21 mai 2025 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: União Europeia, Agenda 2030, Sociedade Civil, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Direitos Humanos, Cidadania e Participação, Advocacia Social e Política

A Civil Society Europe liderou uma iniciativa a nível europeu, que juntou 600 organizações, para defender a sociedade civil organizada, na sequência de ataques sem precedentes com o objetivo de descredibilizar o setor, protagonizados por alguns membros do Parlamento Europeu, nomeadamente do Grupo PPE e de grupos de extrema-direita.
No manifesto lançado pela Civil Society Europe e amplamente subscrito por organizações da sociedade civil (OSC) dos vários Estados Membros da União Europeia (UE), é denunciada a utilização de argumentos falsos para fabricar artificialmente um escândalo envolvendo a sociedade civil organizada, veiculado e amplificado por artigos mediáticos baseados em desinformação.
Neste contexto, a Plataforma Portuguesa das ONGD assinou também uma carta dirigida ao Comissário para a Democracia, Justiça, Estado de Direito e Proteção dos Consumidores, Michael McGrath, sobre a deterioração do espaço cívico, da democracia e do Estado de Direitos em Itália, promovida pelo European Civic Forum.
Numa altura em que os valores democráticos estão a ser postos em causa na UE e nos seus Estados-Membros, e em que as organizações da sociedade civil desempenham um papel essencial na sua defesa, esta renovada ofensiva ao financiamento das OSC e à sua legitimidade no processo democrático arrisca não só reduzir ainda mais os espaços cívicos europeus, como também enfraquecer a própria democracia.
Desinformação e acusações falsas por parte de Deputados no Parlamento Europeu
No dia 22 de janeiro de 2025, alguns eurodeputados levaram ao plenário do Parlamento Europeu um debate específico sobre o financiamento público de Organizações Não Governamentais (ONG), com foco nas ONG ambientais que recebem subsídios de funcionamento ao abrigo do programa LIFE. Este programa é o principal instrumento de financiamento comunitário para projetos de conservação da natureza e de ação climática.
O debate levantou questões sobre a legitimidade das OSC e a utilização dos apoios financeiros da Comissão Europeia no cumprimento das suas missões. Vários/as eurodeputados/as defenderam o direito das ONG a participarem no processo democrático, mas outros/as recorreram a argumentos baseados em desinformação, sugerindo que organizações ambientais teriam sido pagas pela Comissão Europeia para fazer lobby em seu nome junto do Parlamento Europeu. Esta narrativa falsa reúne opositores/as do Pacto Ecológico Europeu e adeptos/as de teorias da conspiração. Durante o debate, foram apresentados por alguns/mas eurodeputados/as montantes fictícios de milhares de milhões de euros alegadamente atribuídos às OSC, bem como falsas acusações de incumprimento do Registo de Transparência – a base de dados de grupos de interesse que procuram influenciar as políticas e o processo legislativo das instituições europeias. Esta acusação é particularmente enganadora, tendo em conta que as medidas de transparência da UE foram em grande parte conquistadas por campanhas da sociedade civil, e que as OSC estiveram entre as primeiras a aderir quando essas medidas foram implementadas.
O papel das OSC e a importância do financiamento público
As OSC são um setor fundamental para o reforço da democracia, considerando o seu papel no quadro dos “pesos e contrapesos” do Estado de Direito – mecanismos institucionais concebidos para garantir o equilíbrio entre os diferentes poderes do Estado: legislativo, executivo e judicial. As OSC monitorizam a implementação das políticas públicas e a atuação de instituições e governos, contribuindo para a sua responsabilização. Ao mesmo tempo, canalizam as preocupações dos/as cidadãos/ãs – especialmente dos mais vulneráveis – para os decisores políticos, promovendo a proteção dos direitos e das liberdades fundamentais. Sem uma sociedade civil forte, os processos participativos que sustentam a governação democrática e a formulação de políticas públicas saem enfraquecidos.
Sempre que governos e instituições impõem restrições legais ao trabalho das OSC, limitam o seu direito à crítica, restringem a liberdade de reunião e associação ou dificultam o acesso à informação, estão a desmantelar os mecanismos de responsabilização que a sociedade civil assegura – mecanismos fundamentais para prevenir abusos de poder, corrupção, violações de direitos humanos e falhas nas políticas públicas.
O artigo 11.º do Tratado da União Europeia (TUE) reconhece o papel da sociedade civil ao prever um “diálogo aberto, transparente e regular com as associações representativas e com a sociedade civil”. O diálogo e a promoção do espaço cívico são essenciais para uma sociedade civil forte na UE.
Para que as associações representativas de cidadãos/ãs possam participar neste diálogo e “expressarem e partilharem publicamente os seus pontos de vista sobre todos os domínios de ação da União”, é essencial que sejam criadas condições propícias à realização desse trabalho. Uma dessas condições relaciona-se com a existência de financiamento adequado. Na UE, é necessário financiamento público para apoiar o trabalho das OSC, cuja missão e objetivos consistem em reforçar os valores consagrados nos tratados e na Carta dos Direitos Fundamentais.
O manifesto da Civil Society Europe apresenta dados do volume de financiamento concedido às OSC ambientais por parte da Comissão Europeia, após um processo competitivo e transparente, em conformidade com as disposições acordadas pelo Parlamento Europeu e pelos Estados-Membros. O acesso a esse financiamento tem permitido às OSC apresentar recomendações construtivas, baseadas em dados e evidência científica, aos decisores políticos, sobre questões que importam aos/às cidadãos/ãs – como a saúde e o bem-estar, a inclusão social e a igualdade, os direitos e a justiça, a promoção do Estado de Direito, o combate à corrupção e a proteção de um ambiente saudável para as gerações atuais e futuras.
Os signatários do manifesto sublinham a correspondência alarmante entre as posições assumidas por alguns/as membros do Parlamento Europeu relativamente às ONG e o confronto mais amplo que se encontra em curso entre os valores europeus e as perspetivas autocráticas. Considerando que a participação cívica é um pilar essencial dos valores europeus, é expresso o apelo às forças democráticas para que se oponham às narrativas falsas e à desinformação em torno da atuação das OSC, protejam o seu papel único na democracia europeia e apoiem o financiamento público da sociedade civil.
Uma União Europeia verdadeiramente forte e enraizada em valores democráticos só é possível com a participação ativa dos/as cidadãos/ãs e das organizações que os/as representam. Proteger e fortalecer a sociedade civil é, por isso, essencial para construir uma Europa mais inclusiva, justa e com um futuro partilhado por todas e todos.