10 jul 2020 Fonte: OCDE Temas: Pobreza e Desigualdades, Ajuda Pública ao Desenvolvimento
Num estudo publicado recentemente, a OCDE alerta para uma descida significativa no financiamento disponível para os países de rendimento médio-baixo e para as graves consequências que esta diminuição pode ter nas populações em situação de maior vulnerabilidade. A análise estima que a quebra em causa possa ser 60% maior do que a registada no pós-crise financeira, em 2008.
Face à incerteza provocada pela pandemia de Covid-19 e pelos seus efeitos no quotidiano de grande parte da população mundial, traçar cenários sobre as consequências da crise não é tarefa fácil. Contudo, a magnitude da desestabilização desencadeada pela propagação do coronavírus aponta já para repercussões graves que devem merecer a atenção de todos/as. O estudo “The impact of the coronavirus (COVID-19) crisis on development finance” publicado pela OCDE no passado dia 24 de junho faz o levantamento dos dados necessários para perceber a dimensão da situação que enfrentamos e mostra o impacto que a crise desencadeada pela pandemia começa a ter nos países com economias menos desenvolvidas – desde a descida esperada nos níveis de financiamento para o desenvolvimento, à fuga de capitais e ao aumento do endividamento.
A publicação começa por referir que “antes da crise de Covid-19, os níveis e as tendências de fundos domésticos e fluxos externos com destino às economias em desenvolvimento eram já considerados insuficientes para apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. Isto significa que, mesmo antes de se terem começado a sentir os efeitos colaterais que a pandemia provocou nas economias, os fundos canalizados para estes países estavam ainda longe de atingir o patamar necessário à realização da Agenda 2030. De facto, apesar de, em 2019, se ter registado um pequeno aumento nos fundos com destino a países em desenvolvimento, a taxa de crescimento que se verificou esteve longe de corresponder aos valores necessários – sendo que, no caso de Portugal, os valores de APD têm registado diminuições nos últimos dois anos. Todos estes constrangimentos traduzem-se de uma forma muito concreta na vida das pessoas, já que se espera que o número de pessoas a viver abaixo do limiar da pobreza aumente em mais de 500 milhões e que se estima vir a verificar-se uma duplicação no número de pessoas em situação de fome extrema.
A análise conduzida pela OCDE é bastante esclarecedora: só durante o mês de março, os níveis de retirada de capitais dos países em desenvolvimento quase duplicaram os registados após a crise de 2008, enquanto que os níveis de remessas de imigrantes nos 3 países onde estes fundos representam uma maior quota na globalidade dos fundos externos que lhes são destinados (Guatemala, El Salvador e Quirguistão) registaram uma descida entre os 20% e os 62%. A esta situação junta-se a expectativa de que a capacidade de os Estados se financiarem através da cobrança de impostos – a fonte de financiamento mais importante nos países em desenvolvimento – venha a sofrer quedas estimadas em taxas superiores aos valores da desaceleração das respetivas economias. Esta quebra deve-se à menor capacidade das empresas em gerar lucros, bem como à quebra significativa no comércio e no turismo internacional.
Se, antes da pandemia os níveis associados a cada um destes indicadores já estavam em défice face ao necessário para cumprir os ODS nos países em desenvolvimento, a situação é agora ainda mais frágil. É neste cenário que a OCDE avança com um conjunto de recomendações destinadas a aliviar o fardo que a crise veio adicionar à gestão de situações complexas e marcadas por níveis de fragilidade elevados. Um dos pontos realçados a este nível está relacionado com o imperativo em proteger os orçamentos da cooperação para o desenvolvimento dos países doadores e canalizar mais recursos para Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Num momento em que os países com menor capacidade de financiamento atravessam uma situação complicada, é importante que os países doadores de APD sustentem a sua resposta na construção de abordagens capazes de fazer face a um problema com caraterísticas globais.
Trinta anos após o último aumento no número total de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza, 2020 deve ser tido como um ano de viragem em que se assumam compromissos claros para a realização da Agenda 2030. Perante uma crise com consequências profundas em todos os pontos do planeta, a única forma de contrariar os recuos impostos por uma situação impossível de prever é através de uma abordagem que permita responder à essência de um problema que é global. Para que tal seja possível, é importante reconhecer que estamos perante um contexto que exige a concertação de respostas a nível internacional e que não deixe ninguém para trás. Só assim será possível fazer face às consequências da pandemia e construir um mundo mais justo, equitativo e sustentável.