15 nov 2023 Fonte: Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Financiamento para o Desenvolvimento, Cooperação para o Desenvolvimento, Ajuda Pública ao Desenvolvimento
No passado dia 18 de outubro, a CONCORD Europe publicou mais uma edição do relatório anual AidWatch. A edição de 2023 destaca a análise aos montantes de Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) da União Europeia e dos Estados-Membros que não chegam às comunidades-alvo, e pretende “Rebentar a bolha da APD inflacionada” (Bursting the ODA inflation bubble). Segundo o relatório, 14,3% da APD portuguesa é considerada “inflacionada”.
Em 2023, a UE e os Estados-Membros reportaram um valor recorde de APD: mais de 100 mil milhões de euros. Contudo, embora os números da APD estejam em máximos históricos, o relatório AidWatch 2023 mostra como as estatísticas divulgadas escondem uma fatia significativa de montantes que não deviam ser reportados como APD, por não contribuírem diretamente para o desenvolvimento dos países parceiros. Em termos globais, cerca de 20 mil milhões de euros – mais de 1 euro em cada 5 reportado como APD – são considerados como ajuda, mas nunca chegam às comunidades.
Segundo a CONCORD Europe, tal deve-se às normas do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE, o órgão que define as regras de elegibilidade da APD e para o qual os Estados-Membros (incluindo Portugal) reportam. Atualmente, estas regras permitem inflacionar os valores globais da APD ao admitirem a contabilização de custos com o acolhimento de refugiados nos países doadores, de custos com estudantes originários de países parceiros, do cálculo de partes de empréstimos concedidos a países em desenvolvimento, de alívio de dívida, entre outros aspetos. Para a CONCORD Europe, estes elementos constituem uma parcela “não genuína” da APD e, por isso, não deviam ser incluídos nos dados publicados.
Em 2022, face ao fluxo excecional de refugiados provenientes da Ucrânia, a inclusão de montantes destinados ao acolhimento nos valores globais de APD, colocou muitos Estados-Membros da UE na posição peculiar de serem os principais destinatários da sua própria ajuda. De acordo com o cálculo efetuado pela CONCORD Europe, estes montantes inflacionaram os valores da APD em quase 14 mil milhões de euros.
Além disso, os dados do relatório mostram que apenas 40% da APD tem como destino os países com Índice de Desenvolvimento Humano mais baixo. Em sentido contrário, 47% da APD destina-se a países na metade superior da tabela.
APD portuguesa aumenta, mas continua abaixo da média europeia
Como habitual, o relatório AidWatch 2023 conta com uma página dedicada a Portugal que, em 2022, registou um aumento significativo de 17,5% na sua APD. Com um total de 0,23% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) dedicado à APD, o contributo de Portugal “ultrapassou a barreira dos 0,2% do RNB pela primeira vez numa década”.
No relatório, pode ler-se que o aumento se deve à canalização de financiamento adicional para instituições multilaterais, ao apoio orçamental a países parceiros e aos montantes destinados a financiar esforços humanitários no quadro da guerra na Ucrânia. Embora, ao contrário do que aconteceu em vários países europeus, Portugal não tenha realocado fundos previamente orçamentados para outros contextos para a resposta à situação humanitária na Ucrânia, o país continua com níveis elevados de “ajuda inflacionada”.
Em 2022, 14,3% da APD portuguesa foi dedicada a setores que não contribuem diretamente para o desenvolvimento dos países parceiros – como o financiamento do acolhimento a refugiados/as ou de custos com estudantes originários de países parceiros. A subtração destes montantes ao valor global resultaria, por isso, num valor de APD próximo do registado em 2021.
A “página país” dedicada a Portugal contém ainda um conjunto de recomendações ao governo. Num ano marcado pelo início da implementação da Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030 (ECP 2030), o relatório realça a importância de envolver a Sociedade Civil na monitorização da implementação das medidas previstas. Face à magnitude dos desafios que se colocam atualmente ao desenvolvimento global, o relatório aponta também a necessidade de reforçar a Educação para o Desenvolvimento em Portugal, garantindo que a próxima Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED) dispõe dos meios financeiros necessários à prossecução dos seus objetivos.