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20 fev 2024 Fonte: Fundação Gonçalo da Silveira Temas: Advocacia Social e Política, Cidadania e Participação, Direitos Humanos, Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global

“Todos os Homens são irmãos.

São dotados de razão e consciência.

Nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”

Artigo 1.º Declaração Universal dos Direitos Humanos

Reduzir a justiça social a uma pergunta é já, à partida, assumir que muitas perspectivas de análises não cabem nesta direção argumentativa. É um tema complexo, ainda mais num mundo ameaçado por desigualdades colossais. Mesmo que apenas por breves instantes olhemos para os dilemas do mundo globalizado em que vivemos, rapidamente, também, percebemos que estamos longe de uma uniformização de dignidade e de direitos.

No último relatório sobre desigualdades, a Oxfam denuncia a crescente acumulação de riqueza enquanto principal gerador de assimetrias. Desde 2020, os cinco homens mais ricos do mundo duplicaram as suas fortunas, enquanto quase cinco biliões de pessoas (em todo o planeta) ficaram mais pobres. O paradoxo é cada vez mais contraditório: no ritmo atual, a pobreza irá aumentar, mas no espaço de 10 anos o mundo irá conhecer o primeiro trilionário.

Entre inúmeras consequências, esta trajetória de acumulação exacerba, dramaticamente, as assimetrias globais e isso já é evidente. O distanciamento entre o sul global e o norte global aumentou pela primeira vez em 25 anos. E prevê-se que, entre 2024 e 2029, os países do Sul Global deverão pagar quase meio bilião de dólares por dia, em juros de dívida.

Tendo em conta esta realidade, o que poderá significar igualdade, liberdade e dignidade? Como devemos aplicar a justiça social perante dilemas de um mundo globalizado?

Para respondermos, é necessário posicionarmo-nos. Assumimos, à partida, que imaginar os direitos humanos deve partir de um encontro de várias linguagens de dignidade e isto implica, necessariamente, um conhecimento profundo das vozes excluídas e das lutas dos marginalizados por sistemas de opressão, tais como: capitalismo, colonialismo e o patriarcado. (Santos e Martins, 2019, p. 15)

Mas devemos ir mais longe…A justiça social é um tema de estudo da disciplina da ética e da moral. Está relacionada com juízos de valor, sobre o bem e sobre o mal, que por consequência variam em relação ao tempo e em relação ao espaço cultural que ocupam. Neste sentido, o considerar neutro e objetivo é, em si, uma perspetiva que se encontra enraizada ao seu contexto social, histórico, cultural e às relações de poder que no seu espaço operam.

Por exemplo, a representação que temos da justiça social, a partir de Portugal e da Europa, encontra raízes na Grécia Antiga e na Idade Média e o seu desenvolvimento assenta na história contemporânea dos países democráticos ocidentais. História esta que deixou de fora muitas outras Histórias, nomeadamente as das civilizações orientais e indígenas das Américas, de África ou do Pacífico.

Invocar neutralidade a partir de referências inquestionáveis é uma forma de invisibilização de outras formas de conhecimento. Esta invisibilização, na verdade, tem sido um instrumento de colonização que historicamente tem levado à exportação - globalização - das ideias e das representações ocidentais do mundo.

Portanto, assumimos que não há neutralidade possível nestes processos. A justiça social não pode ser um conceito rígido, estanque e dominante entre todas as pessoas e todas as culturas das diferentes regiões do planeta. Neste sentido, acreditamos em abordagens que consigam identificar diferentes formas de discriminação e de desigualdade, que se sobrepõem e que se intersectam.

A partir de uma lente de interseccionalidade propomos uma perspetiva de questionamento crítico, cuja ambição de transformação social se localiza em estratégias emancipadoras, capazes de mudar estruturas sociais a favor de normas que privilegiam a igualdade de oportunidades e de condições, sem excepções. No fundo, esta perspetiva crítica procura identificar as raízes dos problemas e procura, ainda, incluir as pessoas nestes processos, com destaque e protagonismo dos saberes das pessoas que mais diretamente por eles são afetadas. Este caminho de questionamento crítico é o caminho da EDCG - Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global. É através dele que nos posicionamos em relação à justiça social.

Tendo em conta as formas padronizadas de pensar, sentir, relacionar, produzir e de consumir a modernidade, precisamos de novas abordagens que consigam desconstruir estruturas de interpretação instaladas. Andreotti et al. (2019a) propõem-nos uma abordagem inspirada nas cosmologias indígenas da América do Sul e do Norte e nos estudos decoloniais que identificam três ilusões estruturais: ilusões de separação1, ilusões relacionadas com o antropocentrismoe ilusões relacionadas com a ideia de progresso linear3.

Avançar no sentido da justiça social implica romper com estas ilusões, para conseguirmos recalibrar o nosso “barómetro” de modos de sentir, pensar, poder, ser, relacionar e agir. Abre-se, assim, caminho para uma justiça global4, que em vez de procurar modelos universais prepara as pessoas para colaborarem juntas com e através das complexidades, incertezas, paradoxos e cumplicidades que os desafios globais sem precedentes da atualidade exigem.

 

Eloísa Silva

Comunicação e Angariação de Fundos

FGS | Fundação Gonçalo da Silveira

Este texto foi baseado no Estudo do Projeto EDcomunicar dedicado à Justiça Social.

 

1) em relação ao planeta/ natureza, aos outros seres humanos e não humanos;

2) humanidade detida no centro do universo, assente em ideias de meritocracia e com negação à   violência sistémica e cumplicidade perante a mesma;

3) baseiam-se nas promessas dos Estados, dos mercados e da racionalidade ocidental e na negação dos limites do planeta.

4) proposta no âmbito da cartografia social Cuidados da Terra. A justiça global tem por base a integração e a interseção de cinco dimensões complementares de justiça: ecológica, afetiva, relacional, cognitiva e económica.

 

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