menu

18 mai 2023 Fonte: AMPROCS e ACEP Temas: Sociedade Civil

Autoras: Paula Melo, Associação de Mulheres Profissionais da Comunicação Social / Guiné-Bissau, e Ana Filipa Oliveira, Associação para a Cooperação Entre os Povos
 

No mês em que se assinala a Liberdade de Imprensa (3 de Maio) à escala global, há poucas razões de celebração na Guiné-Bissau. Os meios de comunicação social (privados e públicos) e os jornalistas encontram-se numa posição de extrema vulnerabilidade a pressões políticas e económicas. Os dados de um inquérito recém-realizado pela AMPROCS e a ACEP a 100 jornalistas guineenses (70 mulheres e 30 homens jornalistas), revelam que 52% dos/as inquiridos/as considera que há muita influência política no exercício da profissão na Guiné-Bissau, com 92% dos/as respondentes a referir que o Governo guineense não está empenhado no combate à violação da liberdade de imprensa.

A instabilidade política dos últimos anos polarizou os media e os jornalistas e favoreceu igualmente a interferência do Estado nos meios de comunicação estatais, com a substituição de todos os diretores e ocupação da rádio e televisão nacional. Actualmente, alguns jornalistas guineenses estão no exílio, como medida de protecção face às intimidações e ameaças que têm recebido, sobretudo após o episódio de extrema violência na Rádio Capital Fm, em 2021, uma das emissoras de maior expressão no país, e que a deixou inoperante. Graças aos ouvintes na Guiné-Bissau e na diáspora, a rádio regressou à antena alguns meses depois, tendo sido novamente destruída, com recurso a armas de fogo, em Fevereiro de 2022, enquanto sinal claro de silenciamento das vozes dissonantes com o Governo e actual Presidente da República. Perante isto, as autoridades nacionais têm desvalorizado os “episódios” recentes, tratando-os como casos isolados e desresponsabilizando-se pela protecção da liberdade de imprensa no país. Este contexto afigura-se como propício à autocensura por parte dos jornalistas, sobretudo em matérias relacionadas com a situação política, por receio de pressões, represálias e perseguições.

O sector da comunicação social enfrenta também uma grave crise económica que coloca os jornalistas numa situação de precariedade e à mercê das diferentes pressões (políticas, económicas e sociais). A publicidade paga tem pouca expressão, bem como a tiragem dos jornais impressos. Os dados que recolhemos sobre a Condição das mulheres e homens jornalistas na Guiné-Bissau indicam que dois terços (66%) dos/as jornalistas guineenses não aufere um salário e apenas 34% admite ter um salário fixo.

Apesar da instabilidade a nível financeiro, no final do ano passado, os media – e a sociedade em geral – foram surpreendidos por um despacho do Governo que fixa avultadas quantias para a concessão de licenças aos órgãos de comunicação social. As rádios privadas e comunitárias teriam de pagar cerca de 1.500 euros (1 milhão de CFA) como condição para o seu funcionamento, enquanto que as televisões privadas e comunitárias ficariam obrigadas ao pagamento de 760 mil euros (500 milhões de CFA) para operar. Esta decisão é entendida pelos principais órgãos-cúpula da comunicação social (AMPROCS, Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social e Ordem dos Jornalistas) como mais uma tentativa de silenciamento da imprensa, uma vez que nenhum órgão de comunicação social tem capacidade para responder a esta exigência.

Com eleições legislativas à porta, estão reunidas as condições para o silenciamento das vozes dissonantes no país e para o encerramento de rádios, afirmam diversos comentadores e analistas políticos. É o caso recente do dirigente de um dos partidos da oposição e membro do Conselho de Estado Fransul Dias, que viu a sua casa ser alvo de ataque no início deste mês, após declarações sobre o período eleitoral que se avizinha. O analista político reagiu, afirmando que a Guiné-Bissau se está a tornar num “Estado de terror”.

É, neste contexto, que a AMPROCS desenvolve um projecto de monitoria de direitos relacionados com a actuação cívica e a liberdade de expressão, em parceria com a ACEP, a Liga Guineense dos Direitos Humanos, a MIGUILAN e a Casa dos Direitos, com o apoio da Cooperação Portuguesa. No âmbito dessa acção, foi lançado o portal Bicia Diritus – Observatório da Liberdade de Informação e Expressão, que propõe monitorar um conjunto alargado de direitos relacionados com o exercício do jornalismo e a liberdade de expressão na Guiné-Bissau, e que prevê também um dispositivo de denúncia.

Numa perspectiva mais positiva, foi lançado em simultâneo o site Jornalistas da Guiné-Bissau – Storias di djintis di rispitu, com o objectivo de dar rosto e palavra a muitas das pessoas e iniciativas que estão no centro do furacão, mas também da mudança. É um espaço de storias de reconhecimento de djintis di rispitu, perante um contexto pouco favorável ao exercício da liberdade de imprensa.

Acompanhe o nosso Trabalho.

subscrever newsletter