menu

11 jul 2024 Fonte: Oikos Temas: Coerência das políticas, Agenda 2030

Por João José Fernandes, Diretor Executivo da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento

 

Nos dias 22 e 23 de setembro de 2024, em Nova Iorque, terá lugar a Cimeira do Futuro, um evento de alto nível, que reúne os líderes mundiais para forjar um novo consenso internacional sobre a forma de proporcionar um presente melhor e salvaguardar o futuro. Uma cooperação global eficaz é cada vez mais crítica para a preservação de um ambiente que garanta a sobrevivência da humanidade. Porém, este desígnio comum, é difícil de alcançar no atual clima de conflitualidade geopolítica, polarização das nossas sociedades, desinformação, desigualdade crescente e desconfiança. Acresce ainda a desadequação de instituições nacionais, regionais e multilaterais que refletem realidades políticas, sociais e económicas que já não são as atuais.

No âmbito da Cimeira, os líderes mundiais reunir-se-ão nas Nações Unidas para adotar o Pacto para o Futuro, que incluirá um Pacto Digital Global e uma Declaração sobre as Gerações Futuras como anexos. O projeto de Pacto para o Futuro, atualmente em negociação, tem potencial para promover um sistema multilateral que reflita as realidades atuais e que produza resultados para todos, em todo o lado. Se mantiver uma forte atenção aos direitos humanos, à igualdade de género e ao desenvolvimento sustentável, a Cimeira do Futuro poderá dar um contributo decisivo para temas como a Governança Global, o Financiamento do Desenvolvimento Sustentável, a Segurança e Paz, a Cooperação ao nível da Ciência, Tecnologia e Transformação Digital, a Juventude e as Gerações Futuras.

O esforço de acompanhamento da Cimeira do Futuro que tenho realizado, no âmbito de iniciativas nacionais, europeias e globais, nas quais a Oikos tem estado envolvida, focaliza-se, na transformação da governança global, e na justiça intergeracional e gerações futuras. Muitos, interna e externamente à Oikos, me têm questionado o porquê de uma organização não governamental de desenvolvimento, se interessar pela promoção de uma agenda de reforma das instituições políticas democráticas, que facilite o pensamento de longo-prazo e proteja os direitos das gerações atuais e futuras, num quadro de justiça intergeracional. Independentemente de outras motivações profundas – como sejam a convicção de que problemas como a transmissão geracional das desigualdades e da pobreza –, têm vantagem em ser encaradas num quadro de promoção de uma economia de bem-estar e de justiça intergeracional, hoje vou focar-me na pertinência de promover uma das metas mais esquecidas do ODS 17 (Parcerias para o Desenvolvimento Sustentável), em concreto a meta 17.14: Reforçar a coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável.

Se analisarmos com atenção o relatório de Portugal no âmbito da Revisão Voluntária dos ODS, publicado em 2023, e que retoma os indicadores monitorizados no período de 2015 a 2022, iremos verificar que, no âmbito do ODS 17, apenas é reportada a evolução de 9 das 19 metas deste objetivo. Uma das que não é reportada é precisamente a meta 17.14., relacionada com o reforço da coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável. É certo que, em 2015, esta meta não tinha indicadores de medição científica e politicamente validados ao nível das Nações Unidas. Contudo, em 2023, um indicador compósito – cuja metodologia foi desenvolvida pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA/UNEP) – passou a ser classificado como: «conceptualmente claro, com metodologia e referenciais metodológicos internacionalmente estabelecidos, embora ainda não adotado de forma regular pela maioria dos países» (Indicador de Nível II/Tier II de monitorização dos ODS). 

Antes de apresentar os critérios que integram este indicador compósito, interessa alertar que estamos a falar de “Coerência de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável” (PCSD) e não já de “Coerência das Políticas para o Desenvolvimento” (PCD). Enquanto estas últimas se focalizavam, quase exclusivamente, na coerência entre a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e as outras políticas – na linha dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio –, interessa agora considerar a coerência das políticas com as várias dimensões do desenvolvimento sustentável. Além disso, considera-se que as políticas públicas e a governança devem ser entendidas como indissociáveis. Enquanto as políticas (policy) respondem às perguntas «O quê?» e «quando?», descrevendo os objetivos, metas, medidas e marcos de progresso; a governança versa sobre o «como?» e «quem?», ou seja, as instituições (polity), processos (politics), participação, mecanismos e instrumentos, que permitam atingir os objetivos e compromissos.

De acordo com o manual metodológico do PNUA/UNEP, o indicador compósito da PCSD, integra mecanismos relativos a 8 critérios: 1. Institucionalização do Compromisso Político; 2. Considerações a longo prazo na tomada de decisões; 3. Coordenação interministerial e intersectorial; 4. Processos participativos; 5. Ligações políticas; 6. Alinhamento entre os níveis de governo; 7. Acompanhamento e apresentação de relatórios para assegurar a coerência das políticas; 8. Financiamento da coerência das políticas.

Centremo-nos no critério 2: Considerações de Longo-prazo. Neste âmbito, o país deve desenvolver e implementar mecanismos que assegurem que as considerações de longo-prazo são integradas nos processos de tomada de decisão, e no planeamento e desenvolvimento das políticas públicas. Esta dimensão inclui a avaliação do grau de implementação de cinco mecanismos/instrumentos, relacionados com o impacto das políticas públicas no desenvolvimento sustentável e na justiça intergeracional: 2.1. Um Comissário, Provedor (Ombundsman) ou Conselho para as Gerações Futuras; 2.2. Outros mecanismos de supervisão relacionados com a avaliação dos efeitos das políticas ou legislação nas gerações futuras; 2.3. Mecanismos de avaliação regular das políticas, de modo a assegurar que efeitos não antecipados não mitigados de forma apropriada; 2.4. Mecanismos de avaliação de impacto que tomem em consideração os efeitos intergeracionais das maiores infraestruturas e projetos de investimento; 2.5. Outros mecanismos nacionais relevantes.

Promover estes mecanismos de transformação da governança e de garantia de uma maior coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável é, pois, uma das razões que assiste o envolvimento da Oikos em torno da Cimeira do Futuro e da promoção da Iniciativa das gerações futuras na União Europeia (https://fitforfuturegenerations.eu/) e em Portugal. No nosso país, e em estreita colaboração com organizações nacionais (como a ZERO) e espanholas – no âmbito do Hub Ibérico do movimento WEAll (Economia do Bem-Estar e Gerações Futuras) –, e inspirados pelas melhores práticas, como seja o caso do País de Gales (Comissário e Lei-Quadro para as Gerações Futuras), estamos apostados no desenvolvimento destes e outros mecanismos legais e institucionais que garantam uma coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável, respetivamente, na Europa, em Portugal e Espanha.

Acompanhe o nosso Trabalho.

subscrever newsletter