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05 mar 2024 Fonte: FEC Temas: Advocacia Social e Política, Coerência das políticas, Cooperação para o Desenvolvimento

Por Daniela Lopes, Técnica de Projetos na FEC - Fundação Fé e Cooperação

Num período de grande instabilidade como o que vivemos, alimentado por desafios múltiplos, complexos e perversos, que se interligam, enlaçam e imiscuem, torna-se difícil ter uma visão clara do que está a acontecer à nossa volta, quais os intervenientes, causas e consequências. São cada vez mais os desafios de índole global, abrangendo vários domínios e camadas de responsabilidade e resposta. O contexto geopolítico mundial atual é palco de guerras com repercussões humanitárias avassaladoras, endividamento mundial, ameaças à saúde e segurança alimentar, com o planeta a enfrentar pontos de rutura irreversíveis relacionados com o clima... tudo isto combinado ameaça seriamente a estabilidade global, a consecução dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e o cumprimento dos nossos compromissos, dos quais somos continuamente relembrados que estão a ficar para trás. Estamos a meio de uma maratona e começamos a ter dificuldade em ver a meta ao fundo. 

Tudo isto favorece a desconfiança dos cidadãos nos governos e nas políticas, agudiza um crescente individualismo e pessimismo face ao futuro e mina a capacidade de nos percecionarmos enquanto cidadãos globais, de um mundo interdependente e globalizado. Já não podemos negar que o Desenvolvimento é notoriamente multidimensional e global, que uma ação em Portugal pode ter impacto do outro lado do Mundo e vice-versa. Tendemos a olhar para as crises de forma isolada, e a adotar respostas centradas na realização de um objetivo limitado e não como parte de um esforço mais amplo e holístico. Tal como hoje reconhecemos os principais benefícios da globalização, também sabemos que os mesmos estão repartidos de forma muito desigual. Acontece o mesmo com as crises, que apesar de terem repercussões globais, afetam desproporcionalmente os países à partida mais vulneráveis.

Mas, olhando para os múltiplos desafios de forma interligada, se não houver políticas coerentes e uma ação governamental coesa e forte, caímos na armadilha de minar os esforços do desenvolvimento e perpetuar desequilíbrios de poder e desigualdades que permanecem no sistema internacional. Portanto, enfrentar estes desafios implica que as políticas adotadas funcionem em plena harmonia em todas as áreas de governação — segurança, soberania alimentar, comércio e finanças, migrações, alterações climáticas... — e que sejam formuladas e implementadas de forma a contribuírem para o desenvolvimento dos países mais frágeis. É neste sentido que o princípio da Coerência das Políticas para o Desenvolvimento (CPD) vem oferecer uma lente integrada para olhar o Desenvolvimento. A CPD constitui um instrumento fundamental de solidariedade internacional, que nos torna capazes de identificar incoerências e estabelecer interligações que garantem que as políticas adotadas, sejam económicas, sociais e ambientais, não contradizem os esforços promovidos na resposta à erradicação da pobreza e às desigualdades globais.

Pode parecer complexo, mas falar de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento é falar de justiça social, de sustentabilidade, de humanismo, de progresso e de ação. 

Que sentido faz empenharmos recursos, esforços, vontades, se não forem consequentes ou se forem contrariados por outras políticas com efeitos adversos? 

Mas, sendo a CPD multidimensional e com diferentes interesses envolvidos, garantir a sua aplicação eficiente só vai acontecer com uma liderança política forte, comprometida e alinhada com o desenvolvimento global. A coerência política não acontece automaticamente: é uma escolha política dos governos.

Garantir políticas coerentes em prol do desenvolvimento implica não apenas compromissos políticos e legais, que muitas vezes já estão formalmente constituídos, mas exige sobretudo a criação de mecanismos institucionais, de coordenação e de monitorização que permitam uma efetiva aplicação dos compromissos assumidos. Como sublinha a OCDE, o compromisso político ao mais alto nível de governo, é uma condição prévia para a coerência política, que, na ausência, pode mesmo ter impactos sociais, económicos e ambientais nefastos, que se fazem sentir, sobretudo, junto dos mais vulneráveis e mais pobres, que são os mesmos que procuramos apoiar no processo de desenvolvimento. É um ciclo vicioso.

 Só através de políticas coerentes e justas, alicerçadas na promoção dos Direitos Humanos e ambientais e da dignidade humana, conseguimos pensar um mundo mais justo, mais digno e mais sustentável. Garantir a coerência das políticas é um exercício que cabe a todos os governos e intervenientes do processo de desenvolvimento. Porque o desenvolvimento é uma responsabilidade partilhada, todos temos um papel na promoção e defesa de políticas públicas que, de facto, contribuam para a dignidade de todas as pessoas e para a proteção da nossa Casa Comum. 

É, por isso, urgente dar um novo impulso político ao conceito de CPD, de modo a assegurar um cumprimento efetivo das suas obrigações, assentes nos valores da solidariedade e dignidade humana. Isto só acontece com mais vontade política e mais compromisso. A legislação já existe, falta agora operacionalizá-la. É tempo de passar à ação, passar das palavras aos atos. 

Em contagem decrescente para o dia 10 de março, cabe-nos refletir sobre o papel de Portugal no mundo interdependente em que vivemos, e revitalizar a parceria global neste momento decisivo.

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