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05 abr 2019 Fonte: CIVICUS Temas: Sociedade Civil

A CIVICUS lançou, no passado dia 27 de março, o relatório anual de análise sobre a situação da Sociedade Civil a nível mundial em 2018. Neste relatório, a organização evidencia que 7,15 mil milhões de pessoas em todo o mundo, representando 111 países, são de alguma forma restringidas nos seus direitos de cidadania (de associação, de expressão e de reunião pacífica) e de envolvimento em movimentos ou organizações da sociedade civil , num contexto de intenso recrudescimento mundial de movimentos populistas e da eleição de populistas de direita, a maioria dos quais com tendências xenófobas.

Esta realidade tem sido acompanhada pela mobilização de grupos extremistas contra os direitos humanos e a justiça social, valores fundamentais e progressistas que motivam a maior parte das organizações deste setor. Um fenómeno recente é o posicionamento destes grupos na esfera da sociedade civil, mas sem uma partilha de valores ou métodos de atuação que enfatizam a importância de um diálogo que respeite as diferenças, tendo como função atacar estes mesmos valores.

Verificou-se, em 2018, um aumento exponencial do desrespeito dos direitos humanos de grupos em maior situação de exclusão, como sejam as mulheres, pessoas LGBTI, grupos étnicos e religiosos minoritários e migrantes e refugiados.

Da mesma forma, as Organizações da Sociedade Civil (OSC) progressistas e orientadas para a defesa dos direitos humanos, ao defenderem os direitos destes grupos excluídos e rejeitarem as mensagens de ódio e divisão, viram o seu espaço de intervenção ser reduzido por restrições do foro legal, financeiro, sendo os seus ativistas criminalizados pela realização do seu trabalho ou sofrendo ataques físicos e perseguição pessoal.Entre os exemplos de países europeus que adotaram restrições, contam-se países como a Itália, a Alemanha ou a Holanda.

O boletim digital de março de 2019 da Civic Space Watch denuncia a realização de um debate no parlamento italiano, baseado num estudo que defende a criminalização das OSC, particularmente as organizações de resgate e salvamento no Mediterrâneo, acusando-as de apoiarem a imigração ilegal, tendo sido defendido o incremento da vigilância e das atividades de lobby das OSC que recebem fundos externos. Este debate contribuiu para criar um ambiente de suspeição contra o setor, e aconteceu depois da tentativa de imposição de restrições financeiras por parte do governo italiano, ao procurar duplicar os impostos pagos pelas OSC.

O boletim refere ainda o exemplo da ONG ATTAC na Alemanha, cujo estatuto de utilidade pública (que conferia benefícios a nível de impostos) foi revogado por decisão judicial, com base em alegações de envolvimento em atividades políticas, devido ao trabalho de advocacy e influência política realizado pela organização.

Aludindo a mais um caso, na Holanda, uma proposta de lei relativa à transparência das OSC pretende obrigar à publicitação dos nomes e locais de residência de doadores, que doem valores iguais ou superiores a 15.000€, sob pena da instauração de processos criminais às Organizações incumpridoras. Esta medida, que viola claramente o direito de associação e a privacidade dos doadores, incluindo a proteção dos seus dados pessoais, se for aprovada pode comprometer seriamente a capacidade de angariação de fundos próprios pelas OSC.

Não obstante o deterioramento das condições de atuação das OSC, há igualmente uma resposta generalizada de resistência e de apoio aos grupos que mais necessitam, motivado por uma visão de compaixão, dignidade humana e comprometimento para com uma humanidade partilhada, num período em que, como referido no relatório da CIVICUS, se verifica o maior ataque, desde a Segunda Guerra Mundial, a respostas de cariz humanitário.

No seu relatório, a organização fala de um défice generalizado de compaixão a nível global, o qual impõe uma nova resposta por parte da Sociedade Civil a nível internacional e nacional, de proteção do direito à ação humanitária e de defesa da compaixão como pilar fundamental em qualquer sociedade digna deste nome.Impõe-se a elaboração de uma nova narrativa sobre como a Sociedade Civil pretende concretizar mudanças societárias e que explique a intervenção das OSC e o que defendem, de forma a responder à insatisfação crescente dos cidadãos e das cidadãs e a desafiar as estruturas de poder que falharam nas respostas dadas aos problemas das pessoas. Esta narrativa deve ter como objetivo a diminuição da polarização social e promoção de união entre as pessoas em torno da solidariedade humana. A preparação desta nova narrativa implica uma maior proximidade e conexão com os cidadãos e as cidadãs e a construção de um clima de confiança da opinião pública em relação à Sociedade Civil, a qual tem vindo a decair.

Do ponto de vista económico, o relatório sugere ainda a necessidade da construção de uma visão alternativa para a economia a nível mundial, de rutura com o sistema neoliberal vigente, considerando que, passados dez anos da crise económica, as pessoas ainda sentem frustração relativamente a promessas de melhoria de vida que não sentem terem sido cumpridas. Para a CIVICUS, a Sociedade Civil deve participar ativamente no debate sobre como poderemos coletivamente avançar para uma economia mais democrática, pós-liberal, que opere no benefício de todos e todas.

As OSC têm o dever de demonstrar que as pessoas têm poder e que podem começar a produzir mudanças, de forma individual ou em conjunto nas organizações que formam, mas também continuar a defender um mundo baseado em direitos, dignidade, numa humanidade e compaixão compartilhadas.

A esperança de mudança fortalece-se com a constatação dos sucessos verificados em 2018, ano que se caracterizou pelo aumento exponencial de mobilizações públicas de cidadãos e cidadãs em torno de causas comuns (como os direitos das mulheres, das pessoas LGBTI, os direitos de migrantes e refugiados, o combate à corrupção e à austeridade ou  à desigualdade), mas também em que se reconhece o aparecimento de respostas inovadoras das OSC perante as dificuldades e restrições de que são alvo, como é o exemplo da Lituânia ou da Hungria.

Num mundo que se modifica com um dinamismo e a um ritmo imparável, as OSC têm a oportunidade de mobilizar, de construir novos argumentos, de conduzir as pessoas de coligações negativas para positivas e de reinventar as nossas sociedades. Esta reinvenção resultará tanto mais quanto se promover a necessidade de uma maior justiça a nível económico, em que as pessoas e seus direitos sejam colocadas no centro das ações, e quanto se incentivar à melhoria da qualidade das democracias locais, para que as pessoas possam participar na tomada de decisão e os movimentos possam formar-se para a criação de alternativas de resposta aos desafios da atualidade.

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