05 jul 2022 Fonte: Várias Temas: Paz e gestão de Conflitos, Migrações e Refugiados, Alterações climáticas e ambiente
Assinalou-se, no passado dia 20 de junho, o Dia Mundial do Refugiado, tendo sido revelado o marco avassalador de mais de 100 milhões de pessoas forçadas a abandonar o seu país ou local de origem devido a situações de guerra, conflito e perseguição. No ano em que o foco da efeméride se centrou no direito humano de asilo e proteção, a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) reafirma a importância dessa proteção se realizar através da garantia de um acesso seguro e sem obstáculos através das fronteiras; de um tratamento humanizado e sem discriminação, devendo todas as pessoas ser tratadas com respeito e dignidade; e da ausência de práticas de retorno forçado ao país de origem, caso a liberdade e a segurança das pessoas se encontrem ameaçadas.
O relatório anual do ACNUR sobre as tendências globais mais recentes em termos das estatísticas de pessoas refugiadas, requerentes de asilo, deslocadas internas e apátridas em todo o mundo, revela que, no final de 2021[1], mais de 89,3 milhões de pessoas foram forçadas a deslocar-se, na grande maioria dos casos, devido a situações de perseguição, conflito, violência, violação de direitos humanos ou outras situações de perturbação da ordem pública.
No entanto, não é negligenciável o impacto que as alterações climáticas terão no aumento do número de pessoas deslocadas por todo o mundo, em especial em países que menos contribuíram para a crise climática. O Centro de Monitorização de Deslocamentos Internos estima que em 2021 cerca de 23, 7 milhões de pessoas foram forçadas a deslocar-se internamente nos seus países devido a eventos climáticos extremos como cheias, tempestades e secas. O último relatório Groundswell do Grupo Banco Mundial estima que, caso não sejam tomadas ações concretas relativamente à emergência climática e ao desenvolvimento, 216 milhões de pessoas podem ser forçadas a deslocar-se dentro dos seus países até 2050, devido a eventos relacionados com o impacto das alterações climáticas. Existe uma clara ligação entre deslocamentos por conflitos internos e o facto desses deslocamentos acontecerem em países extremamente vulneráveis aos impactos das alterações climáticas: 78% dos novos refugiados e requerentes de asilo são originários de países afetados simultaneamente por conflitos internos e consequências das alterações climáticas (que potenciam os próprios conflitos). A melhor forma de mitigar os riscos deste tipo de deslocamento será através de uma ação concertada para reduzir as emissões globais de gases com efeito de estufa e apoiar o desenvolvimento verde, inclusivo e resiliente, bem como o uso equitativo dos recursos.
Países mais vulneráveis são os mais afetados por deslocamentos forçados e os que mais acolhem pessoas em fuga
Em 2021, a grande maioria das pessoas forçadas a deslocar-se era originária de cinco países (Síria, Venezuela, Afeganistão, Sudão do Sul e Myanmar) e a quase totalidade (83%) é acolhida em países de rendimento baixo ou médio, sendo 72% das pessoas acolhidas em países vizinhos ao seu país de origem. A Turquia é o país que acolhe mais pessoas deslocadas em todo o mundo, tendo registado um número de 3,8 milhões em 2021, o que representa uma proporção de 1 pessoa deslocada por cada 23 nacionais do país.
O ACNUR destaca vários acontecimentos em 2021 como significativos para o aumento do número de pessoas deslocadas, nomeadamente a tomada do poder pelos Taliban no Afeganistão, na sequência da qual 2,7 milhões de pessoas foram forçadas a deslocar-se para o interior do país e para países vizinhos; o conflito na região de Tigray, na Etiópia, que provocou a deslocação de pelo menos 2,5 milhões de pessoas dentro do seu país; a situação política em Myanmar, que resultou em 1,2 milhões de pessoas deslocadas; um crescimento de mais de meio milhão de pessoas deslocadas da Venezuela, e os conflitos na República Democrática do Congo, na Nigéria, no Sudão do Sul, na Síria e no Iémen, que provocaram o aumento de entre 100.000 a 500.000 pessoas deslocadas internamente durante o ano.
Guerra na Ucrânia: o mais rápido aumento massivo de deslocamento forçado de pessoas desde a Segunda Guerra Mundial
A dramática situação existente no final de 2021, em que acima de um por cento da população mundial – ou 1 em cada 88 pessoas – foi forçada a deslocar-se, adensou-se na sequência da guerra na Ucrânia, com cerca de sete milhões de ucranianos deslocados dentro das fronteiras do seu país[2] e mais de 8,4 milhões de refugiados a abandonar a Ucrânia com destino a outros países[3]. A par desta crise, durante os primeiros meses de 2022, também no Burkina Faso e em Myanmar se registou um aumento de deslocamentos forçados de pessoas, tendo até final de junho deste ano sido ultrapassado o marco mundial de 100 milhões de pessoas forçadas a abandonar o seu país ou local de origem.
Como resposta ao elevado número de pessoas em fuga da Ucrânia, desde o início da invasão russa a 24 de fevereiro, a União Europeia concedeu estatuto de proteção temporária a todas as pessoas com nacionalidade ucraniana. Esta medida, absolutamente necessária tendo em conta o volume de pessoas em fuga, representa, no entanto, uma exceção no tipo de resposta que a União Europeia e os Estados Membros têm estado disponíveis para dar em diferentes momentos, em que um elevado número de pessoas procuraram proteção na Europa, ao longo dos últimos anos. O tratamento desigual de pessoas à procura de asilo, com base na sua nacionalidade ou local de origem, por motivos culturais, religiosos ou raciais, constitui uma violação grave dos direitos humanos e colide com os princípios mais elementares de resposta a emergência e de proteção de pessoas vulneráveis.
Assim, na data em que mais uma vez se assinala o Dia Mundial do Refugiado, urge apelar à União Europeia e aos Estados Membros que garantam a existência de vias seguras de trânsito para todas as pessoas em fuga, uma receção e acolhimento dignos para todas e todos e o apoio à sua integração no país de acolhimento, independentemente do seu país de origem. A resposta positiva e solidária observada um pouco por toda a Europa relativamente aos refugiados/as ucranianos/as, incluindo em Portugal, deve por isso alargar-se a todas as pessoas que são forçadas a fugir e procurar proteção noutros países. Precisamos de enquadramento legal e meios de financiamento suficientes para que a reinstalação destas pessoas seja garantida, permitindo que possam encontrar soluções dignas e promissoras para o seu futuro e, ao mesmo tempo, contribuir para as comunidades em que vivem.
[1] Dados relativos ao período entre janeiro e dezembro de 2021.
[2] Segundo dados do ACNUR: https://www.unhcr.org/ua/en/internally-displaced-persons
[3] Segundo dados de final de junho de 2022, do ACNUR e do governo ucraniano: https://data.unhcr.org/en/situations/ukraine