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21 mai 2025 Fonte: Carla Paiva, Presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Financiamento para o Desenvolvimento, Agenda 2030, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Coerência das políticas, Alterações climáticas e ambiente, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política

A cooperação internacional atravessa um momento de profunda incerteza. Ao longo dos últimos meses, temos assistido a uma queda alarmante do financiamento global, por parte de vários doadores de relevo, num contexto em que as necessidades dos países em desenvolvimento continuam a crescer exponencialmente. Este desinvestimento aprofunda um défice de financiamento anual superior a 4 mil milhões de dólares e ocorre num cenário marcado por conflitos armados, tensões geopolíticas e o enfraquecimento do Direito Internacional e do multilateralismo. É urgente que se corrija esta trajetória e que se tomem decisões ambiciosas que devolvam à cooperação internacional o seu papel transformador na construção de um mundo mais justo e sustentável. 

Os dados preliminares divulgados recentemente pelo Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE são alarmantes: em 2024, a APD global caiu 7,1%, o que equivale a menos 16,3 mil milhões de dólares face ao ano anterior. Este recuo não é apenas um número – é um reflexo de escolhas políticas com consequências diretas e profundamente negativas para milhões de pessoas nos países mais vulneráveis. 

Não podemos deixar de assistir com preocupação à diminuição da ajuda num momento em que as necessidades globais se multiplicam dia após dia. Conflitos armados, alterações climáticas, desigualdades crescentes e o aumento da pobreza, assim como o cumprimento da Agenda 2030, exigiriam um reforço do apoio internacional. Em vez disso, assistimos a um desinvestimento que compromete décadas de avanços e põe em causa os compromissos assumidos pelos países doadores desde 1970, nomeadamente, o de destinar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) à ajuda internacional. 

Hoje, o modelo de cooperação internacional está desenhado maioritariamente à imagem dos doadores. São eles que definem os critérios de elegibilidade, os setores prioritários, os mecanismos de financiamento e, muitas vezes, até as próprias estratégias de desenvolvimento. Os países que recebem ajuda continuam frequentemente à margem da definição das políticas que lhes dizem diretamente respeito. Este desequilíbrio perpetua relações de dependência e subverte os princípios da solidariedade e da corresponsabilização. 

 É urgente recentrar a ajuda pública ao desenvolvimento na sua missão original: erradicar a pobreza e promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável, centrado nas pessoas e nos direitos humanos. Isso implica mais do que aumentar o volume da ajuda. Implica uma reforma estrutural de um sistema que muitas vezes coloca em risco as necessidades definidas pelos países parceiros. 

Reformar o sistema significa, por isso, reequilibrar o poder: colocar os países parceiros no centro do processo, reconhecer o seu conhecimento local, as suas prioridades e as suas soluções. Significa também reforçar um financiamento baseado em condições justas, sem agravar o peso da dívida - e garantir que as decisões sobre a ajuda são tomadas em fora verdadeiramente inclusivos, onde todos os intervenientes têm voz e voto. A 4ª Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento, a realizar-se em julho deste ano, deve ser o catalisador desta mudança, reconstruindo um sistema com base na equidade e na justiça global. 

Portugal, apesar de ainda estar longe da meta dos 0,7% do RNB, registou um aumento da sua APD em 2024 - um sinal positivo. No entanto, grande parte deste crescimento resultou do reforço das contribuições multilaterais, enquanto a ajuda bilateral diminuiu. Sabemos que a cooperação bilateral, quando bem estruturada e alinhada com as prioridades dos países parceiros, tem um impacto direto e transformador. Precisamos de reforçá-la, garantindo maior previsibilidade, eficácia e corresponsabilização. Ao mesmo tempo, é fundamental garantir a continuidade e consistência do compromisso de Portugal, nomeadamente através da definição de um calendário de aumento progressivo da APD, com base num consenso político alargado. A próxima legislatura deve ser o momento para reafirmar o compromisso com estes compromissos internacionais, nomeadamente a Agenda 2030. 

A Plataforma Portuguesa das ONGD acredita firmemente que é possível construir um sistema de cooperação mais justo, inclusivo e eficaz. Mas isso exige coragem política, transparência nas decisões e, acima de tudo, um compromisso inabalável com os direitos humanos e a solidariedade internacional. 

É tempo de reafirmar o compromisso com a ajuda pública ao desenvolvimento. Está nas nossas mãos decidir se queremos um futuro de equidade e cooperação, ou de retrocesso e abandono.  

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