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11 jan 2024 Fonte: José Luís Monteiro, Oikos - Cooperação e Desenvolvimento Temas: Advocacia Social e Política, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Alterações climáticas e ambiente, Coerência das políticas, Cooperação para o Desenvolvimento, Energia, Financiamento para o Desenvolvimento

O primeiro dia da 28.ª reunião anual da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP28) foi estranho. É que já decorreram tantas COP que todos nós achamos que já vimos de tudo e que dificilmente seremos surpreendidos.

No entanto, tivemos um discurso de abertura com o Presidente desta COP a falar “da importância do papel dos combustíveis fósseis” na solução do problema (eu sei que é uma afirmação estranha vinda do “chefe” da uma conferência para combater as alterações climáticas, parece mais algo que o CEO de uma companhia petrolífera diria; infelizmente para o mundo, neste caso são a mesma pessoa, o Dr. Sultan Al Jaber). Depois tivemos um belo discurso de Simon Stiell, Secretário-Executivo da UNFCCC, que incluiu uma citação do Mestre Yoda da saga Star Wars e uma das melhores frases de toda a COP, “trying to try” (a frase que o filho de Stiell usava quando não queria fazer os trabalhos de casa e que descreve claramente a postura de muita gente em relação à implementação do Acordo de Paris). Mas o mais surpreendente foi o anúncio da operacionalização do Fundo de Perdas e Danos em apenas um ano (tinha ficado decidida a sua criação em Sharm El-Sheikh, na COP27).

A maior surpresa foi o facto de, no final do primeiro dia, estar a nascer uma esperança de que, pela primeira vez desde Paris, teríamos algo de positivo para mostrar ao mundo, teríamos uma declaração forte e um caminho traçado para combater as alterações climáticas (e, sonhando mais um bocadinho, talvez até conseguíssemos um caminho justo para todas as populações).

Depois passaram duas semanas, muitas conferências, muitas declarações, muito lobby, muita comunicação e, no fim de tudo, temos uma declaração final fraquinha (com alguns pontos fortes), aprovada quando os representantes dos pequenos Estados insulares estavam fora da sala e que fica muito aquém do que o mundo esperava e precisava (e convém salientar que o texto poderia ter sido muito pior, uma vez que o draft que foi apresentado a menos de dois dias do final oficial da conferência foi classificado por um ativista brasileiro como “… precisando de muito trabalho para poder ser considerado um desastre…”). Como de costume, a procura de compromisso e de unanimidade leva a que o texto final que vai demasiado longe para alguns, não vai suficientemente longe para outros e parece que nem sequer sai do ponto de partida para os mais ameaçados (o texto apenas é perfeito para a organização desta COP). É esta multiplicidade de visões que leva a que o texto seja considerado simultaneamente “histórico” por uns e uma “ladainha de lacunas” (“a litany of loopholes”, no discurso original da representante da Samoa).

A verdade é que as primeiras reações às Declarações das COP são sempre limitadas pelo curto espaço de tempo que as organizações têm para reagir, uma vez que o interesse dos media no tema é sempre fugidio. Mas uma análise mais ponderada e demorada, permite que se apontem as falhas e os buracos que abundam até nos três pontos aparentemente mais positivos que saíram desta COP 28:

  • O aparente início do “fim da era dos combustíveis fósseis”. A ideia está lá no texto, mas a linguagem usada é pouco assertiva, há um apelo à “transição rumo ao abandono dos combustíveis fósseis” e não uma decisão sobre a “eliminação progressiva dos combustíveis fósseis” nos sistemas energéticos. Pior ainda, a desejada expressão “phase out” só aparece ligada aos subsídios “ineficientes” aos combustíveis fósseis (não é claro quem define o que torna um subsídio eficiente). Já a expressão “phase-down” aparece diretamente ligada ao carvão, mas a declaração fala apenas em “phase-down of unabated coal”, ou seja, fala apenas em redução progressiva do carvão não fixo ou compensado (mas mais uma vez, não há nenhuma definição aceite para o termo “unabated”).
  • Os compromissos de triplicar a capacidade de produção de energias renováveis e de duplicar a eficiência energética, são uma nota bastante positiva no documento, mas já estavam decididos antes mesmo de qualquer delegado ter aterrado no Dubai.
  • A operacionalização e capitalização em tempo recorde do Fundo de Perdas e Danos é positiva. Mas o fundo conta apenas com 700 milhões de dólares em contribuições (menos de 1% dos 100 mil milhões que os Países em Desenvolvimento reclamavam, e menos de 0,2% dos 400 mil milhões que eram verdadeiramente necessários para enfrentar as Perdas e Danos). A ridícula dimensão deste fundo torna-se mais evidente se, por exemplo, compararmos os compromissos assumidos pelos países desenvolvidos com a capitalização do fundo com os salários anuais dos futebolistas mais bem pagos do planeta (França e Alemanha comprometeram-se com 109 milhões de euros cada um, mas Neymar, o terceiro futebolista mais bem pago do mundo, ganha mais do que isso; Cristiano Ronaldo ganha 2,5 vezes mais do que isso).

