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22 abr 2024 Fonte: Susana Fonseca, Vice-Presidente da ZERO Temas: Advocacia Social e Política, Alterações climáticas e ambiente, Coerência das políticas, União Europeia

Por Susana Fonseca, Vice-Presidente da ZERO

O momento presente coloca grandes desafios aos líderes da União Europeia (UE), perante a necessidade de manter a estabilidade numa era de múltiplas crises e em constante mudança. A pandemia de covid-19, a invasão russa da Ucrânia e uma situação geopolítica volátil que resultou em aumentos de preços, contribuíram para um clima de instabilidade.

Nem sempre é fácil discernir os caminhos a seguir, em particular em momentos conturbados como o presente. Aliás, tendo por referência as tomadas de posição por parte das diferentes instituições europeias nos últimos tempos, é fácil perceber como momentos de crise tendem a fazer ressurgir um conjunto de medos e de posições mais conservadoras que, invariavelmente, nos afastam das soluções que a ciência e a experiência nos diz serem as necessárias para ultrapassarmos os desafios ambientais e sociais mais prementes.

Contudo, o que sabemos é que a pegada material da UE, isto é, a quantidade total de combustíveis fósseis, biomassa, metais e minerais que são consumidos, incluindo os incorporados nas importações, é atualmente de 14,8 toneladas per capita por ano, um valor que é mais do dobro do limiar considerado sustentável e justo. Isto acontece ao mesmo tempo que muitos cidadãos ainda não conseguem satisfazer as suas necessidades fundamentais ou aceder a serviços essenciais, seja na UE, seja fora dela.

É importante ter presente que a extração e a transformação de recursos que servem de base ao nosso estilo de vida europeu, estão na origem das maiores crises da nossa geração: aquecimento global, perda de biodiversidade, stress hídrico, poluição e injustiça social. Os dados são claros: 90% da perda global de biodiversidade e do stress hídrico, 50% das emissões globais de gases com efeito de estufa e mais de 30% dos impactos da poluição atmosférica na saúde são causados pela extração e transformação de recursos. Portanto, sem reduzirmos a procura por recursos, não conseguiremos ambicionar resolver nenhum dos problemas mais prementes que enfrentamos na atualidade.

Sendo a UE um dos maiores consumidores de recursos do mundo, é também a ela que cabe a responsabilidade de fazer diferente, tornando o acesso aos recursos mais equitativo e garantindo uma redução efetiva no seu uso para assegurar que poderemos "viver bem, dentro dos limites do planeta”.

O que é a suficiência?

Existem várias definições do conceito, mas segundo o Painel Inter-Governamental para as Alterações Climáticas, a suficiência expressa-se em políticas, medidas e práticas quotidianas que evitam a procura de energia, materiais, água e solo, enquanto proporcionam bem-estar humano para todos dentro dos limites planetários. Mas este é um conceito que assume uma componente ética muito marcada. Não se trata apenas de usar menos, mas de usar menos para que outros possam ter mais, para que a distribuição dos recursos seja mais equitativa e seja possível respeitar os limites planetários. Portanto, se a UE colocar a suficiência no centro das suas políticas, pode vir a assumir uma liderança mundial na promoção de uma transição mais segura, justa, ética e menos dispendiosa.

 

Cinco razões para colocar a suficiência no centro da política europeia

  1. A suficiência pode tornar a UE e os seus cidadãos mais resilientes:  Ao reduzir a procura e utilizar os recursos de forma sensata a nível interno, a Europa pode ser menos dependente de importações críticas, menos vulnerável à escassez e mais resistente aos choques. A suficiência pode, assim, proporcionar à UE uma maior liberdade de escolha em termos de parceiros comerciais e de bens, bem como uma maior resiliência aos riscos globais.
  2. Suficiência significa menos custos: Numa altura em que a transição energética e a reindustrialização exigem transformações profundas, a suficiência minimiza os custos, pois evita o desperdício de recursos, bem como investimentos desnecessários.
  3. Suficiência significa maior facilidade em atingir os objetivos em matéria de clima e energia - A suficiência pode permitir que os Estados-Membros realizem os objetivos da UE com a melhor relação custo-eficácia e aumentar a probabilidade de cumprir os objetivos de descarbonização.
  4. Suficiência significa uma melhor qualidade de vida para todos - A suficiência pode aumentar a equidade tanto na Europa como a nível mundial. Ao incidir sobre os padrões de consumo mais insustentáveis, a suficiência mantém a procura em níveis que respeitam as fronteiras planetárias, assegurando simultaneamente que todos possam satisfazer as suas necessidades fundamentais. A suficiência implica uma convergência de consumo entre os países mais ricos e menos ricos, bem como os cidadãos da UE, aumentando assim a equidade no acesso aos recursos e serviços.
  5. Suficiência significa uma Europa mais sustentável - O Pacto Ecológico da UE é um compromisso sem precedentes para a neutralidade climática. Com uma forte tónica nos aspetos climáticos e, em especial, nas emissões de gases com efeito de estufa, outras questões de sustentabilidade, como o esgotamento dos recursos e o declínio da biodiversidade, não foram abordadas com a mesma urgência ou ambição. A suficiência tem o potencial de reequilibrar a política da UE no próximo mandato.

De nada nos servem efemérides como o Dia da Terra, se nos restantes dias fazemos mais do mesmo. Este não é um caminho simples e pode muitas vezes parecer uma utopia. Contudo, é este o desafio que se coloca às gerações que, hoje, têm poder de decisão.

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