02 out 2024 Fonte: Forus Temas: Advocacia Social e Política, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Fotografia de Matthew TenBruggencate
Por Marie L'Hostis, Coordenadora de Advocacy do Forus
A 22 de setembro de 2024, as Nações Unidas adotaram o Pacto para o Futuro, um acordo crucial destinado a reafirmar a cooperação global num momento em que o mundo enfrenta crises crescentes, conflitos, o aumento da temperatura global, um número recorde de deslocados e um crescente fosso digital.
A cooperação global nunca foi tão urgente. Contudo, embora o Pacto tenha sido assinado, permanece uma questão crítica: será o acordo suficientemente ousado para enfrentar estes desafios sem precedentes?
Os Principais Resultados
Reafirmação do Multilateralismo e da Cooperação Internacional. Um dos resultados mais significativos da Cimeira foi renovado compromisso global com o multilateralismo. O Pacto para o Futuro sublinha a importância da cooperação internacional e o papel central das Nações Unidas na resolução de desafios globais. Faz referência a acordos internacionais importantes, como o Acordo de Paris, a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a Agenda de Ação de Adis Abeba e a Declaração de Pequim, sinalizando que, apesar das crescentes tensões geopolíticas, a comunidade global permanece comprometida com a ação coletiva.
Compromisso com a Reforma do Conselho de Segurança. Pela primeira vez em vários anos, o Pacto reconhece a necessidade de reformar o Conselho de Segurança da ONU, destacando a importância de torná-lo mais representativo e responsável. O foco na correção das injustiças históricas contra África, com uma proposta para assentos permanentes africanos, marca uma mudança assinalável nas discussões. Embora não tenham sido acordadas reformas ou cronogramas específicos, a inclusão desta linguagem abre caminho para discussões mais sérias no futuro.
Reforma da Arquitetura Financeira Global. O Pacto reconhece a necessidade de reformar o sistema financeiro global, com compromissos para colmatar o défice de financiamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), para promover um acesso mais sustentável aos mercados financeiros e apoiar o financiamento para responder às alterações climáticas. Também apela a que se olhe além do PIB como principal indicador de progresso, sinalizando uma mudança para métricas de desenvolvimento mais inclusivas e sustentáveis.
Governação Digital e o Pacto Digital Global. O Pacto Digital Global (anexo ao Pacto para o Futuro) compromete-se a reduzir as desigualdades no acesso ao digital e a garantir que a infraestrutura digital seja acessível e inclusiva. Enfatiza a necessidade de proteger os direitos digitais, incluindo a proteção da privacidade, e de garantir que os benefícios da digitalização sejam partilhados de forma equitativa.
O que falta? As Lacunas no Pacto para o Futuro
Embora o Pacto contenha compromissos importantes, há várias áreas-chave onde este falha.
Fracos Mecanismos de Implementação. Uma das limitações mais evidentes do Pacto é a falta de mecanismos concretos de implementação. Embora reafirme os compromissos globais com o multilateralismo, os direitos humanos e o desenvolvimento, a ausência de ações específicas ou quadros de responsabilização arrisca enfraquecer o seu impacto. Sem vias claras e exequíveis, estes compromissos correm o risco de permanecerem simbólicos, especialmente em questões críticas como as alterações climáticas, a reforma da arquitetura financeira global e da governação global.
Linguagem Limitada sobre o Espaço Cívico. O Pacto é notavelmente fraco na proteção do espaço cívico e da participação da sociedade civil na governação global, apesar de o envolvimento cívico, tanto a nível global como nacional, continuar severamente restringido, com apenas 2% da população mundial a gozar atualmente de plena liberdade de reunião, de protesto e de expressão de desacordo. Embora a sociedade civil seja reconhecida como importante no Pacto Digital Global e em certos esforços de construção da paz, a linguagem é demasiado limitada. A ausência de fortes proteções para o espaço cívico reflete a crescente influência de governos autoritários, muitos dos quais têm procurado limitar o papel da sociedade civil nos processos de tomada de decisão global.
Falta de Ambição na Ação Climática. Os compromissos climáticos no Pacto reafirmam acordos existentes, particularmente o Acordo de Paris, mas não introduzem novas metas mais ambiciosas. Com o mundo já a lutar para cumprir os objetivos climáticos atuais, a ausência de linguagem mais forte e de passos concretos sobre financiamento climático, adaptação e perdas e danos, esta é uma oportunidade perdida, especialmente para os países mais vulneráveis.
Ausência de Referências aos Direitos LGBTQI+. Outra omissão significativa é a completa falta de referência às minorias sexuais. O Pacto não aborda os direitos das comunidades LGBTQI+, o que se trata de uma exclusão dececionante e regressiva, especialmente face às lutas contínuas pela igualdade enfrentadas por estes grupos em todo o mundo.
