05 mar 2024 Fonte: Médicos do Mundo Temas: Cooperação para o Desenvolvimento, Saúde
Por Fernando Vasco, médico e presidente da Assembleia Geral, e Cláudia Paixão, membro da Comissão Executiva de Projetos, da Médicos do Mundo
A Cooperação Internacional em Saúde (CIS), vertente da Cooperação para o Desenvolvimento, tem fortes implicações no desenvolvimento e bem-estar dos países recetores e no impacto da Cooperação no seu todo. Importa, por isso, no momento em que caminhamos para eleições legislativas, mobilizar os agentes políticos para responder às necessidades e aos desafios que se colocam.
Para a Médicos do Mundo (MdM), a saúde é um direito humano universal e requer práticas de cooperação assentes numa base humanista e multidisciplinar, que reconheçam a interconexão dos fatores sociais, económicos, políticos e ambientais, enquanto determinantes do nível de saúde das populações.
Na CIS, a MdM advoga ser necessário ter em conta as próprias forças e fraquezas, os interesses e necessidades do recetor e as ações dos outros atores no terreno. Tal atitude permite adequar a intervenção ao contexto em que decorre, criar sinergias, e facilitar a coordenação por parte do recetor, na busca de um impacto maior e mais sustentável. A CIS deve, também, promover a literacia em saúde, como estratégia para o aumento do acesso aos cuidados de saúde da população. Decisões informadas sobre saúde aumentam o impacto das intervenções.
A MdM tem uma agenda própria. Contudo, sendo uma ONG portuguesa, não ignora as orientações da Cooperação Portuguesa. Relevamos a Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 que (i) “define um quadro de política que estabelece os princípios, base de atuação, as prioridades geográficas e setoriais, no âmbito da Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento (ED) e Ação Humanitária e de Emergência (AHE).”, e (ii) prioriza, como recetores, os “Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste, com os quais se privilegia uma cooperação estruturada e de longo prazo”. Consideramos, também, os Planos Estratégicos de Cooperação (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor), para onde remete a Estratégia portuguesa.
Consideramos, ainda, o Plano Estratégico de Cooperação em Saúde da CPLP. PECS-CPLP 2023-2027, que estabelece “um quadro orientador e identifica o setor da saúde entre as opções estratégicas da cooperação da CPLP para o médio prazo, numa logica de alinhamento com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento sustentável dela decorrentes”; e onde se definem seis eixos de intervenção: (i) Sistemas Nacionais de Saúde; (ii) Formação e Desenvolvimento da Força de Trabalho em Saúde; (iii) Informação e Comunicação em Saúde; (iv) Investigação e Bioética em Saúde; (v) Monitorização dos ODS; e (vi) Prontidão para Emergências em Saúde Públicas.
Neste contexto pré-eleitoral, é necessário olhar para os desafios que enfrenta a CIS, e que necessitam de resposta da futura legislatura. São eles insuficiência de financiamento, barreiras políticas e burocráticas e o modelo de intervenção por projeto, em detrimento do estabelecimento de contratos-programa para colmatar o que são necessidades permanentes. Sublinhamos, também, a incapacidade de alguns países recetores para coordenarem as diferentes ajudas e integrá-las, o que compromete o impacto final, a dependência excessiva da ajuda externa que limita a autonomização do país recetor e, por último, o enfraquecimento que os grandes projetos provocam nos serviços locais, ao contratarem os melhores quadros.
Para fortalecer a CSI, a MdM preconiza a (i) garantir o financiamento sustentável e adequado dos projetos, por forma alcançar maior eficácia e aumento do investimento no impacto das intervenções no terreno; (ii) promover o acesso a cuidados de básicos de saúde a populações em situação de vulnerabilidade, em comunidades e países onde existem limitações socioeconómicas e/ou geográficas a este acesso; (iii) contribuir para a resiliência e capacitação dos profissionais de saúde, com vista ao reforço dos sistemas; (iv) promover a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos (SDSR), contribuindo para uma mudança positiva, a nível dos sistemas e das comunidades; (v) fomentar a literacia em saúde, como forma de capacitar, envolver e apoiar decisões informadas em saúde, e promover o autocuidado como meio de prevenção de doenças e de situações de risco; (vi) apoiar os serviços locais na preparação de respostas apropriadas às necessidades das populações, decorrentes de guerras, conflitos não declarados, epidemias, catástrofes naturais e de outros desafios em saúde relacionados com as alterações climáticas; (vii) reforço de intervenções nas doenças não transmissíveis e na saúde mental; e (VIII) privilegiar os contratos-programa ou projetos de, pelo menos, cinco anos.
Para garantirmos uma resposta adequada e sustentável, é necessário que, na próxima legislatura, exista da parte dos agentes políticos a consciência de que a CIS necessita de ser impulsionada com compromissos de financiamento, que incluam reformulações estruturais e abordagens integradas em diferentes dimensões da vida humana, para enfrentar os desafios de saúde a nível global.