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08 nov 2019 Fonte: Vários Temas: Advocacia Social e Política, Ajuda Pública ao Desenvolvimento

No mesmo dia em que tomou posse (26/10), o XXII Governo Constitucional entregou, na Assembleia da República, o documento que define as prioridades de ação para os próximos quatro anos. O Programa do Governo é omisso quanto à necessidade de estabelecer uma rota para atingir a meta de 0,7% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) português para a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD).

No passado dia 26 de outubro, o Governo discutiu, aprovou e entregou no Parlamento o seu programa para a legislatura. Na sua essência, o programa assume uma tónica de “continuidade e aprofundamento dos eixos e objetivos estratégicos da política europeia e externa” e, por extensão, da política de Cooperação para o Desenvolvimento. A vontade de mobilizar novas formas de financiamento para a cooperação portuguesa continua a ser uma prioridade, no seguimento do que aconteceu na anterior legislatura, como comprova a importância concedida ao crescente envolvimento do setor privado na cooperação e à participação de Portugal em programas de Cooperação Delegada pela Comissão Europeia.

No que ao envolvimento do setor privado diz respeito, o programa governamental destaca a prioridade de financiar operações realizadas ao abrigo do Compacto de Desenvolvimento para os países Africanos de Língua Portuguesa – conhecido como Compacto Lusófono –, instrumento que tem como objetivo “conceder garantias pessoais, com caráter excecional, até ao limite de 400 000 000 €, para cobertura de responsabilidades assumidas pelos mutuários junto do Grupo do Banco Africano de Desenvolvimento” (como refere o Orçamento do Estado para 2019) em países parceiros da Cooperação Portuguesa, desde que estes contem com “intervenção de empresas portuguesas ou instituições financeiras de capital português”. Neste âmbito, a Plataforma Portuguesa das ONGD, reconhecendo que importa compreender melhor e aprofundar qual pode ser o papel das entidades privadas no setor, tem alertado para a necessidade de se distinguir, de uma forma inequívoca, os objetivos de promoção e apoio à internacionalização das empresas portuguesas dos objetivos da Cooperação para o Desenvolvimento – necessidade essa que pode estar comprometida sem critérios claros e transparentes do acesso do setor privado a financiamento; sem uma monitorização e escrutínio independente do impacto da intervenção do setor privado em termos socias e ambientais; e sem mecanismos que garantam o cumprimento dos Direitos Humanos por parte das empresas. Por isso mesmo, a Plataforma entende que a linha orientadora do executivo no contexto do compromisso manifestado em “conferir acrescida coerência ao envolvimento do setor privado na cooperação portuguesa” deve basear-se na prioridade em promover o Desenvolvimento Humano, a Boa Governação, a Democracia e o Estado de Direito, contribuindo assim para o Desenvolvimento Sustentável dos parceiros.

Não obstante o facto de o Programa do XXII Governo Constitucional estar fundado naquilo a que o executivo denominou de “desafios estratégicos”, com uma referência explícita à Agenda 2030 como forma de dar resposta aos problemas identificados, a omissão de referências à necessidade de estabelecer uma rota que conduza à alocação de 0,7% do RNB português para APD até 2030, poderão comprometer o contributo de Portugal ao longo dos próximos quatro anos para a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e, em particular, do ODS 17.

Apesar de se notar um esforço em mobilizar fundos adicionais para fazer face ao fosso entre as verbas destinadas para a APD e o valor que se estima ser necessário para concretizar a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o documento que define as linhas orientadoras da ação política do XXII Governo Constitucional não faz referência à necessidade de canalizar mais fundos públicos nacionais para o setor. Este tópico, sobre o qual a Plataforma Portuguesa das ONGD tem manifestado a sua preocupação, não deve ser confundido nem subestimado face à estratégia de “valorizar o papel da cooperação portuguesa na gestão de projetos de cooperação” da UE. A prioridade em mobilizar fundos adicionais europeus não deve resultar num desinvestimento por parte do governo português na APD. Assim, para que seja possível reverter a descida verificada em 2018 (cifrada em 6,6% em valores absolutos de APD face a 2017), e dada a falta de informação sistematizada sobre a execução deste tipo de financiamento, a Plataforma entende ser prioritária a realização de um diagnóstico que afira o impacto da Cooperação Delegada na APD portuguesa.

A Sociedade Civil, designadamente as ONGD, são parceiros incontornáveis do setor. O papel da Sociedade Civil em advogar por melhores políticas de cooperação vai além do processo monitorização da sua implementação, tendo também um contributo a dar na sua formulação, e avaliação – exemplo disso é o modelo que foi seguido, com sucesso, no processo de construção e implementação da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento. No entanto, os processos de consulta e envolvimento das ONGD e outros atores da sociedade civil carecem, com frequência, de qualidade e de sistematização, não havendo referência no programa do Governo a medidas para responder a esta necessidade de melhoria. Apesar disso, a Plataforma Portuguesa das ONGD saúda a inclusão no Programa do Governo do compromisso com a  “prioridade da educação e formação, das áreas sociais e da governação para a cooperação portuguesa” e com a intenção em “incrementar o papel das organizações da sociedade civil (…) na conceção e execução de projetos”, mas relembra também que, para além de uma dimensão ao nível operacional da sociedade civil, é determinante o envolvimento da Sociedade Civil em todas as fases dos processos de definição, implementação, monitorização e avaliação das políticas públicas, com o objetivo de garantir a institucionalização de políticas inclusivas de qualidade.

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