Lacunas na Segurança Digital. Embora o Pacto Digital Global dê passos importantes em direção à inclusão e aos direitos digitais, não aborda questões cruciais relacionadas com a paz e a segurança digitais. A remoção de referências à proteção de infraestruturas civis contra ciber-ataques e a exclusão de domínios militares do pacto enfraquecem o quadro para garantir um futuro digital seguro e pacífico.
O Caminho a Seguir: Das Palavras à Ação
O Pacto para o Futuro representa um ponto de partida, não um ponto final. Apesar das suas lacunas, estabelece as bases para futuras negociações sobre questões críticas, como a reforma do Conselho de Segurança, a revisão da arquitetura financeira e a ação climática. No entanto, o verdadeiro teste passa pela forma como os compromissos serão ou não traduzidos em ações concretas a nível nacional.
Para transformar este acordo global em progresso tangível, são necessárias várias ações-chave:
Implementação Nacional Concreta. Os governos devem traduzir os compromissos assumidos no Pacto em planos de ação nacionais com cronogramas claros e mecanismos de responsabilização. O verdadeiro impacto do Pacto dependerá de saber se os países estão dispostos a implementar as suas disposições internamente e garantir que estes compromissos globais conduzam a mudanças significativas a nível nacional e local.
Reforço da proteção do Espaço Cívico. A proteção do espaço cívico deve ser prioritária, tanto no sistema da ONU, onde é necessário dar voz à sociedade civil ("#UNMute"), quanto a nível nacional. Especificamente, a sociedade civil é essencial para garantir transparência, responsabilização e inclusão na governação global. As discussões futuras devem desenvolver uma linguagem e proteções mais fortes para garantir que a sociedade civil possa participar plenamente nos processos de tomada de decisão e que as liberdades e direitos cívicos sejam respeitados.
Impulso por uma Ação Climática Mais Forte. O mundo não pode esperar por metas climáticas mais ambiciosas. Os próximos passos devem incluir o aumento do financiamento climático, especialmente para adaptação e perdas e danos, e garantir que as metas climáticas atuais sejam cumpridas com urgência. Além disso, devem ser assumidos compromissos claros para a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e a transição para energias renováveis. As próximas negociações sobre esta matéria, particularmente no âmbito da COP30, serão cruciais para reforçar os compromissos assumidos no Pacto e impulsionar progressos significativos.
Reforma da Arquitetura Financeira com vista a uma maior representatividade. A arquitetura financeira global deve ser reformada para dar à maioria global uma voz mais forte nos processos de tomada de decisão. Instituições como o FMI e o Banco Mundial precisam ser reestruturadas para garantir uma representação equitativa e a justa alocação de recursos financeiros. Os países da maioria global devem ter um lugar à mesa nas discussões sobre a governação económica global.
Paz e Segurança Digital. À medida que as tecnologias digitais continuam a moldar o futuro, as lacunas no Pacto Digital Global em torno da segurança e da proteção de infraestruturas civis precisam de atenção urgente. A comunidade internacional deve trabalhar para um quadro mais abrangente que aborde as ameaças digitais e garanta um ambiente digital pacífico e seguro para todos.
Conclusão: o Roteiro para o Futuro
O Pacto para o Futuro é um reflexo do estado atual da governação global — cheio de ambição, mas limitado pelas realidades geopolíticas. A sua adoção foi uma vitória para o multilateralismo, embora limitada. Muito trabalho ainda precisa de ser feito para garantir que os compromissos assumidos se traduzam em ações que beneficiem todos, especialmente os marginalizados e vulneráveis.
As organizações da sociedade civil desempenharão um papel crucial neste processo. Embora o Pacto possa carecer de mecanismos claros de implementação, cabe agora à sociedade civil responsabilizar os governos pelas promessas feitas. A defesa do Pacto a nível nacional será essencial para pressionar pela integração destes compromissos globais em políticas domésticas e estratégias de desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, será importante continuar a monitorizar as discussões sobre a reforma da governação global, particularmente em torno da reforma do Conselho de Segurança da ONU e da arquitetura financeira global. A voz da maioria global está a ficar mais forte, e as organizações da sociedade civil podem ajudar a amplificar este impulso, garantindo que estas reformas conduzam a um sistema global mais equitativo e inclusivo.
Esta análise foi desenvolvida com contribuições de membros do Forus, plataformas nacionais de ONGs e coligações regionais de 5 continentes diferentes, representando mais de 24.000 ONGs em todo o mundo, que participaram na Cimeira do Futuro.