02 jul 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Digitalização para o Desenvolvimento/ Transição Digital, Presidência da UE, Sociedade Civil, Cooperação para o Desenvolvimento, Cidadania e Participação, Advocacia Social e Política
Editorial
A próxima Cimeira União Africana (UA)-União Europeia (UE), inicialmente prevista para outubro de 2020 e adiada em virtude da pandemia, vai ser determinante para o futuro da relação entre os dois continentes. A Comissão Europeia comprometeu-se em trabalhar numa reformulação da abordagem da relação da UE com o continente africano, e a Sociedade Civil tem, neste âmbito, advogado por uma revisão das relações entre as partes no sentido de construir uma parceria igualitária, que contribua para a realização dos ODS e para a promoção da Democracia e dos Direitos Humanos.
É com o objetivo de contribuir para esta reflexão que a Plataforma Portuguesa das ONGD tem, ao longo da Presidência Portuguesa do Conselho da UE e no âmbito do projeto “Por uma Europa aberta, justa e sustentável no mundo", desenvolvido várias iniciativas associadas ao tema das relações UE-África, nas quais se inclui a presente edição da revista da Plataforma.
Assim, e também no sentido de apresentar um enquadramento inicial para esta reflexão, abrimos a presente edição com um artigo de Patrícia Magalhães Ferreira e Andreia Oliveira, autoras do estudo lançado recentemente pela Plataforma “União Europeia e África: rumo a uma "parceria entre iguais”?”, que nos trazem um resumo do complexo cenário de mudanças a que assistimos na parceria UE-África, expondo alguns dos principais desafios e identificando algumas das condições necessárias para que se possa construir uma parceria mais efetiva, equitativa e equilibrada.
O artigo de Vitalice Meja, da Reality of Aid Africa, aborda a importância da apropriação democrática desta parceria - cuja definição e aplicação é ainda “fortemente orientada pelos Estados e desenvolvida a um alto nível”, com pouca ou nenhuma contribuição dos cidadãos e cidadãs - alertando para a importância de envolver todas as partes no debate, e de criar mecanismos de prestação de contas para com os cidadãos e cidadãs da União Europeia e de África.
Para uma reflexão sobre a dimensão económica daquela que se quer uma parceria justa e igualitária, contamos com o contributo de Tanya Cox, da Concord Europe, que defende a necessidade de a União Europeia trabalhar com os países parceiros para uma “reorientação da economia,om o objetivo de servir as pessoas e o planeta”. A autora alerta para a necessidade de uma aposta firme em modelos de negócio inclusivos e sustentáveis e da parceria com empresas que colocam objetivos sociais e ambientais em primeiro lugar.
“Uma parceria entre iguais para as migrações” é o contributo de Luísa Fondello, da Cáritas Europa, que reflete sobre a abordagem da UE em matéria de migração - concentrada maioritariamente em “medidas de securitização e de curto prazo”, com poucas propostas para investir na migração regular, uma das principais prioridades dos países africanos. Segundo a autora, esta abordagem da UE entra em contradição com a sua suposta intenção de construir uma parceria mais equilibrada, e reflete uma “escolha que não está alinhada com os valores fundamentais europeus de solidariedade e dignidade humana”.
Daniel Wegner e Ian Mengel, da Plataforma de ONGD alemã, Venro, alertam para a importância de envolver os atores da sociedade civil de ambos os continentes em processos políticos como a Cimeira UA-UE, cujo adiamento para o período da Presidência Francesa da UE em 2022 oferece uma oportunidade de organizar um processo mais inclusivo - nomeadamente através da cooperação digital -, “promover a participação social e política e aproveitar o conhecimento das pessoas no terreno”.
Priscilla Chomba Kinywa, especialista em Estratégia de Transformação Digital, debate a parceria África-UE no campo da digitalização, argumentando que, apesar de a digitalização poder ser uma oportunidade para encontrarmos “formas inovadoras para os desafios globais que a humanidade enfrenta”, os seus impactos podem ser negativos se não se tiver em conta os contextos e as desigualdades no acesso à tecnologia.
“Justiça climática nas relações UE-África: qual o caminho a seguir?” é uma reflexão de Lydia Lehlogonolo Machaka, da CIDSE, sobre a urgência de se encontrarem soluções verdadeiramente transformadoras, justas e ambiciosas que permitam à UE “cumprir a sua agenda climática e verde, e apoiar verdadeiramente África a alcançar os seus objetivos de desenvolvimento”. A autora defende que é central o “reconhecimento do verdadeiro valor e respeito pela natureza”, passando por temas tão importantes como o acesso à energia, a agricultura rural, os direitos sobre a terra, e a importância de uma economia que coloque as pessoas e o planeta à frente dos lucros.
Para a secção de entrevista, que nesta edição é disponibilizada também em formato áudio, conversámos com Bernardo Ivo Cruz, Conselheiro na Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia e Delegado ao Grupo de Trabalho África do Serviço de Ação Externa da UE, sobre o contributo da Presidência Portuguesa para a construção de uma relação UE-África efetiva, inclusiva e equitativa.
Esperamos que esta edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD concorra para um debate construtivo, rumo a uma relação UE-África genuína e significativa.