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15 jan 2024 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Cooperação para o Desenvolvimento

Por Ana Patrícia Fonseca, Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD

Quando o calendário assinala a passagem de um ano a outro ano, é uma prática antiga, comum a diferentes culturas, olhar retrospetivamente o ano que termina e perspetivar o ano que chega. Rever o ano que finda, mais do que um revivalismo nostálgico, é um exercício de memória, oportuno para enraizar o futuro. O que está por vir não é uma profusão de acontecimentos sem história. É, sim, uma continuidade, uma rutura, uma suspensão ou uma paragem, consoante o caminho a que a reflexão retrospetiva nos conduzir. Para muitas pessoas e organizações, é o tempo de relembrar e, porventura, recuperar a origem, as fundações e o itinerário e de (re)formular o futuro. É assim nas ONGD. É assim na Plataforma Portuguesa das ONGD.

Olhar para o ano de 2024 exige revisitar o ano de 2023 e, seguramente, os anteriores.

Vivemos num mundo multiplexo (Amitav Acharya). Um mundo com desafios múltiplos, complexos e intercruzados, com uma multiplicidade de atores na ordem global. São tempos de grande turbulência a nível internacional e das relações internacionais. A tipologia de conflitos que esperávamos não voltar a assistir está a ressurgir, enquanto os conflitos não resolvidos (ou mal resolvidos) se intensificam. Ao mesmo tempo, a crise climática instalou-se de forma permanente, com consequências devastadoras um pouco por todo o globo. Num cenário incerto, volátil e ambíguo, que aprofunda a pobreza e as desigualdades, degrada a vitalidade dos sistemas sociais, do Estado de Direito e das democracias, e, em consequência, ameaça a paz e a prosperidade das nossas sociedades, é urgente reafirmar a Cooperação para o Desenvolvimento. Tal, depende, certamente, da vontade dos Estados e dos Governos, mas também da vitalidade e do dinamismo da sociedade civil.

Em Portugal, 2023 marcou o início da implementação da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030). Política pública decisiva no contexto internacional atual, a ECP 2030 assume o compromisso com o aumento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), e com a definição de um calendário de aumento; reforça o reconhecimento do princípio político da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento; apresenta a intenção de aprofundar a coordenação e concertação da Cooperação Portuguesa entre os diferentes atores - organismos públicos, ministérios setoriais, sociedade civil, …; e sublinha a centralidade da erradicação da pobreza, do combate às desigualdades, da promoção do desenvolvimento global sustentável e da dignidade humana, dando assim corpo à solidariedade internacional do nosso país.

O ano foi também marcado por avanços no apoio às ONGD, nomeadamente através do reforço das linhas de cofinanciamento do Camões, IP e de melhorias nas condições associadas, sobretudo na redução da parcela de cofinanciamento das organizações. Esta conquista surgiu na sequência da aprovação de um montante de financiamento adicional para a Cooperação Portuguesa no âmbito do Orçamento de Estado 2023, a partir do qual a Plataforma formulou um conjunto de propostas para a canalização do reforço financeiro.

Assistimos, também, ao aprofundamento do debate sobre Cooperação para o Desenvolvimento na Assembleia da República, com apresentação de várias iniciativas parlamentares¹ em resultado do trabalho de articulação da Plataforma Portuguesa das ONGD com partidos políticos – perguntas ao governo, projetos de resolução, propostas de alteração ao Orçamento do Estado.

O processo de definição da próxima Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED), é também um marco de 2023. Um processo participativo, que integra múltiplos interlocutores públicos e da sociedade civil, em que a Plataforma e as suas Associadas têm estado profundamente envolvidas, e no âmbito do qual têm apelado à definição de um documento que consolide e alargue a Educação para o Desenvolvimento no contexto nacional, enquanto ferramenta que contribui para o entendimento crítico e para a ação na realidade multiplexa, no sentido de combater as desigualdades que não dignificam a pessoa.

Em 2023, e em linha com a ECP 2030, Portugal renovou o seu compromisso de dedicar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) para Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) no quadro do Relatório Voluntário Nacional (RVN) sobre a implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, apresentado em julho ao Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas – numa sessão que contou com uma declaração da Sociedade Civil portuguesa, para a qual a Plataforma também contribuiu. A construção do próprio RVN contou com vários contributos da Plataforma – de forma autónoma, e no quadro do Fórum da Sociedade Civil para os ODS –, tendo alguns destes sido integrados no documento submetido às Nações Unidas.

As conquistas do ano que termina não são um fim. São o meio para o processo, permanente e inacabado, de construção da história. Por isso, este início de 2024, é o momento que nos reabre à esperança do futuro que ainda está por acontecer e que queremos mais solidário e equitativo.

Sem a pretensão de identificar exaustivamente todos os processos de relevo que aconteceram em 2023 e que deverão acontecer em 2024 no setor do Desenvolvimento, menciono apenas alguns nos quais a Plataforma e as suas Associadas participaram e participarão.

Em 2024, espera-se que seja dada continuidade à definição do Plano de Operacionalização e Monitorização da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (POM), em conjunto com a Sociedade Civil, e para o qual a Plataforma já contribuiu através da partilha de propostas de ações a desenvolver nos próximos anos, incluindo na dimensão de igualdade de género, para a qual a Plataforma também já definiu um conjunto de propostas específicas.

A ENED deve ser finalizada e aprovada a nível governamental ou, num quadro de maior relevo dado pelo Estado a esta política pública, pela Assembleia da República.

Até março de 2024, Portugal deve definir o Roteiro Nacional para a Implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o que constitui uma oportunidade para alinhar Portugal com os compromissos internacionalmente assumidos no quadro da Agenda 2030.

No contexto das Eleições Legislativas e das Eleições para o Parlamento Europeu, a Plataforma e as suas Associadas vão colocar a debate o aprofundamento da Cooperação e dos princípios da solidariedade internacional como resposta aos desafios globais.

Diante da imensidão, tantas vezes atroz, dos desafios que coletivamente enfrentamos e do sentimento de impotência que, de quando em vez, nos espreita, vem-me à ideia uma frase de Natália Correia: “No negativo da alienação dos povos e dos indivíduos, germina o sonho que liberta”.

 

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