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15 jun 2023 Fonte: IMVF Temas: Setor Privado, Direitos Humanos, Alterações climáticas e ambiente

Artigo por: Sara Pacheco. IMVF.

De todos os projetos legislativos que estão a ser discutidos em Bruxelas, há um que tem dado particularmente que falar - a Diretiva Relativa ao Dever de Diligência das Empresas em Matéria de Sustentabilidade. 

Inspirada por standards internacionais, nomeadamente, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e as Diretrizes da OCDE para as Empresas Multinacionais, esta Diretiva irá exigir que as empresas por si abrangidas exerçam a diligência devida (due diligence) em matéria ambiental e de direitos humanos. Exercer a diligência devida implica identificar, prevenir, mitigar, e cessar os impactos adversos, tanto das suas próprias atividades como das dos seus parceiros comerciais, nos direitos humanos e no ambiente. Esta exigência será imposta em grandes empresas europeias e de países terceiros que operam no mercado interno cumpridoras de determinados critérios relativos ao seu número de trabalhadores e volume de negócios líquido.

O cumprimento das regras relativas ao dever de diligência será monitorizado por autoridades de supervisão administrativas que os Estados Membros serão obrigados a designar e que terão poderes de investigação e de imposição de sanções dissuasivas, incluindo coimas e ordens de cumprimento. Adicionalmente, os Estados Membros terão de assegurar que dispõem de um regime de responsabilidade civil que permita às pessoas afetadas obterem compensação pelos danos resultantes do incumprimento de obrigações pelas empresas sempre que esses danos pudessem ter sido evitados ou mitigados através de medidas adequadas de diligência. Deste modo, a Diretiva será um instrumento crucial na responsabilização das empresas pelas violações dos direitos humanos e pelos danos ambientais ao longo das suas cadeias de valor globais.

No dia 23 de fevereiro de 2022, a Comissão Europeia divulgou a sua proposta inicial, tendo-se seguido a adoção da posição do Conselho da União Europeia no dia 1 de dezembro do mesmo ano. Já em 2023, no dia 25 de abril, a Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento Europeu adotou um projeto de relatório sugerindo um conjunto de alterações à proposta inicial da Comissão Europeia. No dia 1 de junho, o Parlamento Europeu adotou, em sessão plenária, esse mesmo projeto de relatório como a sua posição de partida nas negociações interinstitucionais entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia. Nestas negociações, que irão ter início no final deste mês, as três instituições irão procurar encontrar um compromisso entre as suas posições, com base na proposta inicial da Comissão Europeia.

Enquanto o Parlamento Europeu tem adotado uma agenda mais progressiva, com grande foco na defesa do ambiente e dos grupos afetados pelas atividades empresariais, a postura do Conselho da União Europeia afigura-se mais laissez-faire. Com base nas posições adotadas pelas várias instituições, alguns temas suscetíveis de serem objeto de negociação são (i) o âmbito pessoal da Diretiva, ou seja, a caracterização das empresas que se encontram abrangidas; (ii) a inclusão do setor financeiro; (iii) a clarificação de alguns conceitos como ‘relação comercial estabelecida’ ou ‘cadeia de valor’; (iv) o regime de responsabilidade civil; (v) as responsabilidades dos administradores das empresas; e (vi) as obrigações relacionadas com o combate às alterações climáticas. É incerto quanto tempo será necessário para atingir um consenso, mas tendo em conta algumas divergências significativas, não é provável que aconteça antes de 2024. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu já demonstraram a intenção de adotar a Diretiva antes das Eleições Europeias, que decorrerão no próximo ano. No entanto, tudo dependerá do nível de flexibilidade do Conselho da União Europeia. Será interessante assistir ao desenrolar das negociações e observar quanto do projeto proposto pelo Parlamento Europeu se conseguirá manter. 

Uma vez alcançado um acordo, será redigido um texto final, que será apresentado ao Parlamento Europeu e ao Conselho da União Europeia para aprovação. Ambas as instituições terão de o adotar para que este se torne uma lei oficial da União Europeia. Assim que a Diretiva for formalmente adotada, os Estados Membros irão dispor de dois anos para a transpor para os ordenamentos jurídicos nacionais.

Espera-se que esta Diretiva venha a ser a lei que estabelece o dever de diligência em matéria ambiental e de direitos humanos mais exaustiva até à data e que venha a instaurar um novo paradigma no que toca à conduta empresarial responsável e à responsabilização de empresas pelos impactos adversos das suas atividades nas pessoas e no planeta. Avizinham-se tempos entusiasmantes!

E qual o papel de Portugal?

Portugal tem reconhecido estes desenvolvimentos comprometendo-se a adotar um Plano de Ação Nacional (NAP) sobre Empresas e Direitos Humanos que se encontra, atualmente, em fase de desenvolvimento. Um NAP sobre Empresas e Direitos Humanos é uma “estratégia de políticas evolutiva desenvolvida por um Estado para prevenir os impactos adversos das empresas sobre os direitos humanos, em conformidade com os Princípios Orientadores Sobre Empresas e Direitos Humanos das Nações Unidas (United Nations Guiding Principles on Business and Human Rights)”1

É importante notar que, em Portugal, o nível de implementação pelas empresas de processos de devida diligência em matéria de direitos humanos tem permanecido, até agora, muito limitado na prática. Por exemplo, o Primeiro Inquérito Nacional sobre Conduta Empresarial Responsável e Direitos Humanos5, publicado em 2019, revelou que menos de uma em cada cinco empresas implementa processos de devida diligência em matéria de direitos humanos em Portugal.

Saiba mais sobre as Recomendações para o Primeiro Plano Nacional de Ação Português sobre Empresas e Direitos Humanos aqui.

1UN Working Group on Business and Human Rights, ‘Guidance on National Action Plans on Business and Human Rights’ (2016) https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/Business/UNWG__NAPGuidance.pdf

 
Este artigo foi escrito no âmbito fo projeto OurFood.OurFuture, um projeto implementado em Portugal pelo IMVF e financiado pela União Europeia e o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua. Saiba mais aqui.

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