14 fev 2022 Fonte: Concord Europe Temas: Advocacia Social e Política, Cooperação para o Desenvolvimento, Sociedade Civil, União Europeia
A 6ª Cimeira União Europeia (UE)-União Africana (UA) está agendada para 17 e 18 de fevereiro de 2022. As Cimeiras dos Chefes de Estado e de Governo da União Europeia e da União Africana, que geralmente ocorrem a cada três anos, fazem um balanço dos progressos realizados na implementação dos compromissos e fornecem orientação política para trabalhos futuros. Neste momento, as crises que enfrentamos reforçam a urgência de uma parceria justa entre a UE e África. A construção de estados e sociedades resilientes e pacíficas para reduzir as desigualdades deve estar no centro da futura parceria. Garantir que a Cimeira e os seus resultados abordam esses desafios é fundamental para alcançar resultados transformadores para todos e todas.
Por isso, a Concord Europe, juntamente com outras organizações da sociedade civil (OSC) da África e da Europa, incluindo a Plataforma, elaborou uma Declaração Conjunta apelando a governos e instituições para corrigirem a falta de inclusão e transparência deste processo e garantirem que as decisões tomadas em nome das pessoas e das comunidades não acontecem sem a sua participação no processo de decisão.
A declaração aborda, entre outros, os seguintes assuntos:
- Abordagem centrada nas pessoas: a parceria deve ter uma abordagem com foco no desenvolvimento humano e nos direitos humanos – que reconhece e se baseia na diversidade, conhecimento e habilidades nos continentes africano e europeu.
- Inclusão da Sociedade Civil: devem ser estabelecidos mecanismos de governação claros para restabelecer a parceria, abrangendo uma ampla abordagem multi-atores e uma tomada de decisão conjunta através de processos transparentes – o que deve incluir um envolvimento significativo e de longo prazo com as Organizações da Sociedade Civil africanas, europeias e da diáspora.
- Desequilíbrio de poder e privilégio: A UE e a UA devem trabalhar para transcender o quadro tradicional colonial e pós-colonial, paradigma Norte-Sul, o que deve implicar uma revisão completa das questões sistémicas e estruturais que sustentam a relação UA-UE.
Leia aqui a Declaração traduzida para Português
Ver aqui lista de organizações signatárias.
Nenhuma decisão sobre nós sem nós!
Declaração Conjunta da Sociedade Civil Africana e Europeia
Para todos os Chefes de Estado e de Governo e Dignatários presentes na 6ª Cimeira UE-UA
Fevereiro 2022
Os esforços atuais da UA e da UE para criar uma parceria justa e entre iguais estão enraizados na cooperação colonial e pós-colonial do passado e são desafiados por desigualdades estruturais e sistémicas entre as duas regiões. O sucesso dos esforços de hoje dependerá do reconhecimento do passado, da consciência do presente e do compromisso com uma transformação mutuamente benéfica para o futuro. A construção de uma parceria transformada exigirá uma abordagem de continente para continente, bem como um envolvimento significativo com os principais atores, como a sociedade civil em toda a sua diversidade, com prioridade para as organizações de base mandatadas para representar os principais setores da população.
É extremamente lamentável que, no quadro da sua parceria, a UE e a UA apenas tenham envolvido as organizações da sociedade civil no último momento, sublinhando a falta de inclusão e transparência deste processo. Ao procederem desta forma, excluíram as vozes de milhões de pessoas que serão diretamente afetadas pelas decisões que forem tomadas. Por outro lado, provavelmente priorizarão os interesses de poucos em detrimento do bem-estar da maioria, correndo o risco de deixar milhões ainda mais para trás.
