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08 mar 2022 Fonte: FEC Temas: Igualdade de Género, Cooperação para o Desenvolvimento

Fotografia cedida pela FEC

Onde se nasce, em que família se nasce e com que sexo se nasce podem condicionar o acesso a possibilidades que se traduzem em termos práticos em ter uma vida com mais qualidade, com mais oportunidades e com maior longevidade. As (des) igualdades acompanham uma pessoa desde o nascimento. A Pesquisa Social sobre Políticas Públicas Inclusivas numa Perspetiva de Género nasce com o objetivo de conhecer a realidade social e igualdade de género em 15 municípios das províncias do Uíge (Uíge, Puri, Songo); Benguela (Benguela, Cubal, Ganda); Huambo (Huambo, Caála, Catchiungo); e Huíla (Lubango, Gambos, Jamba Mineira). Este estudo foi realizado durante a implementação do projeto Promoção da Advocacia de Políticas Públicas e Inclusivas|PAPPIA, implementado pelo Mosaiko | Instituto para a Cidadania em parceria com a FEC| Fundação Fé e Cooperação, cofinanciado pela União Europeia e pelo Camões – Instituto de Cooperação da Língua (2018 – 2021). 

De junho 2019 a novembro 2020, foram aplicados questionários a 4 692 agregados familiares, a partir de uma base amostral estratificada nos 15 municípios. Em cada município, foram inquiridos 312 agregados, distribuídos em zonas rurais (41,7%) e urbanas (58,2%).  De forma complementar foram concebidos guiões de orientação de grupos focais e entrevistas semiestruturadas por seções temáticas (149). Face a pandemia da Covid-19, as entrevistas qualitativas foram reduzidas a 10 municípios rurais e urbanos. 

A recolha e análise de dados teve por base dimensões da equidade de género. O acesso ao registo civil constitui em Angola um dos Direitos Humanos mais afetados: 57% das crianças não possui registo (0-5 anos); a percentagem de pessoas sem qualquer documentação é elevada (28%, dados do Banco Mundial 2017) e afeta essencialmente zonas rurais: apenas 26% dos inquiridos têm bilhete identidade comparativamente com os residentes nas cidades (51%). A desigualdade de género para obtenção de bilhete de identidade chega a atingir 28% das mulheres entre os 18-55 anos, acentuada nos municípios de Catchiungo (41%), Jamba Mineira e Puri (40%) e Songo (38%) das províncias de Huambo, Huíla e Uíge.

O que leva as pessoas a não terem registo civil? O custo do serviço; a fuga à paternidade; falta de documentos dos progenitores; perceção da importância de obtenção do Bilhete de Identidade pelas mulheres; ausência de serviços perto da residência; atendimento dos serviços que não priorizam mulheres com crianças, idosas e deficientes; falta de confiança nas instituições e a perceção que só se consegue com tráfico de influências. O impacto da ausência de documentação inviabiliza oportunidades, como a de ter um emprego nos setores públicos e privados, aceder a uma conta bancária, beneficiar de oportunidades, descolar-se entre províncias e municípios

No acesso à justiça, as desigualdades são significativas. As mulheres estão votadas ao isolamento (53,5%), sendo mais acentuado em meio rural (58,5%). Os conflitos estão associados a habitação, negócio, fuga as responsabilidades paternais, segurança física. O recurso à polícia é qualificado como um “mau serviço”, sendo poucos os casos levados a tribunal. A perceção dos inquiridos é de morosidade nos processos; impunidade; custos elevados; linguagem hermética do meio judicial e uma associação do sistema judicial ao poder político com interesses de classes.  

A educação tem registado progressos em Angola na equidade de género a partir de 2002. Porém a balança fica desigual a partir no período da adolescência, com desistência e abandono por parte das raparigas a partir do ensino secundário, decorrente de gravidez (20,9% urbano; 16,8% rural); dificuldades financeiras para as manter na escola (23,3% urbano; 17,7% rural), decorrentes de estereótipos de que a mulher tem obrigações domésticas (14%). 

No campo da saúde materna, as questões de género colocam-se de imediato em opção de controlo de natalidade. A contraceção não é uma opção para 41% de mulheres que vivem em zonas rurais e 48% em zonas urbanas (48%) devido a falta de informação (27% rural; 14% urbano); oposição do parceiro (14% urbano; 11% rural). Em matéria de gravidez, 83,7% das mulheres tiveram acesso a uma consulta pré-natal. Os dados evidenciam alterações entre 2000 a 2004 e 2015 a 2019. No primeiro período, 47,3% das mulheres realizaram a primeira consulta pré-natal acompanhadas dos parceiros, número que veio a descer para 38,3%. Os partos no domicílio são opção para 49,6% das mulheres face a ausência de serviços nas proximidades; abusos físicos, descriminação, negligência clínica e abuso verbal, psicológico da equipa de serviço. 

A participação cívica é globalmente baixa em Angola: 68% dos inquiridos não participa em qualquer forma organizativa, sendo particularmente elevado em Luanda (13%). Nos modelos organizativos, a mulher é globalmente retirada de funções de liderança e de tomada de decisões: cerca de 80% das mulheres são membros face aos 50% de homens.

As desigualdades de género acentuam-se no acesso a fontes seguras de rendimento e posse de bens produtivos. Acesso a terra para produção agrícola (via herança ou compra direta) é dominada pelos homens: 70% dos homens nos municípios agrícolas cultivam a terra obtida por herança, face a 44% das mulheres. A mulher cultiva na lavra da chuva que alimenta toda a família, numa terra cedida pelo marido, mas sem acesso a insumos, crédito ou sementes, destinados para as lavras dos homens. Apenas 36% das mulheres tem o poder de decidir o destino a dar às receitas provenientes da sua própria produção comparativamente a 69% dos homens. As mulheres têm menos oportunidades de participação no mercado de trabalho do que os homens e quando participam as receitas são em média 20% mais baixas comparativamente.

Com a divulgação da pesquisa, Mosaiko e FEC pretendem dar um contributo para fundamentar tomadas de decisões de instituições do Estado, de organizações da sociedade civil ou de outros atores sociais, sobre a abordagem da igualdade de género nas políticas públicas. Por outro lado pretende-se com a pesquisa traçar novas políticas e, sobretudo, planos de ação mais inclusivos, com práticas mais equitativas de género. As oportunidades de vida também dependem de cada um de nós, assumindo cada um, à sua dimensão, o papel que lhe cabe na sociedade. Este é, pois, um pe¬queno contributo plural para investir em mais e melhores anos de vida.

Artigo por: Catarina Lopes, Departamento de Cooperação da FEC 
 

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