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26 mai 2025 Fonte: FEC e IMVF Temas: Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Direitos Humanos, Cooperação para o Desenvolvimento, Coerência das políticas, Cidadania e Participação, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política

Falar de desenvolvimento é falar de direitos humanos, de justiça social, de sustentabilidade, de objetivos comuns e ambiciosos que permitam que todas as pessoas em todas as geografias possam aspirar a uma vida digna. A União Europeia e os seus Estados-Membros têm feito esforços nesse sentido, procurando alinhar as suas políticas com os princípios que proclamam solidariedade, paz, direitos fundamentais, e justiça climática. Mas será que estamos, de facto, no caminho certo? Será que quem decide está a ouvir quem vive, quem sente, quem observa? Será que as políticas estão mesmo a responder às prioridades e expectativas das pessoas?

Vivemos hoje num cenário de extrema complexidade. Um mundo globalizado, interdependente e interligado, onde os desafios se cruzam e amplificam. Mas onde também cresce o risco de construirmos sociedades cada vez mais fragmentadas. Identidades criadas em bolhas que pouco se tocam, que muitas vezes geram indiferença, quando não mesmo rejeição do outro. Esta trajetória está a gerar uma polarização perigosa e a dificultar respostas comuns aos desafios que enfrentamos.

E, no entanto, é exatamente neste contexto que a cooperação internacional se torna mais urgente. Acreditamos numa Europa comprometida com a solidariedade, que reconhece o impacto das suas políticas para lá das suas fronteiras, e que assume com seriedade o papel que tem na construção de um mundo mais justo. A resposta às múltiplas crises globais, sociais, ambientais e económicas, exige soluções igualmente globais. E exige, sobretudo, coerência entre aquilo que se diz e aquilo que se faz.

A Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) não é um detalhe técnico nem um ideal distante. É uma responsabilidade política central. É o princípio que exige que as políticas - comerciais, migratórias, agrícolas, fiscais ou ambientais - não contradigam os objetivos que a cooperação procura alcançar. Apoiar projetos de desenvolvimento no terreno não pode ser feito à custa de práticas que perpetuam desigualdade, instabilidade ou destruição ambiental. Renovar o compromisso com a solidariedade e a justiça globais passa por integrar a coerência no centro da política. Isso significa olhar para a ação externa de Portugal e da Europa à luz das suas políticas internas.

Talvez por isso seja tão importante parar e ouvir.

Uma sondagem nacional realizada em 2024, pela FEC e pelo IMVF, no âmbito do projeto Coerência - o Eixo do Desenvolvimento, revelou um sinal claro da parte da sociedade portuguesa: 83% das pessoas inquiridas acreditam que o mundo precisa de mais cooperação internacional. E, ainda assim, continuamos a assistir a um reforço de abordagens securitárias, à redução do financiamento para o desenvolvimento e à falta de ambição política para mudar o rumo.

65% dos portugueses acreditam que apoiar o desenvolvimento contribui para reduzir a migração forçada. Mas a resposta política raramente incorpora esta lógica.

73% defendem o fim de apoios a projetos prejudiciais ao ambiente, mesmo fora de Portugal. E, ainda assim, persistem investimentos com impactos devastadores nos ecossistemas e nas comunidades do Sul Global.

86% apoiam leis que obriguem as empresas a respeitar os direitos humanos e ambientais nas cadeias de produção. Mas essas leis tardam. E, enquanto tardam, continuam a entrar no mercado europeu produtos fabricados à custa da exploração de outras vidas.

Este desfasamento entre o que se promete e o que se pratica deve preocupar-nos. E mobilizar-nos.

É precisamente este o mote da campanha “Ajudamos… mais ou menos?”, promovida pela FEC e pelo IMVF.

Como não nos interrogarmos perante isto? como justificar políticas públicas que dizem “ajudar”, mas que, na prática, perpetuam dependência, desigualdade?

“Ao construir escolas, mas não garantir professores… Ajudamos?
Ajudamos… mais ou menos.”

“Ao promover o crescimento económico, mas aumentar a desigualdade… Ajudamos?
Ajudamos… mais ou menos.”

Esta campanha, “Ajudamos… mais ou menos?”, faz uma pergunta simples, mas desconcertante. E se cada decisão fosse pensada para o bem de todos? Não só para o presente, mas para o futuro?

70% dos portugueses querem que a União Europeia elimine práticas que prejudicam o desenvolvimento sustentável de outros países. Mas apenas 8% acredita que as políticas da UE realmente ajudam a eliminar a pobreza. O desfasamento é gritante.

Neste cenário, a sociedade civil tem um papel determinante. Cabe-nos não apenas denunciar as incoerências, mas também construir alternativas. Mais do que nunca, precisamos de agir. Mas quem está verdadeiramente disponível para encarar estas contradições de frente? Para afirmar, com coragem, que a política externa não pode continuar desligada da política ambiental, comercial ou migratória? Que não basta estender a mão com uma política e recuar com outra? Que a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento é, na verdade, o alicerce do compromisso político e ético que o mundo exige?"

Porque ajudar não é fazer mais ou menos. É fazer melhor. Coerência não é um detalhe. É o eixo do desenvolvimento.

Este artigo foi redigido com base em recursos produzidos no âmbito do projeto “Coerência – O Eixo do Desenvolvimento”. O projeto ”Coerência – O Eixo do Desenvolvimento" é uma parceria entre a FEC e o IMVF com o cofinanciamento do Camões, I.P. As opiniões veiculadas no artigo são da responsabilidade exclusiva da equipa do projeto, não exprimindo posições institucionais nem vinculando qualquer instituição.

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