08 nov 2019 Fonte: Vários Temas: Direitos Humanos, Sociedade Civil

Na sequência do aumento da violência e de atos de criminalização contra os povos indígenas brasileiros, que resultaram em mais um assassinato, desta vez de um Guardião da Floresta do povo indígena Guajajara, Paulo Paulino Guajajara, líderes indígenas de cinco regiões do Brasil encontram-se a realizar uma jornada de denúncia das violações dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente do Brasil, denominada “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”.
Esta Jornada pretende criar momentos de diálogo e ações de impacto político junto da opinião pública e das autoridades a nível europeu, de forma a exercer pressão sobre ogoverno brasileiro e empresas do agronegócio no sentido de cumprirem os acordos de preservação do meio ambiente e respeito dos direitos dos povos indígenas dos quais o Brasil é signatário. Exige-se, nomeadamente, que os representantes da União Europeia garantam a proteção dos povos indígenas no quadro do acordo UE-Mercosul.A Jornada tem igualmente o objetivo de sensibilizar os consumidores, as empresas e os governos europeus para que não fomentem a produção de bens que resultem de ações de desmatamento, da utilização de agrotóxicos e de conflitos sociais.
Esta ação, realizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em parceria com organizações da sociedade civil, prevê a visita a 12 países e 18 cidades na Europa. Portugal foi um dos países visitados por uma delegação da Jornada (composta por Sonia Guajajara, coordenadora da APIB, e Geovani Krenak), tendo-se realizado, no passado dia 5 de novembro, uma sessão pública na Fundação José Saramago para apresentação do Manifesto em Defesa da Amazónia, o qual foi também apresentado na Assembleia da República.
Uma outra delegação da Jornada tinha participado também em audiências em Bruxelas, tendo realizado encontros com o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, com o diretor de Assuntos Internacionais de Agricultura e Desenvolvimento Rural da União Europeia, John Clarke, assim como com representantes do Serviço Europeu para a Ação Externa e da Direção Geral de Cooperação e Desenvolvimento, bem como da Divisão dos Direitos Humanos e Divisão América Latina da ONU.
O aumento de ofensivas contra territórios indígenas e do número de assassinatos perpetrados tem sido evidenciado por várias organizações da sociedade civil, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Human Rights Watch e a APIB, que apresentaram recentemente relatórios que demonstram a dimensão desta situação.
Segundo o relatório do CIMI, Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2018, a situação vivida pelos povos indígenas no Brasil coloca em risco a própria sobrevivência de diversas comunidades, como o comprovam os dados preocupantes apresentados, nomeadamente relativamente ao número de assassinatos registrados (135) em 2018. No âmbito da violência perpetrada contra pessoas, o CIMI apresenta ainda dados relativos a abuso de poder (11), ameaça de morte (8), ameaças várias (14), homicídio culposo (18), lesões corporais dolosas (5), racismo e discriminação étnico cultural (17) tentativa de assassinato (22) e violência sexual (15). Em termos da “violência contra o património” foram registrados os seguintes dados: omissão e morosidade na regularização de terras (821 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (11 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao património (109 casos). Os dados mencionados no relatório totalizam 941 casos de violências contra o património dos povos indígenas (relacionadas com invasões, caça e pesca ilegais, construção de obras sem consulta ou estudos ambientais, roubos de madeira e garimpos, arrendamentos, além da contaminação do solo e da água por agrotóxicos e incêndios).
No seu relatório recente (Máfias do Ipê - Como a Violência e a Impunidade Impulsionam o Desmatamento na Amazônia Brasileira), a Human Rights Watch demonstra como uma ação de redes criminosas impulsionam o desmatamento e as queimadas na Amazónia, comprovando que a redução da fiscalização ambiental incentiva a extração ilegal de madeira e resulta em maior pressão sobre os povos da floresta, os quais sofrem represálias cada vez mais violentas ao defender seus territórios.
Também o relatório da APIB (“Cumplicidade na Destruição: como os consumidores e financiadores do norte permitem o ataque do governo Bolsonaro à Amazónia Brasileira”), elaborado em parceria com a Amazon Watch e apresentado em abril deste ano, revela que empresas europeias e norte-americanas (entre bancos, madeireiras e fabricantes de acessórios) financiam a devastação da Amazónia. O relatório demonstra uma análise realizada a empresas brasileiras multadas por crimes ambientais na Amazónia desde 2017, e identifica uma série de interesses comerciais de vários países do Norte Global. Uma das mais recentes evidências deste interesse foi o facto de o grupo empresarial português Vila Galé pretender construir um hotel de luxo em reserva indígena, no estado brasileiro da Baía. Esta construção encontra-se a ser fortemente contestada por várias organizações, inclusivamente em Portugal.
Neste contexto, a Plataforma Portuguesa das ONGD manifesta a sua total solidariedade com os povos indígenas brasileiros, nomeadamente com o povo indígena Guajajara, da Terra Indígena Araribóia, pelo recente assassinato do Guardião da Floresta Paulo Paulino Guajajara, bem como expressa o seu pesar e veemente repúdio contra a violência que tem vindo a ser perpetrada contra os povos indígenas em geral. Ao mesmo tempo, insta o governo português a apoiar o movimento indígena brasileiro em todas as instâncias internacionais de que é membro.
A campanha “Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais” aceita colaborações individuais e pode ser acompanhada no facebook da APIB, da Mídia Índia e Mídia Ninja e pela visualização dos diários de bordo que estão a ser produzidos pelos membros da delegação na Jornada.