24 jun 2025 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Financiamento para o Desenvolvimento, Agenda 2030, Sociedade Civil, Pobreza e Desigualdades, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Igualdade de Género, Cidadania e Participação, Alterações climáticas e ambiente, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política

Vivemos num tempo de crises múltiplas. Conflitos armados alastram, a crise climática acelera e as desigualdades agravam-se. Os países do Sul Global continuam a sofrer de forma desproporcionada as suas consequências. No entanto, assistimos à erosão da solidariedade internacional, ao retrocesso da cooperação e à manutenção de um sistema económico global que bloqueia o desenvolvimento sustentável.
A coerência entre os compromissos e as práticas é cada vez mais frágil. Os mesmos Estados que proclamam compromissos com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável falham – ano após ano – o objetivo de alocar 0,7% do seu Rendimento Nacional Bruto (RNB) à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Ao mesmo tempo, o financiamento da cooperação é frequentemente instrumentalizado, condicionado por agendas de segurança, controlo migratório ou interesses comerciais. O que era uma expressão concreta de solidariedade tende a tornar-se uma extensão da política externa dos países doadores.
Mas os problemas da atual arquitetura financeira internacional vão além da APD e são estruturais. A atual arquitetura financeira internacional é profundamente desigual. Países de baixo e médio rendimento enfrentam dívidas insustentáveis, muitas vezes acumuladas em condições injustas ou como resposta a choques externos sobre os quais não tiveram qualquer controlo. Para muitos países, o pagamento do serviço da dívida consome uma fatia maior do orçamento do que a saúde ou a educação.
O Manifesto da Sociedade Civil pela Justiça Global, já subscrito por mais de 40 organizações da sociedade civil, afirma que é preciso uma mudança de paradigma. O manifesto propõe uma agenda ambiciosa, mas necessária, assente em cinco pilares: uma nova arquitetura da cooperação, a reforma da economia global, o reforço da sociedade civil, uma transição ecológica justa e um multilateralismo baseado nos direitos humanos.
Dois desses pilares – a cooperação para o desenvolvimento e a justiça económica – estão intrinsecamente ligados. Não podemos falar de desenvolvimento sustentável se não houver capacidade financeira, nem haverá justiça económica global enquanto as decisões forem tomadas em fóruns onde os países mais afetados têm pouca ou nenhuma voz.
É por isso que o manifesto defende a criação de uma Convenção das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional para o Desenvolvimento – uma proposta que visa restaurar a legitimidade, previsibilidade e transparência da cooperação. Ao mesmo tempo, apela à criação de um mecanismo multilateral, justo e eficaz de resolução de dívida soberana, capaz de evitar que países enterrem o seu futuro para pagar o passado.
A 4.ª Conferência sobre o Financiamento do Desenvolvimento (FFD4), que se realiza este ano em Sevilha, pode ser um ponto de viragem. Mas, como sempre, a questão não está apenas nas palavras – está na vontade política de transformar compromissos em ação concreta.
Portugal pode – e deve – assumir um papel ativo. Defendendo no seio da União Europeia um financiamento justo e independente da APD. Participando com voz firme nos debates sobre a reforma do sistema financeiro internacional. E garantindo que as políticas públicas portuguesas estão alinhadas com os princípios que afirma em sede internacional.
A justiça global exige coragem, coerência e compromisso. E começa com uma pergunta simples, mas fundamental: estamos dispostos a mudar um sistema que beneficia poucos à custa de muitos?