Nós, as OSC africanas, europeias e da diáspora, aproveitamos esta oportunidade para expressar a nossa preocupação de que um processo tão imperfeito possa apenas reforçar os atuais desequilíbrios de poder e privilégio. A participação das OSC é crucial para garantir que a cooperação entre a UA e a UE promove prioridades conjuntas, que as iniciativas emblemáticas se baseiam nas realidades locais e possíveis soluções existentes e que ninguém é deixado para trás. Considerando a forma como o processo foi conduzido, a UE continua a desconsiderar as prioridades da União Africana, conforme estabelecido na Agenda 2063, selecionando os elementos que mais lhe interessam. A UE, apesar do seu compromisso em forjar uma parceria centrada nas pessoas, não parece estar a colocar as pessoas em primeiro lugar. Por seu lado, a tomada de decisões políticas da UA poderia beneficiar de um diálogo mais inclusivo e transparente com a sociedade civil e as organizações de base.
Considerando uma parceria que se afigura tão desequilibrada e a exclusão da sociedade civil, o resultado há muito esperado da Cimeira não enfatiza as questões-chave e sistémicas priorizadas pelos países africanos, como o desemprego generalizado e especialmente dos jovens, relações comerciais desequilibradas, cancelamento da dívida, soberania alimentar, apropriação de terras e recursos, violações de direitos humanos - incluindo direitos económicos, sociais, culturais, civis e políticos - a crise climática, perda de biodiversidade e desigualdade no acesso a vacinas e medicamentos.
A exclusão da sociedade civil é sintomática do passado e do presente, mas ainda há tempo para garantir que a Cimeira UE-UA representa um momento de transformação para o futuro.
OS APELOS PRINCIPAIS DA SOCIEDADE CIVIL
A parceria UA-UE deve basear-se em igualdade, inclusão, responsabilidade mútua, valores partilhados e prosperidade. Uma redefinição de parceria é urgentemente necessária. Para este fim:
- A UE e a UA devem trabalhar para ultrapassar as dinâmicas coloniais e neocoloniais que têm vindo a orientar as suas relações, ainda muito focadas numa lógica de doador-recetor. Tal deve implicar uma revisão completa das questões sistémicas e estruturais que sustentam a atualmente desequilibrada relação UA-UE - em áreas como as relações comerciais, a dívida, os fluxos financeiros ilícitos - e que exacerbam em vez de melhorar a equidade da governança internacional. As regras que governam a ordem mundial devem ser estabelecidas de forma justa e democrática. O respeito e a promoção dos direitos humanos universais devem estar no centro da parceria estratégica UE-UA. A revisão também deve abordar a recuperação pós-COVID19 e as prioridades conjuntas, como promover o acesso equitativo às vacinas COVID19, melhorar o desenvolvimento humano, promover a igualdade de género, enfrentar a crise climática e reduzir a dependência de África das importações de alimentos.
- A UE e a UA devem estabelecer mecanismos de governação claros para revigorar a parceria, abrangendo uma ampla abordagem multiatores, tomada de decisão conjunta através de processos transparentes e participativos, informação atempada, acessível e disponível, e mecanismos de implementação, monitorização e responsabilização. Isso deve incluir um envolvimento significativo e de longo prazo das OSC africanas, europeias e da diáspora. As vozes das pessoas mais afetadas pelas decisões devem estar no centro de uma parceria UA-UE eficaz e transformadora. A parceria deve reforçar o papel das políticas públicas e regular efetivamente a influência e o investimento do setor empresarial. O estabelecimento de tais mecanismos de governança deve começar com um acordo sobre um sistema inclusivo de monitorização e prestação de contas em relação aos resultados desta Cimeira.
- A parceria UA-UE deve reconhecer e desenvolver a diversidade, os conhecimentos e as competências nos continentes africano e europeu. Para isso, a UA e a UE, em diálogo com organizações da sociedade civil, comunidades económicas regionais e autoridades locais, devem elaborar um roteiro claro para respeitar e cumprir a agenda de localização, garantindo a transferência de poder e de recursos para os atores locais que estão diretamente envolvidos na garantia do progresso político, social e económico dos países, respeitando os limites planetários. Em todas as decisões e ações, a UE e a UA devem reconhecer e promover os direitos humanos, uma abordagem centrada nas pessoas e as economias sociais, solidárias e integradas do ponto de vista territorial.