Apesar dos holofotes da comunicação social se terem concentrado quase exclusivamente no suposto “início do fim dos combustíveis fósseis”, uma das resoluções mais interessantes a sair do Dubai foi a “UAE Declaration on Sustainable Agriculture, Resilient Food Systems and Climate Action”. Neste acordo, 134 países, entre os quais Portugal, assumiram o compromisso de integrar a segurança alimentar e a agricultura sustentável nos seus esforços climáticos, trazendo estes temas para a linha da frente da mitigação e adaptação às Alterações Climáticas (apesar destas áreas estarem tão obviamente integradas, que nem sequer se compreende porque demorou tanto tempo a haver um documento formal sobre o assunto). Este compromisso, que visa melhorar o acesso ao financiamento, intensificar os esforços de resiliência e promover a segurança alimentar global, irá apresentar os seus primeiros resultados em 2025, na COP 30.

Convém também salientar que Portugal teve uma participação bastante positiva na COP 28. O país não só subiu no ranking do Índice de Performance Climática (ocupa o 10º lugar entre os países avaliados), como também demostrou vontade de ter um papel mais ativo nas negociações globais e assumiu compromissos com o financiamento do combate global às alterações climáticas, nomeadamente a contribuição de 5 milhões de euros para o Fundo de Perdas e Danos e a quadruplicação da contribuição para o Fundo Climático Verde. No entanto, a medida mais interessante que foi apresentada por Portugal foi, sem dúvida, os acordos sobre a conversão da dívida em financiamento para ações climáticas com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe (parte das dívidas dos dois pequenos países insulares é convertida em financiamento para projetos nacionais de combate às Alterações Climáticas através depropostas daqueles Estados, e mediante a aprovação de financiamento por Portugal). No entanto, convém salientar que continua a ser imprescindível uma melhoria da transparência no acesso a estes fundos e ainda maior aumento do grau de exigência em termos da avaliação da pertinência, eficácia e eficiência dos projetos financiados.

Depois do Dubai, a caravana das COP ruma a Baku em 2024. A COP 29 será no Azerbaijão, um país com um índice democrático ainda mais baixo do que os UAE e com uma economia totalmente dependente dos combustíveis fósseis (87,7% das suas exportações). Portanto, as expectativas são cada vez mais baixas, apesar da urgência e necessidade de ação ser cada vez maior.

Claramente é preciso repensar o modelo de funcionamento e de intervenção destas COP. A COP29 será o terceiro ano consecutivo em que a Conferência decorrerá em países com claros défices democráticos e, caso se mantenha a tendência dos últimos 3 anos, os lobistas das indústrias dos combustíveis fósseis serão uma das três maiores “delegações” presentes no evento… Se quisermos manter a veia cinematográfica que o Secretário-Executivo da UNFCCC introduziu no seu discurso de abertura da COP28, talvez o Star Wars não seja a referência mais indicada… Talvez seja melhor usar uma “trope” clássica dos filmes de terror, aquela em que a vítima se tranca em casa para se proteger do assassino, que vai fazendo telefonemas cada vez mais ameaçadores ao longo do filme e, no climax da ação, recebe um telefonema da polícia a dizer que todas as chamadas que recebeu vieram de dentro da sua casa.

Por José Luís Monteiro, Oikos - Cooperação e Desenvolvimento

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