12 dez 2023 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Cooperação para o Desenvolvimento, Ajuda Pública ao Desenvolvimento
A tomada de posse enquanto Presidente do Camões, IP aconteceu no final de julho. Tendo em conta a experiência que acumulou nas últimas décadas, a qual lhe permitiu observar de perto a evolução das dinâmicas da cooperação, nomeadamente no contexto da realidade nacional, quais os principais desafios que destaca para o mandato que agora inicia?
O Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P. (CICL) tem como missão promover a política de divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, bem como propor e executar e coordenar a política da Cooperação Portuguesa. O CICL é um pilar central na política externa portuguesa. A missão do Camões, I.P. reveste-se de grande importância para Portugal, para os portugueses e para o mundo. A cooperação para o desenvolvimento é hoje internacionalmente reconhecida como área-chave na criação de parcerias geopolíticas potenciadoras de paz e promotoras dos valores democráticos. Tendo presente o atual contexto mundial e os conflitos armados atuais, sabemos todos o quão importante é manter relações e pontes de diálogo. A implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o financiamento ao desenvolvimento, o combate às alterações climáticas, a igualdade de género e a promoção de um desenvolvimento e diálogos inclusivos, são hoje parte integrante da agenda de todas as organizações nacionais e multilaterais que têm a mesma missão que o Camões.
Para concretizar e reforçar esta dimensão global, contribuindo para consolidar os princípios da liberdade e democracia em Portugal através da educação para o desenvolvimento, temos de investir na modernização e digitalização do modelo de gestão e operacional, reforçando a nossa capacidade técnica e de gestão do conhecimento. Temos que modernizar, otimizar e inovar os nossos procedimentos, ações, programas e projetos e também a forma como trabalhamos em parceria com outros atores relevantes da cooperação portuguesa, como as organizações da sociedade civil.
Os últimos anos foram marcados por acontecimentos importantes a nível internacional. Tendo em conta o contexto atual e a incerteza quanto aos próximos anos, quais são as prioridades do Camões, IP para o futuro que se avizinha?
Nestes tempos disruptivos, Portugal posiciona-se como um facilitador, como um parceiro para criar pontes em matéria de cooperação, programas e projetos de cooperação triangular, contribuindo para um multilateralismo de confiança. As linhas orientadoras da cooperação portuguesa são fortemente marcadas por valores de solidariedade e respeito pelos direitos humanos, bem como de responsabilidade global. Serão anos exigentes, considerando o panorama internacional, nas vertentes de cooperação para o desenvolvimento e ajuda humanitária. A nova Estratégia de Cooperação Portuguesa 2030 (ECP2030) define as orientações da política pública de cooperação para o desenvolvimento para os próximos anos e identifica as prioridades temáticas e setoriais plasmadas em 5 eixos temáticos: promover o desenvolvimento humano; promover sociedades justas e inclusivas; promover a paz e a ligação segurança e desenvolvimento; assegurar o crescimento económico sustentável e inclusivo; reforçar a sustentabilidade e a resiliência.
O CICL, ao operacionalizar a Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, terá em consideração 5 prioridades principais:
- assegurar a eficácia e eficiência dos PPA, tendo presente os valores e objetivos da ECP 2030, o quadro europeu e multilateral e geopolítico da cooperação internacional e os princípios da eficácia do desenvolvimento;
- enfoque especial na sustentabilidade, igualdade de género e no combate às desigualdades, contribuindo para um desenvolvimento global sustentável, equitativo e inclusivo que não deixe ninguém para trás;
- promover e aprofundar parcerias que potenciem inovação;
- promover uma cultura de avaliação de impacto e resultados e
- comunicar e mobilizar a opinião pública portuguesa e internacional para as temáticas da cidadania global.
A Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 foi aprovada no final de 2022 com vista a ajustar o enquadramento das políticas de cooperação à realidade que vivemos atualmente. Trata-se de uma estratégia ambiciosa que reconhece a importância de reforçar a relevância política da cooperação no âmbito nacional. Enquanto agência coordenadora da Cooperação Portuguesa, que contributo poderá o Camões, IP no âmbito deste aspeto em particular?
A Estratégia da Cooperação Portuguesa, coordenada pelo Camões, I.P., está alinhada com as diretrizes estruturantes da política externa portuguesa e envolve a participação de todos os atores nacionais, o que contribui para a sensibilização da relevância da cooperação para o desenvolvimento.
No plano nacional, é papel do Camões, I.P. contribuir para a mobilização de esforços e recursos, públicos e privados, promovendo a concertação e sinergias dos vários setores, alinhando a atuação com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, Agenda de Ação de Adis Abeba sobre o financiamento do desenvolvimento e o Acordo de Paris no que respeita aos compromissos de apoio à mitigação e adaptação climáticas. Queremos reforçar o diálogo através da Comissão Interministerial para a Cooperação e do Fórum para a Cooperação, com as diferentes entidades nacionais, públicas, privadas e da sociedade civil, e contribuir para uma boa coordenação, o que trará benefícios e aumentará a qualidade da cooperação com os países em desenvolvimento.
