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14 nov 2024 Fonte: José Luís Monteiro, Oikos - Cooperação e Desenvolvimento Temas: Advocacia Social e Política, Alterações climáticas e ambiente, Cidadania e Participação, Coerência das políticas, Cooperação para o Desenvolvimento, Sociedade Civil

COP 25 - Chile (Arquivo)

Lembro-me de chegar a Marraquexe em Novembro de 2016, para participar na 22ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP22) e de haver no ar um sentimento de choque e de perplexidade, é que dias antes Donald Trump tinha sido eleito Presidente dos Estados Unidos da América e não se sabia qual o futuro do Acordo de Paris. Este ano não estarei presente na COP29 (é cada vez mais difícil à sociedade civil ter um papel presencial ativo nestas conferências), mas calculo que o sentimento reinante seja mais de desalento do que de choque. Este desalento não será causado apenas pelos resultados das eleições americanas, é que ano após ano, conferência após conferência vão-se dando passos na direção correta (mais alguns em direções aleatórias), mas sentimos que estamos a avançar devagar, que precisávamos de estar a sprintar para a meta, mas estamos apenas a cambalear mais ou menos na sua direção.

As COP têm seguido um padrão mais ou menos comum nos últimos anos:

  1. Abertura com um discurso promissor por parte da Presidência da COP e vários apelos de gente das Nações Unidas.
  2. Alguns dias de discursos de líderes de várias nações, cheios de pedidos por parte dos países em desenvolvimento e de promessas do lado dos países desenvolvidos. Em algum momento nestes dias iniciais, é anunciada uma grande conquista ou avanço significativo (na COP 28 foi um novo fundo de investimento climático dos Emirados Árabes e um quadro de operacionalização do Fundo de Perdas e Danos).
  3. Negociações começam devagar, mas depois decorrem até ao último segundo (pelo menos), procurando fechar pontos contenciosos numa luta desigual entre a ambição daqueles que defendem um futuro mais verde e a resistência daqueles que querem manter o status quo ou apenas ganhar mais uns biliões antes de terem que mudar de vida (algo muito parecido ao que as tabaqueiras fizeram na segunda metade do século XX).
  4. Vários dias temáticos em que se apresentam projetos de sucesso, discutem-se ideias com potencial e alguns procuram vender soluções para os problemas que outros gastam tanto tempo a relativizar.
  5. A Sociedade Civil organizada procura apelar a uma maior ambição, compromisso e justiça, recorrendo a manifestações, declarações e eventos. Como nota muito pouco engraçada, o Azerbaijão é o terceiro país consecutivo em que a participação da Sociedade Civil é fortemente manietada e a sua ação é muito limitada, em muitos aspetos pelo défice democrático vigente no país que acolhe a COP (por exemplo, pelo terceiro ano consecutivo não são possíveis manifestações fora do espaço da COP, pelo que este ano haverá apenas uma marcha pelo Clima dentro do recinto e em dia e hora acordado/definido pela organização).
  6. Vão sendo apresentadas conclusões interessantes que anteveem soluções num futuro próximo.
  7. Já depois da hora prevista para conclusão da COP (já na madrugada ou mesmo no dia seguinte) é apresentada uma declaração final. Esta conterá alguns pontos decentes que serão trabalhados nos próximos dias para parecerem grandes conquistas e deixarão muito para ser concluído nos próximos capítulos.

A COP deste ano ainda não vai a meio e provavelmente acabará por seguir mais ou menos este modelo (já anunciou um consenso para o estabelecimento dos standards que permitirão a criação e créditos de carbono, ao abrigo do Artigo 6 do Acordo de Paris), mas também já mostrou alguns desvios para pior em relação a este modelo.

  1. Tal como esperado, a abertura fica marcada por um bom discurso de Simon Steil, Secretário da UNFCC, e coincide com o forte apelo de António Guterres (salientando que o Financiamento Climático não é caridade, é investimento). No entanto, qualquer boa vontade gerada pelo discurso do presidente da COP, Mukhtar Babayev, foi logo suplantada pelas declarações do Presidente do Azerbaijão, que teceu críticas (pelo menos parcialmente justas) à hipocrisia dos mais ricos (sobretudo à União Europeia e aos Estados Unidos), mas acabou por concluir que os combustíveis fósseis eram uma “dádiva de Deus” e defendeu a sua utilização (convém salientar que o Azerbaijão tem reservas de petróleo da ordem dos 7 mil milhões de barris).
  2. Muitos líderes mundiais optaram por não estar presentes em Baku. Por exemplo, nenhum dos líderes dos 13 países que mais gases com efeito de estufa emitem estará presente na COP29 (convém salientar que o presidente Lula da Silva do Brasil, quinto maior emissor global, não se deslocou por motivos de saúde). No entanto, mesmo para os líderes que estão presentes e discursaram, os seus discursos são já tão previsíveis que até circula na COP um Bingo dos clichés usados nos discursos, que foi compilado ao longo das edições anteriores e que certamente é completamente preenchido nas primeiras horas da conferência dos líderes.

