergência de novos atores e a redefinição das estratégias das potências já estabelecidas são exemplo disso e a cooperação para o desenvolvimento é uma das áreas mais influenciadas por estas dinâmicas. São vários os sinais que apontam em sentidos preocupantes: desde a instrumentalização da ajuda como forma de conter fluxos migratórios, à diluição da fronteira entre os princípios da cooperação para o desenvolvimento e os objetivos mais latos de política externa. Vivemos tempos de mudança aos quais a realidade portuguesa não escapa.

Num período marcado pela ambiguidade nas relações entre os Estados, e para combater “as atuais incertezas do cenário internacional”, o Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, na sua intervenção no Seminário Diplomático realizado a 6 de janeiro de 2020, realçou a importância de Portugal apostar na internacionalização da sua economia. Para o executivo, estes são desígnios que “exigem uma ação de todo o Ministério”, incluindo na sua dimensão de cooperação para o desenvolvimento. Espera-se, por isso, que o ano que agora começa marque a chegada à velocidade de cruzeiro do Compacto Lusófono. Ao abrigo deste instrumento, o Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), à semelhança do anterior, prevê a possibilidade de conceder garantias no valor máximo de 400 milhões de euros a projetos financiados pelo Banco Africano de Desenvolvimento (BAfD) nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Segundo o governo, o objetivo passa por mitigar o risco de investimento nestes países, sendo que as garantias podem apenas ser concedidas caso os projetos contem com “intervenção de empresas portuguesas ou instituições financeiras de capital português” (Orçamento do Estado para 2020).

Reconhecendo a importância do investimento estrangeiro nos países parceiros da cooperação portuguesa, a Plataforma Portuguesa das ONGD tem insistido na necessidade de separar claramente os objetivos de promoção e apoio à internacionalização das empresas portuguesas dos objetivos da Cooperação para o Desenvolvimento, onde o papel do setor privado, como de todos os diversos atores, deve estar orientado para o fortalecimento das capacidades dos países e das instituições em áreas estruturantes para o desenvolvimento humano, para a promoção da Boa Governação, da Democracia e do Estado de Direito e para a dinamização das economias locais.

Num momento em que a aposta na alavancagem de fundos privados para o desenvolvimento coincide com uma descida nos montantes alocados à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), é, mais do que nunca, importante que, em 2020, a “valorização da cooperação” com a qual o Governo se compromete, seja efetivada. Só assim se poderá dar corpo à vontade manifestada de “incrementar as ações de cooperação para o desenvolvimento”, como previsto no OE2020, e inverter a descida nas alocações para APD verificada em 2018.

Longe da meta acordada internacionalmente de canalizar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para APD, Portugal fixou as suas contribuições em 2018 nos 0,17% (face aos 0,18% registados em 2017). Reconhecendo que a quantidade dos fundos não determina, por si só, o sucesso das políticas de desenvolvimento implementadas no terreno, assegurar que a qualidade da ajuda respeita os padrões previstos na Parceria de Busan para uma Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz é, também, essencial. Por isso mesmo, estas duas dimensões (quantidade e qualidade) são fundamentais para a concretização de um contributo nacional capaz de dar resposta às situações mais urgentes dos países parceiros da cooperação portuguesa. 2020 será um ano determinante para a concretização deste desígnio, uma vez que será o ano em que se vai construir a próxima estratégia da cooperação portuguesa – uma estratégia que a Plataforma pretende que seja ambiciosa e capaz de assegurar o aprofundamento do contributo de Portugal para um mundo mais justo e sustentável.

Numa altura em que se começa a discutir o novo rumo estratégico da cooperação portuguesa, é, por isso, incontornável a necessidade de ancorar a sua construção num processo público, transparente e construtivo. Só assim se poderá garantir que o conhecimento adquirido pelas ONGD, através do trabalho que realizam nos países parceiros da cooperação portuguesa, e que o seu capital crítico acumulado, contribuem para a construção de uma estratégia capaz de cumprir os desígnios a que se propõe. Isto implica que os processos de consulta à Sociedade Civil e a outros atores com um papel na cooperação sejam regulares e conduzidos com a antecipação necessária à garantia da sua qualidade, como aconteceu com o processo de construção da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento 2018-2022 (ENED) – uma estratégia construída de forma participativa, que contou com os contributos das ONGD, cujo know-how na área de Educação para o Desenvolvimento foi determinante para o processo.

Para tal, um dos espaços (embora não o único) que será importante reativar é o Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento. Só assim será possível reunir os atores com um papel no setor do Desenvolvimento e avançar na concretização de processos políticos mais participativos, transparentes e relevantes. Seria ainda importante ver o próximo Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa ser discutido na Assembleia da República, de forma a conferir ao documento a legitimidade democrática que lhe é devida.

Assim, em 2020, a Plataforma Portuguesa das ONGD considera importante que sejam concedidos mais recursos para a APD e que a Sociedade Civil seja incluída de forma mais regular e relevante em todas as fases dos processos associados à cooperação portuguesa, para assegurar um contributo efetivo para o Desenvolvimento Sustentável dos parceiros da cooperação portuguesa.

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