18 jan 2024 Fonte: Ana Filipa Oliveira - ACEP | Associação para a Cooperação Entre os Povos Temas: Cooperação para o Desenvolvimento, Comunicação, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Advocacia Social e Política, Cultura, Direitos Humanos, Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Migrações e Refugiados, Sociedade Civil
A nona edição da Mundo Crítico, apresentada em Dezembro de 2023 em Lisboa e que conta com uma belíssima capa da autoria do artista plástico guineense Nú Barreto, procura analisar criticamente as questões relacionadas com as representações do mundo e as relações que existem entre a produção e construção de narrativas visuais e escritas do(s) outro(s), sobretudo, mas não só, a partir do campo das organizações de “apoio ao desenvolvimento”, como também do jornalismo.
À semelhança das outras edições, a revista inicia com uma conversa imperfeita entre um jornalista português António Rodrigues e o dirigente associativo e activista guineense Miguel de Barros, sobre a necessidade de trazer para o centro outra ideia de periferias e outras narrativas e sobre a espectacularização da cooperação e do desenvolvimento. Uma conversa que se prolongou na apresentação pública, na Livraria Buchholz, em Lisboa, numa sessão moderada pela jornalista portuguesa Paula Borges sobre o papel do jornalismo, a necessidade de criar meios de comunicação social africanos, liderados por africanos para contar as suas próprias narrativas, e com críticas ao modelo actual da cooperação para o desenvolvimento, entre outros temas debatidos (a sessão pode ser asssitida aqui).
Na editoria de textos com maior profundidade (intitulada saber e circunstâncias), o jornalista espanhol Alfonso Armado reflecte sobre a nossa sociedade, a partir da Sociedade do Espectáculo de Guy Debord, e alerta para a conversão da política e da história num espectáculo de consumo. Diz ele: “Não é à toa que uma das profissões mais desejadas por um número cada vez maior de jovens e nem tão jovens é converter-se em influencer. De quê? Do nada, da fama pela fama, do dinheiro pelo dinheiro, de não ter que pensar mais além de como seduzir para atrair mais seguidores”.
O conflito em Cabo Delgado ganhou dimensão mediática internacional quando os estrangeiros começaram a ser alvo de ataques, nas zonas de exploração de gás. Porém, a região era já foco de tensão e de perseguições de moçambicanos há alguns meses. A jornalista moçambicana Zenaida Machado fala-nos da situação em Cabo Delgado, em Moçambique, e de como, mais uma vez, a situação dos moçambicanos continua distante da “lupa da cobertura jornalística internacional”, em detrimento dos investimentos milionários em risco na zona. A edição integra também uma análise às músicas rap guineenses dedicadas à migração irregular e de como, muitas vezes, essas narrativas reforçam estereótipos sobre este tipo de migração, em vez de dissuadir ou sensibilizar a população. O investigador Sumaila Jaló analisou uma dúzia de músicas dedicada à temática, a partir de relatos de vida transformados em músicas, procurando desconstruir a imagem que nos chega sobre essa realidade.
A educação para o desenvolvimento é um instrumento indispensável que pode contribuir para a desconstrução de ideias pré-concebidas e preconceituosas, numa era do espectáculo, caracterizada por um consumo desenfreado de bens e recursos, em detrimento da busca pelo bem comum. É nesse sentido que lançámos o repto à equipa do projecto Sinergias ED, num artigo escrito por quatro investigadoras (Amanda Franco, Sandra Fernandes, Sara Borges e Sílvia Franco), para abordarem o contributo da educação para o desenvolvimento e a cidadania global, enquanto ferramenta de pensamos crítico e interseccional, com foco no combate à injustiça social à escala global e às causas estruturais das relações desiguais de poder.
A editoria de textos que procuram aprofundar o tema termina com uma reflexão da presidente da ACEP, Fátima Proença, que nos desafia com 10 propostas para a mudança na comunicação das ONG com a sociedade, de forma a criar novas narrativas e novas informações eticamente balizadas. O texto inclui propostas muito diversas como a recusa da despolitização da política, sublinhando que é imperativo intervir criticamente sobre as políticas relacionadas com o desenvolvimento – e em particular as geradoras de desigualdade – ou influenciar as que a podem combater, e a armadilha da simplifcação que apenas contribui para tornar pessoas e realidades numa histórica única, plana, sem “direito” à multiplicidade; entre muitas outras. Um texto urgente e obrigatório para as ONGD.
No ensaio fotográfico (modos de ver), a fotógrafa moçambicana Yassmin Forte, vencedora em 2023 do Prémio de Fotografia Africana Contemporânea, brinda-nos com um trabalho a partir da sua história familiar, iniciada na pista de dança em Quelimane, Moçambique. De acordo com a artista, “as minhas imagens tentam dissecar e navegar pelos efeitos do colonialismo e da migração, a partir da história muito pessoal da minha família. Aborda três aspectos: família, migração e a história dos africanos, utilizando arquivos familiares e as minhas próprias imagens. Tento investigar como os africanos se tornaram o resultado de misturas, migrações e colonização, histórias misturadas e padrões repetidos, e desta forma desvendar a minha própria identidade africana”.
A investigadora Livia Apa discorre nas narrativas sobre a importância das séries senegalesas para retratar o país e que são vistas não apenas no Senegal, mas também noutros países francófonos e na diáspora (uma das últimas séries teve outdoors de publicidade em Paris, no lançamento). Enquanto isso, o dirigente associativo Paulo Mendes nos interpela sobre o papel da diáspora para mudar a narrativa sobre o racismo e a dicotomia colonizador / colonizado.
Por que a edição aborda as imagens (pela forma como contribuem para a construção que fazemos do outro), incluímos nas inovações, uma iniciativa do Fundo Norueguês de Assistência a Estudantes e Investigadores, que embora tenha já terminado em 2018 continua em arquivo e vale a pena conhecer, uma vez que veio revolucionar o debate sobre as campanhas de angariação de fundos das organizações internacionais. Já nos ecos gráficos, a ilustradora Amanda Baeza propõe uma “peça em dois actos”, entre o Chile e Portugal.
Por fim, no escaparate, desafiámos a produtora de audiovisual santomense Katya Aragão e a especialista em comunicação da Guiné-Bissau Luana Pereira a folhear os livros dedicados à pintura publicitária em cada um dos países, da autoria de uma designer gráfica e de um investigador polacos, e escrever a partir e sobre eles. A edição termina com uma recensão de Leonor Teixeira, de um guia recente da BOND sobre a forma como as imagens das ONG devem ser utilizadas, a pensar sempre nos seus protagonistas.
A iniciativa da produção da Revista resulta de uma parceria entre a Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP) e o Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento do Instituto Superior de Economia e Gestão (CEsA-ISEG) da Universidade de Lisboa, e conta com apoio do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua e da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
Por Ana Filipa Oliveira, ACEP | Associação para a Cooperação Entre os Povos