A Sociedade Civil portuguesa tem, desde há várias décadas, sido um ator importante na implementação da Cooperação Portuguesa. Há um conjunto amplo de entidades, fora da esfera do Estado, que desenvolve ações de cooperação com países parceiros e que, por via de um envolvimento de vários anos, acumulou uma vasta experiência. Como poderá o Camões, IP capitalizar o conhecimento adquirido pela Sociedade Civil e potenciar novas formas de trabalhar em conjunto?
Uma sociedade civil forte é um importante elemento na construção e desenvolvimento de democracias, pelo que as parcerias com as ONGD são fundamentais e têm especial relevância pela sua experiência nos países parceiros e pelas competências técnicas que possuem. Temos de saber capitalizar esse conhecimento através de parcerias mais sustentáveis, de um diálogo sistemático potenciador de maior divulgação de boas ideias, experiências e práticas. Para tal seria importante:
- sistematizar e calendarizar os mecanismos de diálogo com a Plataforma Portuguesa das ONGD e suas associadas, incluindo no âmbito do Fórum para a Cooperação;
- identificar mecanismos inovadores para promover mais parcerias;
- promover um diálogo sobre os mecanismos de financiamento nacionais e internacionais;
- promover conjuntamente companhas de comunicação sobre a cooperação e a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) e ações de educação para o desenvolvimento;
- trabalhar conjuntamente para implementar a Recomendação da OCDE sobre o Reforço da Sociedade Civil em matéria de Cooperação para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária.
Está em curso o processo de construção de uma nova Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED) - que sucederá à ENED 2018-2022. Enquanto área chave da Cooperação Portuguesa, que expectativas tem relativamente à próxima ENED e como poderá esta contribuir para o reforço do debate público sobre os temas do setor?
O atual contexto internacional caracteriza-se por uma elevada conflitualidade e volatilidade, onde se sucedem um conjunto de crises com diversos efeitos cumulativos que complexificam os desafios do desenvolvimento e as respostas a dar em matéria de cooperação.
Neste quadro, a Educação para o Desenvolvimento (ED) assume especial centralidade no quadro das prioridades da Cooperação Portuguesa, trazendo para o centro do debate as questões do desenvolvimento, com especial destaque para a cooperação para o desenvolvimento e para a APD.
A ED é essencial para promover a consciencialização e mobilização dos cidadãos enquanto resultado de um pensamento crítico sobre as atuais dinâmicas internacionais, nomeadamente a erosão dos mecanismos democráticos, a pressão sobre os direitos humanos e liberdades fundamentais e o aumento das desigualdades.
Trata-se de um compromisso político crucial face ao avolumar dos desafios à solidariedade e ao exercício da cidadania ativa e responsável, afirmando-se a ED como um contributo central para a prossecução do Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A minha expectativa é a de que a próxima ENED, em linha com as anteriores edições, seja construída através de um diálogo participativo e inclusivo e se venha a constituir como um quadro de referência a nível conceptual, político e de ação para a educação formal e não formal em matéria de cidadania. Considerando o enfoque específico desta área de ação nas problemáticas relacionadas com o desenvolvimento, designadamente a consciencialização sobre e a mobilização para a alteração das condições estruturais geradoras de pobreza, exclusão e desigualdades sociais, as quais afetam, com particular severidade, as populações dos países em desenvolvimento, a futura ENED, em linha com a anterior Estratégia, poderá apostar na capacitação em ED e no alargamento e na diversificação das ações de ED.
O início de funções enquanto Presidente do Camões, IP aconteceu pouco mais de um ano depois da apresentação do Exame pelos Pares do CAD/OCDE à Cooperação Portuguesa. O relatório aponta várias recomendações a Portugal, nomeadamente em termos de financiamento para o desenvolvimento (Portugal está ainda longe de alcançar a meta de dedicar 0,7% do RNB para Ajuda Pública ao Desenvolvimento até 2030). Tendo em conta a importância destas avaliações para o ajuste das políticas de cada Estado-Membro, que expectativas tem relativamente à operacionalização das recomendações da OCDE?
O Camões, I.P. está fortemente empenhado na aplicação das recomendações do CAD da OCDE nomeadamente no que diz respeito à coordenação institucional e à implementação dos compromissos em matéria de Ajuda Pública ao Desenvolvimento. A recomendação referente à APD é uma recomendação importante que terá de ser alvo de planificação até 2030. A operacionalização da ECP2030 é a tradução clara da resposta que queremos dar às recomendações do CAD. O Exame pelos Pares identifica áreas de melhoria e áreas de oportunidade e de aposta. Investir na capacitação dos nossos recursos humanos, mais coordenação, melhores processos e procedimentos, mais sinergias entre diversos atores, prioridades claras e clareza no impacto e resultados alcançados, bem como maior flexibilidade na parceria com a sociedade civil, estão entre os pontos a melhorar.
O exame a meio termo será um ponto importante para uma avaliação da implementação das recomendações e permitirá refletir sobre o que já foi feito e o que falta ainda implementar.