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14 abr 2021 Fonte: Vários Temas: Setor Privado, União Europeia

Na União Europeia, o que parecia destinado a uma missão só de alguns está a ganhar força de lei. Caberá às Presidências Portuguesa e Eslovena do Conselho da UE negociar e adotar a legislação sobre o dever de diligência das empresas e responsabilidade empresarial, a integrar no Acordo Verde Europeu e no Plano de Recuperação Económica da UE. Um caminho marcado pela diversidade de contributos da sociedade civil. 

As crises sociais e ambientais agudizadas pela COVID-19 gritam-nos que a situação é séria. As Pessoas e o Planeta não podem ficar à mercê do lucro a qualquer custo ou do empenho de alguns. É urgente colocar em prática o dever de diligência das empresas em matéria de direitos humanos, ambiente e boa governação, para concretizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030 das Nações Unidas.

Dever de Diligência    
São vários os guias de Responsabilidade Social [1] para uma integração de preocupações sociais e ambientais nas empresas, tais como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas. Aqui ficou expresso o dever de diligência das empresas em matéria de direitos humanos como um processo de identificação, prevenção, mitigação e prestação de contas quanto a impactos nesses direitos. A Comissão Europeia (CE) ajudou a traduzir estas responsabilidades em estruturas práticas, mas em 2020 apurou serem seguidas por apenas um terço de um universo de 300 empresas europeias [2] e prometeu legislação para junho de 2021. 

Direitos unidos
As organizações da sociedade civil (OSC) da UE, de diferentes âmbitos, têm contribuído com investigação, sensibilização e advocacia em matéria de legislação de dever de diligência das empresas, ao lado de congéneres internacionais e em movimentos nacionais e regionais [3] com diferentes atores. 
No seio de alguns movimentos nacionais emergiram iniciativas como a Lei do Dever de Diligência em França. Uma possibilidade de responsabilizar empresas por graves violações cometidas ao longo da cadeia de valor global dos seus produtos e serviços – como o supermercado francês Casino, acusado de vender carne ligada à desflorestação no Brasil [4]. 
Projetos europeus como o Climate of Change e o GoEAThical OurFood OurFuture, implementados pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) em Portugal, têm influenciado as instituições da UE com o crescente apoio dos consumidores que se somam a esta causa [5]. Expõem as relações entre sociedade de consumo, perda de biodiversidade, aceleração das alterações climáticas, pobreza, desigualdades e migrações forçadas. Evidenciam a pertinência de um dever de diligência que abranja não só todos os direitos humanos como também os direitos ambientais para além do seu impacto direto (ou de mais curto prazo) na vida e na saúde das Pessoas. 
Em março de 2021, o Parlamento Europeu deu a resposta exigida por uma sociedade em mudança: a aprovação por larga maioria do relatório [6] da sua Comissão dos Assuntos Jurídicos (JURI), solicitando à CE uma proposta formal para a lei de dever de diligência, a aplicar às empresas que operem na UE.

Menos injustiça e mais justiça
Compensar as pessoas e comunidades lesadas direta ou indiretamente por empresas privadas e públicas da UE, de todas as dimensões e setores, bem como estender a responsabilidade civil àquela criminal, são pontos centrais [7] para as OSC. Tal como os necessários mecanismos de proteção, denúncia e posterior acesso a compensação junto das instâncias da UE. Já modificar práticas, como trocas comerciais injustas ou corrupção, que favorecem a perpetuação de violações, passará por prever potenciais riscos e impactos e tomar todas as medidas necessárias para os evitar. A sociedade civil relembra que tal irá exigir uma moldura legislativa integrada e coerente, e mecanismos reguladores, de investigação e de sancionamento por parte dos Estados, que suportem medidas efetivas e desmotivem incumprimentos reiterados.
Movimentos sindicais, representantes de comunidades e outras OSC – desiludidos com a sua fraca capacidade de negociação em iniciativas de responsabilidade social multi-stakeholders [8] – têm criado iniciativas orientadas para os trabalhadores e o seu ponto de vista [9]. Redes de organizações do Sul Global e do Norte Global [10] sublinham que as preocupações dos detentores de direitos – em particular grupos mais vulneráveis, como mulheres, crianças e migrantes – deverão ser ouvidas e refletidas no texto da legislação e em mecanismos de monitorização. Certificações com base no mero preenchimento de fichas de requisitos não poderão ser sinónimo de responsabilidade social.
Entre iniciativas voluntárias e legislativas, indagar sobre o lugar do dever de diligência no quadro de uma economia humana sustentável – que trabalhe sobre as causas estruturais das desigualdades e da destruição ambiental, e promova uma melhor distribuição dos recursos – será determinante para o lugar de destaque pretendido para as Pessoas e o Planeta. 

por Filipa Lacerda
IMVF / Campanha #GoEAThical. OurFood.OurFuture

 

Notas de consulta
1.https://eurocid.mne.gov.pt/artigos/responsabilidade-social-1
2.https://op.europa.eu/en/publication-detail/-/publication/8ba0a8fd-4c83-11ea-b8b7-01aa75ed71a1/language-en
3. https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/national-regional-movements-for-mandatory-human-rights-environmental-due-diligence-in-europe/
4. https://www.asso-sherpa.org/indigenous-organisations-and-ngo-coalition-warn-top-french-supermarket-casino-do-not-sell-beef-from-deforestation-in-brazil-and-colombia-or-face-french-law-stop-gambling-with-our-forests
5. https://www.imvf.org/2021/02/03/ajuda-a-responsabilizar-as-empresas-com-apenas-um-clique-antes-de-8-de-fevereiro-de-2021/
6. https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0073_PT.html
7.  https://www.forestpeoples.org/en/european-union-and-european-commission/news-article/2021/civil-society-statement-adoption-european
8. https://www.msi-integrity.org/not-fit-for-purpose/
9. https://wsr-network.org/
10. https://www.business-humanrights.org/en/from-us/briefings/towards-eu-mandatory-due-diligence-legislation/

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