06 mar 2020 Fonte: Vários Temas: Direitos Humanos, Migrações e Refugiados

Depois do anúncio do Presidente da Turquia do levantamento das restrições fronteiriças para refugiados e migrantes que desejem abandonar o país, milhares de pessoas tentaram entrar em território grego, onde foram recebidas com violência por parte das autoridades locais. As violações aos direitos humanos dos/as refugiados/as e migrantes são inaceitáveis e devem ser revertidas imediatamente.
Desde a eclosão do conflito militar na Síria, milhões de pessoas fugiram à guerra e procuraram abrigo noutros países, incluindo na União Europeia (UE). Para chegar a um destino onde pudessem viver as suas vidas livres de ameaças à sobrevivência, muitas destas pessoas sujeitaram-se a uma travessia difícil, tendo, com frequência, que deixar outros/as pelo caminho. O “sucesso” na travessia de uns/umas contrasta com a perda de demasiadas vidas que não resistiram à dureza de um caminho dificultado pela falta de apoio das autoridades europeias que abriu a porta à mobilização de redes de tráfico ilegal cujo único objetivo foi tirar partido do desespero das pessoas em fugir à calamidade. Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), entre 2014 e 2019, quase 20 mil pessoas perderam a vida ou estão desaparecidas após tentarem atravessar o Mar Mediterrâneo.
Face a uma situação verdadeiramente dramática, os/as líderes europeus/ias foram, por várias ocasiões, acusados/as de não encontrarem soluções que permitissem endereçar a situação e aliviar o sofrimento dos milhões de pessoas que procuravam segurança. Hoje, quase 5 anos após o grande fluxo migratório de 2015, a decisão da Turquia de deixar de impedir o abandono do seu território por parte destas pessoas mostra como a resposta da UE não solucionou o problema nem acautelou a possibilidade que agora se comprova de evitar o adensar do desastre humanitário nas suas fronteiras. Prova disso são as centenas de detenções que já se verificaram, que se juntam à forma como estas pessoas, encurraladas na fronteira, são recebidas com violência (incluindo munição real e gás lacrimogéneo como medidas de dissuasão) por parte das autoridades de ambos os países.
A narrativa que tem sido utilizada para legitimar a abordagem das autoridades gregas à entrada de pessoas dentro do seu território é preocupante e deve ser imediatamente revista. De visita à fronteira com a Turquia, o Presidente do Conselho Europeu saudou a Grécia pela resposta que tem dado e realçou a “importância” das medidas que o país tem tomado para o “futuro da União Europeia”. Às palavras de Charles Michel juntam-se também as da Presidente da Comissão Europeia, que agradeceu à Grécia por ser “o nosso escudo nestes tempos difíceis”. Estas declarações surgem num momento em que a Grécia anunciou a suspensão da receção de pedidos de asilo a pessoas que chegam ao país, uma decisão potencialmente catastrófica para a segurança dos/as milhares que procuram acesso ao estatuto de proteção internacional e que se veem agora presas entre a intransigência grega e manobra que a Turquia pôs em marcha para pressionar a UE a intensificar o apoio financeiro ao país. Entretanto, o primeiro-ministro da Hungria veio a público saudar a “conquista” que o seu governo alcançou na adoção por parte da UE dos mecanismos de negação dos direitos humanos pelos quais se bateu – recorde-se que a Hungria chegou, inclusivamente, a erguer um muro na sua fronteira. Segundo Viktor Orbán, a abordagem europeia resulta no trabalho que o seu governo tem desenvolvido em torno da “política contra a migração muçulmana”.
A forma inaceitável e desumana como milhares de pessoas estão a ser tratadas na fronteira entre a Turquia e a Grécia demonstra como a negociação de um acordo de “gestão” dos fluxos migratórios com a Turquia não foi ancorada na necessidade de preservação dos Direitos Humanos daquelas pessoas. A mobilização em torno da definição de respostas que permitam encontrar soluções estáveis, duradouras e sustentáveis para os/as milhões de refugiados/as e requerentes de asilo espalhados pela região, apesar de tardia, é urgente. Até que se encontre uma solução política abrangente que dê resposta aos fluxos migratórios, a UE não pode continuar a negar a assistência às pessoas que mais são afetas por este tipo de situação. Isto significa que a atuação das autoridades gregas – um reflexo de outras medidas graves que foram adotadas recentemente – deve ser imediatamente revista.
A sociedade civil de toda a UE tem-se mobilizado com o objetivo de pressionar os Estados-Membros a chegarem a um entendimento, sem esquecer a situação em que vivem milhares de pessoas nos campos de refugiados sobrelotados nas ilhas gregas. Segundo dados oficiais, em campos com lotação para 6 mil pessoas, encontram-se atualmente mais de 40 mil, pelo que uma resposta eficaz ao problema terá de ter em consideração as suas várias dimensões e rejeitar a externalização dos fluxos migratórios para países da vizinhança – como aconteceu com o caso do acordo com a Turquia.
Para a Plataforma Portuguesa das ONGD, a única forma de garantir uma solução sustentável passa por afirmar os Direitos Humanos como a base para um entendimento. Qualquer medida que não se baseie nesta premissa correr o sério risco de perpetuar a crise humanitária às portas da Europa.
Aqui pode subscrever uma petição dirigida à União Europeia, por uma Europa que proteja as pessoas e coloque a humanidade em primeiro lugar.