15 set 2024 Fonte: cE3c / grupo Socio-Ecological Transition Temas: Cidadania e Participação, Alterações climáticas e ambiente
Por Sandra Oliveira, Inês Campos e João Limão, do cE3c / grupo Socio-Ecological Transition
Este texto é publicado quando neste lado da Europa nos debatemos com fogos florestais catastróficos: depois de assistirmos à destruição da Laurissilva na Madeira, vivemos um setembro que gostávamos que não ficasse para a história como o junho de 2017 em Pedrógão Grande, ou o outubro desse mesmo ano. Do outro lado da Europa chegam-nos notícias de inundações incontroláveis...
Se o desafio mais importante que a humanidade enfrenta hoje é a adaptação às mudanças e fenómenos extremos que as alterações climáticas trazem consigo, a nossa sobrevivência enquanto espécie depende da capacidade de diminuir a mudança climática que a comunidade científica já previu ser desastrosa (IPCC 2023). É por isso que os ecossistemas dos quais fazemos parte enquanto seres vivos, dependem mais que nunca da governação das nossas sociedades: da coerência das políticas e da reação à rápida mudança que parece instalar-se por todo o globo, o mais difícil de gerir são os recursos finitos vs. as necessidades da população mundial.
Este texto é escrito também no Dia Internacional da Democracia, 15 de setembro, criado pelas Nações Unidas para ser um momento de reflexão sobre a saúde da governação democrática. Também aqui o cenário parece desolador: o número de democracias representativas e com eleições livres diminuiu (V-Dem 2024), o espaço cívico para a sociedade civil participar na governação encolheu em muitos países - e o discurso de alguns ‘especialistas’ aponta para uma insatisfação geral das pessoas com a democracia.
A equipa da Universidade de Münster, parte do consórcio “INCITE-DEM – Co-desenhar a democracia” (projeto financiado pelo programa Horizonte Europa da Comissão Europeia) foi investigar se será mesmo assim: analisou os dados da European Social Survey (ESS) desde 2002 para verificar se existe uma crise da democracia e se o apoio cidadão às democracias representativas está em declínio.
A análise “Atitudes e Perceções face à democracia na Europa”(pode ser consultada aqui) verificou que, na Europa, não há indícios de um declínio permanente da satisfação com a democracia ou de confiança com a governação - mas que os contextos nacionais decididamente (in)formam e fazem flutuar as atitudes face à democracia.
Esta análise ao ESS reflete duas das questões que motivaram o INCITE-DEM: a primeira torna urgente olhar e agir face aos baixos níveis de participação e confiança na governação por parte das pessoas economicamente mais vulneráveis - incluir é uma urgência para as políticas públicas.
A segunda é a ligação íntima entre democracia e urgência climática: uma urgência em procurar a sustentabilidade na nossa gestão e governação dos limitados recursos ambientais, sociais e económicos do planeta. As respostas ao Eurobarómetro de 2022, sobre o Futuro da Europa, foram muito claras: 87% das pessoas apoiam uma resposta às alterações climáticas.
Mas porque é a democracia tão importante para enfrentar as alterações climáticas? De alguma forma, as ONGD que trabalham em Cooperação Internacional vêm há muito a responder a uma questão paralela - porque é necessário garantir os direitos humanos e a participação cívica, para haver impacto social e desenvolvimento duradouro? São esmagadoras, as razões. Se as comunidades e as pessoas mais vulneráveis continuarem a não serem escutadas e sem conseguirem participar nas decisões que afetam o nosso futuro comum, isso está a adicionar novas formas de desigualdade, estrutural e sistémica - e a aumentar o conflito social nas nossas comunidades. “Em casa onde não há pão, todos discutem e ninguém tem razão.”
Este acumular de problemas sócio-ecológicos complexos e insustentáveis - com desafios às políticas públicas para lidar com conflito, exclusão social, baixa participação - motivou a investigação INCITE-DEM.
O consórcio de 10 instituições em 9 países, é liderado pela Faculdade de Ciências e pela equipa de investigação do cE3c - Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais. O INCITE-DEM baseia-se no desenho, experimentação e co-criação de processos e mecanismos que possam contribuir para um melhor funcionamento das nossas democracias representativas.
Até agora foram finalizados 15 estudos de caso em toda a Europa e a equipa do ICS - Instituto de Ciências Sociais fez uma análise histórica sobre inovações democráticas - convidamos a seguir a Comunidade de Prática no Linkedin ou a Newsletter.
De abril até novembro deste ano, decorrem os Laboratórios de Democracia (#DemLabs) em seis países europeus (Alemanha, Eslovénia, Espanha, Itália, Noruega e Portugal). Estes encontros de dois dias são espaços de colaboração entre uma diversidade de pessoas cidadãs, da sociedade civil ou da governação local, mas com a mesma vontade: Co-criar soluções que possam melhorar o nosso sistema democrático e criar mecanismos de escuta, de integração de soluções cidadãs em melhores políticas e de acompanhamento cidadão à governação.
“Não estava à espera disto, senti-me quase como num retiro espiritual, onde tínhamos de pensar na nossa sociedade, nas nossas vidas, escutando atentamente - e eu senti-me escutada!” Foi a partilha de uma participante de 62 anos no final dos dois dias de trabalho intenso do Laboratório de Democracia de Lisboa, com 29 participantes selecionados de toda a Área Metropolitana.
O grupo (recrutado pela sua diversidade de idades, educação, etc.) foi desafiado a analisar as suas experiências cívicas e, no final, co-criar inovações democráticas. Uma análise intensa apoiada por metodologias de educação não-formal, com tempo para petiscar, para desmantelar o mito escandinavo com um caso do #DemLab da Noruega - e pôr em prática a orientação desenhada pela equipa da Universidade de Tallinn: “cada pessoa é especialista da sua própria experiência” e a perspetiva de quem não costuma participar civicamente é preciosa para esta investigação sobre como tornar a nossa democracia mais inclusiva.