06 jul 2022 Fonte: CIVUCUS Temas: Sociedade Civil
A CIVICUS publicou o Relatório do Estado da Sociedade Civil 2022, que oferece um retrato da sociedade civil num mundo caracterizado por crises e volatilidade, identificando cinco tendências de dimensão global: fracasso dos governos na proteção das pessoas contra os impactos do aumento dos preços; ataques à democracia; progressos e retrocessos na área da igualdade social; pressão pela ação climática por parte da sociedade civil; e fracasso das instituições globais em proteger as pessoas e prevenir conflitos.
A primeira tendência identificada pela CIVICUS é o aumento do custo de bens essenciais, como alimentação e combustível em vários países, e o fracasso dos governos na proteção das pessoas contra os impactos do aumento do custo de vida, potenciado pela Guerra na Ucrânia. Naturalmente, os protestos contra a corrupção e a desigualdade económica têm vindo a aumentar também: no Sri Lanka, protestos generalizados contra a má gestão económica levaram à renúncia do primeiro-ministro; no Irão, as pessoas estão a exigir mudanças fundamentais à medida que os preços dos alimentos disparam; no Cazaquistão, mais de 200 pessoas foram mortas após protestos contra o aumento dos preços dos combustíveis. Apesar da violência por parte do Estado, que tem sido uma resposta comum quando os manifestantes pedem a redistribuição do poder, a CIVICUS prevê que os protestos generalizados por melhores condições económicas e mais direitos para os trabalhadores continuem nos próximos meses – e que, nalguns casos, a mudança acontecerá.
A segunda tendência identificada pela Civicus é o ataque à democracia e a luta para a resgatar. Verifica-se uma tendência de “regresso” da incidência de golpes militares, alavancados pelas preocupações dos aliados internacionais com o controlo da migração e segurança. Os exércitos assumiram o controlo de Burkina Faso, Guiné e Mali, potencialmente normalizando a existência de governos militarizados naquela região. Noutros países, como em El Salvador e na Tunísia, presidentes eleitos estão a remover os controlos democráticos do poder.
O populismo de extrema-direita continua também a levantar preocupações, com a Civicus a assinalar a votação mais alta de sempre nestes partidos nas eleições em França e em Portugal, normalizando o discurso político racista e xenófobo. No Estados Unidos da América, o “trumpismo” tornou-se dominante na abordagem de muitas forças de direita. Na Hungria, Viktor Orbán triunfou nas eleições em abril de 2022. E muito outros exemplos se poderiam seguir.
A desinformação está a alterar o discurso político de formas cada vez mais evidentes, e a CIVICUS alerta para o crescimento de forças que estão a lucrar com a desinformação, nomeadamente grupos de ódio, redes internacionais anti-direitos e Estados párias, que têm por objetivo normalizar o extremismo e semear a divisão, dificultando o debate público racional.
Os grupos marginalizados estão na linha de frente no que concerne às questões das desigualdades sociais e nos ataques a direitos, incluindo aqueles fomentados por políticos que exploraram alvos fáceis e colocam populações de diferentes grupos umas contra as outras. Migrantes e refugiados são um desses frequentes alvos – o racismo por detrás da hostilidade na receção de refugiados e migrantes em países ocidentais ficou exposto com o diferente tratamento que recebem as pessoas que fogem da guerra da Ucrânia.
As mulheres são outro grupo vulnerável, e a CIVICUS alerta neste ponto para o caso do Afeganistão, onde as mulheres despojadas de direitos pelo regime talibã sentem-se abandonadas pela comunidade internacional. Na Índia, as mulheres muçulmanas estão na mira dos ataques de nacionalistas hindus, visando-as tanto pela sua religião, quanto pelo seu género. A CIVICUS demonstra ainda preocupação pelas barreiras impostas ao direito de interrupção voluntária da gravidez em países como os EUA ou a Polónia.O movimento dos direitos das mulheres continua, no entanto, a demonstrar grande força, facto que a CIVICUS destaca ao referir a mobilização internacional conseguida em torno destes temas.
Os ataques aos direitos das pessoas LGBTI são outra fronteira na batalha pelo respeito e pela dignidade, sendo que são muitas vezes instrumentalizados por políticos populistas em busca de vantagens políticas – sendo que a CIVICUS refere as situações do Gana e da Hungria como exemplos. Apesar destes focos mais problemáticos, a CIVICUS afirma que, globalmente, o acesso da população LGBTQI aos seus direitos está a crescer.
A CIVICUS refere como uma das tendências atuais, o trabalho da sociedade civil em torno da ação climática, destacando o papel das gerações mais jovens neste trabalho. À medida que os fenómenos resultantes das alterações climáticas se tornam cada vez mais comuns, o problema da justiça climática torna-se cada vez mais claro, com o impacto desproporcional de eventos climáticos extremos a afetar mais os que têm menos, incluindo calor extremo na Índia, inundações devastadoras na África do Sul e incêndios florestais sem precedentes na Turquia, entre muitos outros. Apesar da situação, e da ação por parte dos governos e das empresas ser parca, o ativismo em torno do problema cresce a um ritmo assinalável, com recursos a marchas em massa, greves climáticas e desobediência civil não violenta.
Por último, a CIVICUS identifica a inadequação do sistema de governação internacional para assegurar a paz e os direitos humanos como a 5ª grande tendência. A guerra decorrente da invasão russa da Ucrânia é a crise mais recente, juntamente com os recentes conflitos no Sahel, Síria e Iémen, entre outros, que expôs de forma clara o fracasso das instituições globais em proteger as pessoas e prevenir conflitos. A CIVICUS refere a paralisação do Conselho de Segurança da ONU devido ao poder de veto da Rússia, e o facto de o Conselho de Direitos Humanos da ONU continuar dominado por estados que violam os seus princípios mais básicos, mesmo depois da recente suspensão da Rússia. Neste ponto, a CIVICUS defende que a ONU deve trabalhar no sentido de prevenir crises, em vez de apenas reagir às mesmas e, para isso, é essencial que haja um envolvimento efetivo da sociedade civil, que continua a ser fundamental na procura e no garante de progresso vital para a humanidade.