08 mar 2023 Fonte: Vários Temas: Igualdade de Género

Assinala-se no dia 8 de março o Dia Internacional das Mulheres 2023. Este ano o tema escolhido pelas Nações Unidas é "Inovação e Tecnologia para a Igualdade de Género", em linha com a 67ª Sessão da Comissão da ONU sobre o Estatuto da Mulher (CSW), que decorre em Nova Iorque, de 6 a 17 de março, e na qual se debate a lacuna existente para mulheres e meninas no acesso a espaços e competências digitais, bem como os perigos que enfrentam relacionados com a violência online.
Inovação e Tecnologia: potencialidades e riscos
A inovação tecnológica e a digitalização podem ser um elemento-chave para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável: têm o potencial de contribuir para melhorias muito significativas no acesso à saúde, educação, informação, serviços jurídicos ou financeiros, e abrem novas possibilidades de emprego e negócio. O acesso à inovação tecnológica e digital tem ainda o potencial de ajudar na consciencialização das mulheres e meninas sobre os seus direitos, na criação de oportunidades de participação e envolvimento das mulheres no espaço cívico.
Apesar das inúmeras possibilidades que estas mudanças trazem para o aumento do bem-estar nas nossas sociedades no geral, e para a melhoria das condições económicas e sociais das mulheres em particular, há também sérias preocupações relacionadas com a reprodução e aprofundamento das desigualdades de género no âmbito da transformação digital.
Num artigo de opinião publicado no Jornal Público, a propósito do Dia Internacional das Mulheres, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirma que “a nível mundial, os homens têm 21% mais probabilidades de ter acesso à Internet do que as mulheres — e nos países de baixo rendimento esta percentagem sobe para 50%”. Guterres aponta ainda outras questões alarmantes, como o facto de as mulheres serem uma minoria na indústria tecnológica ou o facto de os big data ignorarem as diferençam de género ou excluírem as mulheres. “Todos devemos ficar alarmados, desde logo, com produtos e serviços que alimentam a desigualdade de género e digitalizam o patriarcado e a misoginia”.
As normas sociais na raiz do problema
A ONU Mulheres publicou o Relatório da Reunião do Grupo de Especialistas “Inovação e mudança tecnológica e educação na era digital para alcançar a igualdade de género e o empoderamento de todas as mulheres e meninas”, em preparação para a CSW. O relatório fornece informações especializadas sobre o tópico, que nos permitem perceber um pouco melhor a dimensão do problema. Os dados demonstram que o uso da internet está correlacionado com o nível de educação e rendimentos da pessoa – o que perpetua desigualdades várias, nomeadamente a de género.
Atualmente, as mulheres têm 18% menos probabilidade do que os homens de possuir um smartphone, o que tem um grande impacto no acesso das mulheres ao espaço digital no geral, e mesmo a serviços essenciais, como por exemplo os governamentais.
As normas sociais desempenham aqui um papel fundamental: no estudo, é dado o exemplo do Paquistão, em que as normas sociais limitam o papel das mulheres nas decisões relacionadas com os gastos da família, mas também de Mianmar, em que apesar de as mulheres terem o papel de decisão nas questões financeiras domésticas, quando se toma a decisão de comprar um smartphone, os homens são automaticamente priorizados, porque é mais provável que saiam de casa para estudar ou trabalhar.
A desigualdade de género é um problema estrutural, pelo que se manifesta nos mais variados níveis da vivência em sociedade. O desprivilegiado lugar da mulher na família, em termos de poder para tomar decisões, ou o desigual acesso a recursos económicos por parte de homens e mulheres, não são as únicas razões para o “gender digital divide”. Até porque o acesso a um dispositivo e a uma conexão por si só não garantem igualdade: existe também a questão das competências para saber usá-lo.
As mulheres têm 25% menos probabilidade de ter o conhecimento básico para aceder às tecnologias digitais. Neste sentido, tal como aponta o relatório, “há uma clara necessidade de ir além do foco no acesso e garantir que as mulheres estejam equipadas com conhecimento e competências para usar a conectividade para o seu empoderamento económico e social.”
Estas questões refletem-se ainda na proporção de homens e mulheres a trabalhar na indústria tecnológica na qual, tal como relembrou Guterres, “os homens superam as mulheres na proporção de dois para um” e, “na inteligência artificial, de cinco para um.”
Como relembrou Sima Bahous, Diretora Executiva da ONU Mulheres, no seu discurso de abertura da 67ª CSW, estas desigualdades no acesso ao mundo digital e nas competências que permitem navegá-lo, afetam desproporcionalmente as mulheres que se encontram já num lugar de maior vulnerabilidade – como mulheres com baixa escolaridade, ou mulheres que vivem em zonas rurais ou em países de baixo rendimento, por exemplo.
Às questões relacionadas com a acessibilidade e as competências, junta-se a questão da segurança: a violência online contra as mulheres e raparigas é também um assunto de grande relevância neste contexto.
A este respeito, Sima Bahous chamou a atenção para alguns números preocupantes: 80% das crianças em 25 países relataram sentir-se em perigo de abuso e exploração sexual quando online, sendo as adolescentes as mais vulneráveis; três quartos das mulheres jornalistas sofreram violência online durante seu trabalho; as mulheres afegãs que se manifestaram online foram perseguidas pelos Talibã e, no Irão, muitas mulheres e meninas continuam a ser visadas por causa da sua participação em campanhas online; grupos radicais e alguns governos usam cada vez mais as redes socias para atingir e reprimir as mulheres defensoras dos direitos humanos.
Um futuro digital mais igual
A inovação tecnológica e digital não contribui necessariamente de forma positiva para a igualdade de género. O design das tecnologias reflete as condições socio-económicas em que são criadas. Mas, tal como declarou Sima Bahous,“as tecnologias e as inovações são apenas facilitadores – o que facilitam ou não, depende de nós”.
Não se trata, portanto, de rejeitar a revolução digital, mas sim de aproveitar o seu potencial de melhoria sem precedentes nas vidas das mulheres e meninas.
Para isso, precisamos reverter as desigualdades no acesso e nas competências; precisamos de investir na educação digital e científica para meninas e mulheres e permitir-lhes que ocupem lugares de liderança nos setores das tecnologias e da inovação.
Precisamos de tornar o espaço digital num lugar seguro e inclusivo, no qual mulheres e meninas possam participar, aprender, criar e trabalhar em igualdade com os homens e meninos, aproveitando todas as oportunidades que a tecnologia e a inovação trazem para acelerar o progresso rumo a um mundo mais sustentável e mais justo para todas a todos.