26 nov 2021 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Migrações e Refugiados
Depois de termos assistido, por diversas vezes, ao agravar da situação na fronteira meridional da UE, desta vez é na fronteira leste (entre a Polónia, Lituânia e Letónia, e a Bielorrússia) que se vive a situação mais delicada. Os milhares de pessoas que se aglomeram junto às fronteiras da Bielorrússia têm servido como forma de pressão utilizada pelo governo de Minsk num conflito geopolítico que se tem vindo a adensar nos últimos meses. Ainda que inaceitável, a utilização de migrantes como arma política contra a UE e os seus Estados-Membros também resulta da abordagem securitária que tem vindo a ser seguida pela comunidade.
Hoje, a discussão sobre a abordagem da UE às questões migratórias faz-se em torno da aparente inevitabilidade da escolha entre o respeito pelos direitos humanos e a ‘garantia da segurança’ – entre a preservação dos valores da UE e a necessidade de os subverter em prol de objetivos mais importantes. Ao mesmo tempo, ignora-se que diferentes abordagens produzem diferentes resultados e, assim, afastamo-nos de um debate em torno de soluções concretas para nos concentrarmos naquelas, supostamente, inevitáveis. É necessário, por isso, perceber o que está na origem da prossecução deste tipo de estratégias no contexto de conflitos diplomáticos. A utilização de migrantes como forma de pressão à UE surge na sequência da forma como o debate sobre o assunto tem sido conduzido e deve levar-nos a uma discussão mais ampla sobre a resposta da UE a situações recentes.
Se a questão migratória é hoje utilizada como uma arma política por parte de regimes autoritários como o da Bielorrússia ou da Turquia (com quem a UE negociou um acordo para a contenção dos fluxos migratórios a troco de ajuda financeira) contra a UE, tal acontece, pelo menos em parte, como consequência da cedência dos governos à retórica populista e xenófoba que se vem adensando em diversos países europeus. Recentemente, a situação na Lituânia comprovou, uma vez mais, a falta da disponibilidade de alguns governos para assumir opções sensatas que deem resposta à situação dos/as migrantes. Perante o começo da contestação à abordagem inicialmente seguida, de pronto o país optou por evitar que as pessoas entrassem no seu território através de pushbacks ilegais à luz do direito internacional.
Estamos perante um problema iminentemente político que resulta de opções que, depois dos acontecimentos de 2015, se têm consolidado. É por isso que a situação que vivemos hoje não pode deixar de ser vista como consequência do falhanço das políticas migratórias comunitárias que, sob pretexto de salvaguardar a segurança nas fronteiras, contribuiu fortemente para o agravamento da situação. Falamos do falhanço de uma abordagem securitária que, em torno do imperativo da contenção migratória, faz gravitar um conjunto de instrumentos que a si passam a estar subordinados. É o caso das políticas de cooperação que, sobretudo após a aprovação do novo Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027 – mas também antes disso –, se veem cada vez mais condicionadas às preocupações securitárias da UE.
Sob pena de se agravar ainda mais a situação e de se caminhar para uma abordagem cada vez mais securitária, insustentável e trágica do ponto de vista humanitário, é urgente fazer reset. Para evitar que este tipo de situações suceda no futuro, precisamos de compromissos concretos que, no âmbito do novo pacto em matéria de migrações e asilo da UE, permitam evidenciar os aspetos estruturais que alimentam as crises como a que se vive em parte da fronteira leste da UE. Este é um pressuposto verdadeiramente fundamental para que um debate sobre este assunto possa conduzir a soluções concretas. Não podemos continuar a tomar decisões com base numa qualquer suposição de que as migrações representam uma ameaça à segurança. Como temos visto, esta é uma abordagem que agudiza os problemas que se propõe resolver e que alimenta situações insustentáveis.
Precisamos, sim, de soluções integradas que contemplem um conjunto variado de questões através de uma abordagem coerente e intersectorial – desde a criação de vias legais à importância em aumentar a contribuição da UE para o desenvolvimento sustentável, passando pela ação climática e pelas políticas comerciais. Precisamos, igualmente, de trabalhar com o Parlamento Europeu – que tem contribuído para minimizar os danos da deriva securitária europeia – e, sobretudo, garantir que o tema não se torna num fait diver cuja relevância depende de acontecimentos como aqueles a que assistimos atualmente.