10 mar 2022 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Paz e gestão de Conflitos, Cooperação para o Desenvolvimento
Desde o fim de fevereiro que se vive uma situação que, para muitos, era impensável de acontecer na Europa em pleno século XXI. Apesar de a guerra no leste da Ucrânia ter começado já no ano de 2014, a gravidade da situação atual é consideravelmente superior – como comprova o alargamento do conflito a várias partes do país e o gigantesco fluxo de refugiados/as que já o abandonaram. Sabendo que, mais do que ser conquistada, a paz deve ser construída, este é o momento para apelar à necessidade de se encontrarem respostas duradouras para o conflito desencadeado pela invasão russa.
Desde o dia 24 de fevereiro, o momento em que o presidente russo anunciou o início da invasão ao país vizinho (“operação militar especial”, nas palavras de Vladimir Putin), que nos temos habituado a ouvir múltiplas referências à capacidade de resistência do povo ucraniano perante as tropas invasoras. Além das implicações que as dificuldades impostas pelos/as ucranianos/as estão a ter no avanço das tropas russas, elas mostram também, de uma forma muito clara, que a utilização da força nunca terá viabilidade enquanto estratégia para a construção de soluções estruturais.
Sabemos, por isso, que, ainda que admitindo a possibilidade de a invasão russa levar a uma capitulação do governo ucraniano, a via militar não conseguirá produzir efeitos sustentados no longo prazo. Pelo contrário, podemos esperar que, mesmo no caso de os objetivos militares do governo russo serem alcançados, as operações em curso conduzirão a um clima de paz podre em que ninguém ficará a ganhar.
Esta é uma ideia que, porventura, sai ainda mais reforçada quando percebemos que a resposta à invasão russa tem sido assumida, de forma natural, como um certo regresso à forma de estar que, durante quatro décadas, marcou a divisão do globo entre o Leste e o Ocidente. De forma praticamente unânime, os países do Ocidente têm anunciado aumentos consideráveis nos fundos canalizados para a defesa e rompido com abordagens mantidas durante várias décadas – o caso da Alemanha, com a autorização de envio de material militar para contextos de conflito, e a renúncia ao estatuto de neutralidade da Suíça.
Por mais compreensível que este tipo de postura possa parecer, importa alertar para o potencial de escalada das tensões que as opções que têm vindo a ser seguidas podem representar. Nenhuma abordagem poderá, por isso, prescindir do investimento na cooperação, na diplomacia e no diálogo para a construção de soluções para o conflito na Ucrânia, pelo que a aposta numa via negocial baseada no compromisso pela procura de entendimentos entre todas as partes envolvidas deve ser assumida como prioridade absoluta.
Para que tal seja possível, importa reconhecer que o sofrimento provocado pela decisão do governo russo está a ter impacto, sobretudo, na população civil da Ucrânia. Segundo dados do ACNUR, registam-se já mais de 2 milhões de refugiados/as que abandonaram o território ucraniano – o que, por si só, representa o maior fluxo migratório no continente europeu desde 1945. Também de acordo com dados da ONU, o número de civis mortos na sequência do conflito ultrapassa já os 500 – com a ressalva de que, em virtude das dificuldades em manter um registo rigoroso, o número total pode muito bem ser bastante superior.
Assim, e sob pena de se agravar ainda mais a situação, de adensar as tensões e de alimentar a possibilidade de alargar o conflito em curso a outros territórios, nunca será tarde demais para encontrar soluções que tenham em conta o que, mais tarde ou mais cedo, terá de ser considerado para construir respostas estruturais. À necessidade, imediata e absoluta, de cessar as hostilidades, importa, por isso, juntar o compromisso em rejeitar a inevitabilidade de escalar o conflito e em construir soluções que perdurem no tempo. É isso que se deve, em primeiro lugar, aos milhões de pessoas afetadas pelo conflito. É isso que apenas se conseguirá através de um investimento no diálogo e na cooperação.