Convém salientar mais alguns pontos sobre os líderes presentes em Paris. Em primeiro, uma nota negativa tem que ser atribuída a Portugal, visto que pela primeira vez desde Paris em 2015, o primeiro-ministro português não estará presente numa COP. Luís Montenegro optou por ficar em Lisboa para, entre outras coisas, discursar na abertura na Websummit. Por outro lado, o Reino Unido teve uma contribuição significativa nestes primeiros dias, com Keir Starmer a anunciar que o seu país se compromete a reduzir as suas emissões em 81% até 2035.

Já todos ouvimos dizer que esta é a “COP das Finanças”, mas o que é que isso quer dizer? No fundo, a sigla mais importante desta COP é NCQG (New Collective Quantified Goal ou Nova Meta Quantificada Coletiva), mas para a compreender temos que voltar a 2009. Nesse ano foi acordado que os países desenvolvidos deveriam aumentar o financiamento aos países em desenvolvimento para os auxiliar no combate às alterações climáticas (tanto na mitigação com na adaptação). O seu compromisso foi alcançar os 100 mil milhões de dólares de novo financiamento climático anual até 2020 e depois mantê-lo até 2025, altura em seria definido um novo objetivo. O que há para dizer sobre este assunto dava para escrever várias teses de doutoramento. Todos estão de acordo que não foi alcançado em 2020, sendo que a OCDE diz que foi alcançado em 2022, outros dizem que foi 2023, mas a análise da Oxfam aponta para que o valor real de ajuda nova e não condicionada não ultrapasse os 35 mil milhões de dólares. Ora o NCQG será a renovação deste compromisso, será um novo valor que todos esperamos seja baseado nas reais necessidades dos países em desenvolvimento e que seja significativamente mais ambicioso que o anterior (por exemplo, a Climate Action Network Europe defende que seja algo a rondar o bilião de dólares (trillion em inglês). Este valor pode parecer uma brutalidade, mas convém salientar que é levemente inferior aos lucros médios anuais da indústria petrolífera nos últimos 50 anos.

A outra sigla importante a reter é FRLD (Fund for Responding to Loss and Damage), o tal Fundo para Perdas e Danos que, ao fim de 31 anos de pedidos e pressões por parte dos países em desenvolvimento, foi acordado na COP27. É que aparentemente os relatos da sua operacionalização no ano passado no Dubai, foram manifestamente exagerados e até hoje não foi ativado uma única vez (sendo que o rumor que corre por aí é que mesmo os países que se comprometeram a ajudar a capitalizar o fundo, entre eles Portugal, não tem conseguido efetivar essa capitalização por falta de resposta do outro lado). Espera-se que o Fundo saia de Baku com mais recursos e com um calendário de operacionalização urgente em andamento. Espera-se também que o FRLD inclua provisões que permitam um acesso direto e transparente ao financiamento por parte dos povos indígenas e das comunidades mais afetadas pelas alterações climáticas no Sul Global.

Para além destes pontos capitais há um gigantesco rol de outras discussões a decorrer durante a COP (desde assuntos mais concretos como a medição da Adaptação, até outros igualmente importantes, mas muito mais difusos como a justiça climática, o papel dos jovens ou a insistência em organizar COP em regimes menos democráticos) e uma lista de incertezas ainda maior a assombrar as negociações (desde o mal-estar entre França e o Azerbaijão, a pressão do nuclear ou a sombra de uma nova presidência Trump no segundo país maior poluidor global). No meio de todas estas incertezas, resta-nos concentrarmo-nos numa das palavras-chave do combate às alterações climáticas. Resiliência. Tempos difíceis aproximam-se, teremos que nos reinventar, teremos que reinventar modelos (incluindo o da própria COP) e redescobrir solidariedades.

Não vou ser enganador com as palavras, se esta COP correr mal não é uma tragédia, mas será mais um passo em direção a uma. Temos um tempo cada vez mais reduzido para reagir e tomar medidas globais para resolver a situação. O risco que corremos é que, dentro de alguns anos não teremos que reinventar a COP, teremos que reinventar toda a nossa sociedade e desta vez com limites externos bem mais estreitos. É que podemos negociar com governos e empresas, mas não podemos negociar com a Natureza.

Por José Luís Monteiro, Oikos - Cooperação e Desenvolvimento

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