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07 jul 2022 Fonte: Oikos - Cooperação e Desenvolvimento Temas: Alterações climáticas e ambiente, Sociedade Civil, Oceanos

Artigo escrito por: José Luís Monteiro, Oikos - Cooperação e Desenvolvimento

As conferências são como o mar…. Olhando a partir de terra, pode parecer que a água está calma, convidativa, pronta a refrescar-nos e a ficar muito bem na fotografia… Porém, debaixo da superfície, há lutas de vida ou morte, há predadores e presas, há baleias a cantar e há todo um ecossistema complexo com ligações e dependências que são facilmente ignoráveis quando olhamos para uma linda fotografia tirada à beira-mar. 

No caso da recente UNOC (United Nations Oceans Conference), que decorreu em Lisboa na semana passada, temos resultados que vão além da bela fotografia, mas que não contam a história toda e que deixam bastante incerteza quanto aos futuros possíveis para os oceanos.

A conferência foi organizada pelas Nações Unidas e pelos Governos de Portugal e do Quénia e estava prevista para 2020, mas teve que ser adiada para a última semana de junho de 2022. O evento foi apresentado oficialmente como “um apelo à ação pelos oceanos – exortando os líderes mundiais e todos os decisores a aumentarem a ambição, a mobilizarem parcerias e aumentarem o investimento em abordagens científicas e inovadoras, bem como a empregar soluções baseadas na natureza para reverter o declínio na saúde dos oceanos”.

Talvez haja algum exagero nos tremendos elogios que vários políticos dirigiram aos resultados da Conferência e ao texto adotado “O nosso oceano, o nosso futuro, a nossa responsabilidade” (que ficará conhecido como a “Declaração de Lisboa”). No entanto há muitos resultados positivos a apontar (seria difícil não haver pérolas entre os cerca de 700 compromissos assumidos pelos 17 chefes de Estado, dois vice-presidentes, 11 chefes de Governo, 113 ministros e 61 secretários de Estado que passaram por Lisboa).

Há vários compromissos práticos, nacionais e internacionais, assumidos que são dignos de destaque:

  • Portugal comprometeu-se a garantir que 100% da área marinha sob a sua jurisdição seja avaliada como em “Bom Estado Ambiental” e proteger 30% das áreas marinhas nacionais até 2030.
  • A “Protecting Our Planet Challenge” investirá pelo menos 1.000 milhões de dólares para apoiar a criação, expansão e gestão de áreas marinhas protegidas e áreas governadas localmente até 2030
  • O Banco de Desenvolvimento da América Latina anunciou um compromisso voluntário de 1.200 milhões de dólares para apoiar projetos em benefício dos oceanos na região.

Por baixo da “superfície” destas conferências há sempre inúmeras coisas a decorrer, desde negociações oficiais, a lutas entre grupos de interesse, a disputas pelos “holofotes”, a jogadas estratégicas, etc… Se nos distanciarmos um pouco, os bastidores das conferências devem parecer-se muito com uma sucessão continua de jogos da corda, com vários grupos tentando puxar as resoluções para a causa que defendem. Infelizmente, muitas vezes, o ponto de equilíbrio final fica aquém das expectativas da Sociedade Civil, por exemplo:

  • ficaram por elencar medidas específicas para concretizar o objetivo de manter 100% dos stocks da pesca nacional dentro dos limites biológicos sustentáveis.
  • ficou por clarificar as ligações específicas entre o compromisso de manter os stocks da pesca nacional sustentáveis com a delimitação de Áreas Marinhas Protegidas. 
  • não foi bem especificado o compromisso de criar uma zona piloto de emissões controladas no mar português (apesar de se esperar que Portugal assuma a liderança na prossecução de uma Área de Emissões Controladas de dióxido de enxofre e óxido de azoto na região do Atlântico Nordeste).
  • não houve um apoio claro de Portugal a uma moratória à mineração mar profundo (algo que motivou o lançamento de uma petição apoiada por mais de 30 organizações da sociedade civil).

Uma questão menosprezada nas negociações da Zona Azul da conferência, mas que está no centro de muitas das chamadas de atenção da sociedade civil é a necessidade de assegurar uma transição justa, de se levar em consideração os impactos que as medidas adotadas nestes domínios poderão vir a ter nas populações costeiras cuja segurança alimentar e económica está dependente das pescas, sobretudo artesanais e de pequena escala e, sobretudo, de trazer estas populações para todas fases de preparação e implementação das medidas de proteção dos oceanos.

Um momento muito significativo da conferência foi a participação em diversos eventos fora da Zona Azul de pescadores artesanais e de pequena escala oriundos de vários países de África, Ásia, América Latina, Pacífico e Europa que procuraram assegurar que as necessidades das comunidades piscatórias tradicionais são ouvidas. 

Nas palavras de um pescador hondurenho, “temos que ter cuidado porque os 30 – 30 que festejam aqui (30% de área marinha protegida até 2030), podem significar que amanhã, quando chegar ao mar, dizem que não posso pescar nos locais onde pesco há 20 anos”. No meio de diversas intervenções carregadas de emoção, foi lançado um apelo à ação para que os estados assegurem a inclusão das comunidades piscatórias nas negociações (a Oikos é signatária desta Call to action). 

Esta conferência está concluída, a próxima será organizada pela França e pela Costa Rica. O presidente francês já levantou as expectativas de muita gente ao apelar para a concretização de uma moratória à mineração em alto mar. Não é a primeira vez que ficamos esperançosos antes de um evento deste, mas será que 2025 vai ser o ano em que não nos desiludiremos?
 

Link petição - Petição – Moratória à Mineração em Mar Profundo / Petition for a moratorium on deep-sea mining : Petição Pública (peticaopublica.com)
Link Call to Action - SSF Call to Action — Coalition for Fair Fisheries Arrangements (cffacape.org) 
 

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