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12 jul 2023 Fonte: Oficina Global Temas: Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Educação e Formação, Cooperação para o Desenvolvimento

Artigo por: 

Ana Luísa Silva, Coordenadora e Investigadora 
Oficina Global 
Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento, ISEG – Universidade de Lisboa

 

Nos passados dias 27, 28, 29 e 30 teve lugar mais um International Development Summer Course, fruto de uma colaboração entre a Plataforma Portuguesa das ONGD, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Oficina Global (uma iniciativa do Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento, do ISEG – Universidade de Lisboa) e o Instituto Pedro Pires. Tendo como ponto de partida o Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD de 2021-2022 “Tempos incertos, vidas instáveis: Construir o futuro num mundo em transformação”, esta quarta edição teve como fio condutor o tema ‘Desenvolvimento Global no Limite’ – em inglês, ‘Global Development On the Edge’. No atual contexto de incerteza, os desafios do desenvolvimento são cada vez mais multifacetados, voláteis, complexos e ambíguos. Subjacentes a este "novo complexo de incerteza" estão três grandes características: a era do Antropoceno, com os limites do planeta sob pressão e o aumento das desigualdades; a aceleração do desenvolvimento tecnológico e o seu impacto; e uma polarização, política e social, crescente. Pela primeira vez desde que foi lançado, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) global diminuiu durante dois anos consecutivos.

Neste texto, partilhamos algumas breves reflexões sobre o evento, que decorreu online, ao longo de quatro manhãs ricas em debate e troca de ideias sobre alguns dos temas mais desafiantes da nossa atualidade. Escolhemos dividir o texto em duas partes. Na primeira, destacamos as ideias que mais nos marcaram; na segunda, identificamos algumas perguntas de partida para pensar a mudança, a partir destas reflexões.

  • A importância do contexto: em todas as sessões foi discutida a importância de ter sempre presente o contexto em que se opera. Quando falamos de democracia, por exemplo, é fundamental não nos limitarmos a noções de democracia representativa e ao bom funcionamento das instituições; é preciso voltar às bases e trabalhar a participação democrática dos cidadãos na política do dia-a-dia, resgatando práticas de democracia direta para aprofundar os valores democráticos. Em democracia, trabalhar a literacia política e democrática é também combater a desinformação e a polarização, fenómenos hoje presentes um pouco por todo o mundo. 
  • Não existe um, mas vários caminhos: à incerteza e complexidade do mundo em que vivemos, de certo modo juntamos um certo aumento de liberdade de escolha. O fim da Guerra Fria trouxa a famosa ideia do ‘Fim da História’ e o domínio do capitalismo e da democracia liberal. No entanto, será que o ‘Fim da História’ chegou ao fim? Em todas as sessões se discutiram alternativas aos modelos dominantes, nas mais diversas áreas. A fragmentação dificulta a cooperação internacional, mas também dá espaço a uma maior liberdade de escolha. Na sessão sobre inovação e conhecimento houve consenso sobre uma ideia central: o desenvolvimento tecnológico é uma questão de escolha. Por outro lado, ficou uma pergunta: é possível estabelecer valores universais numa época em que surgem tantas alternativas?
  • Cooperação para o desenvolvimento no limite: ao longo do curso, estabeleceu-se um consenso sobre as origens dos atuais problemas do sistema de cooperação internacional para o desenvolvimento, do qual a ajuda internacional é um dos pilares centrais. As raízes históricas do sistema, num contexto de reconstrução pós-Segunda Guerra Mundial e de descolonização, contribuem para que este seja naturalmente desequilibrado, racista, e que perpetue divisões Norte-Sul (mesmo no atual contexto em que a divisão Norte-Sul se esbate ou se torna mais complexa). Dado a atual situação geopolítica, as alternativas ao modelo de desenvolvimento dominante e a incerteza que caracteriza o contexto atual, podemos de facto concluir que a cooperação internacional para o desenvolvimento está a atingir o seu limite. Esta conclusão é importante, porque é o primeiro passo para repensar o sistema. 

Depois da reflexão, que caminhos vislumbramos para concretizar a mudança que queremos? A partir das discussões em cada painel, é possível identificar algumas perguntas que podem ser o ponto de partida para, em primeiro lugar, transformarmos as nossas organizações e instituições: 

  • Quem somos? Quem é a nossa organização, qual é o seu papel e como se posiciona em relação a uma série de narrativas? O que significa estar no Norte Global? O que significa trabalhar com o Sul Global? 
  • Qual é a nossa Teoria da Mudança, a nossa visão de desenvolvimento? É possível validá-la?
  • Com quem podemos falar e com quem podemos trabalhar/colaborar? Quais são as nossas forças e fraquezas? De quem precisamos?
  • Em que contexto trabalhamos? Como é que o contexto influencia a forma como trabalhamos e como podemos trabalhar melhor tendo em conta o nosso contexto? 

Apesar de não trazerem uma resposta pronta aos desafios do atual contexto e da cooperação para o desenvolvimento, estas reflexões e pontos de partida mostram-nos que, apesar da pressão para agir rapidamente, no atual contexto de incerteza é fundamental parar para pensar, repensar, mudar – e repetir o processo, uma e outra vez. 

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