13 abr 2023 Fonte: Amnistia Temas: Direitos Humanos

Foi lançado no final de março o Relatório 2022/2023 da Amnistia Internacional “O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, que analisa a situação dos Direitos Humanos em 156 países. Além da análise específica de cada país, é também feita uma avaliação global e apresentado um panorama geral de cada uma das regiões mundiais.
“Há mais de uma década que as organizações de direitos humanos têm vindo a alertar para o contínuo declínio do respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de direito. Nessa trajetória descendente, onde se encaixa 2022?” – esta é a pergunta mote do prefácio do mais recente relatório da Amnistia Internacional. A resposta encontramo-la ao longo do relatório que analisa a situação dos direitos humanos em 156 países: a trajetória em 2022 continuou descendente.
A duplicidade de Critérios na resposta às violações de Direitos Humanos
Em 2022, a invasão russa à Ucrânia resultou em numerosos crimes de guerra, provocou uma onda migratória, uma crise energética e alimentar global e procurou abalar o já enfraquecido sistema multilateral. Para a Amnistia Internacional, a guerra na Ucrânia “expôs a hipocrisia dos Estados ocidentais que se mobilizaram contra a agressão do Kremlin, mas toleraram ou foram cúmplices de graves violações de direitos humanos cometidas noutros países” – como é o caso de Israel, Arábia Saudita e Egito – o que revela que a comunidade internacional teve “dois pesos e duas medidas” na resposta a violações de Direitos Humanos. Esta “duplicidade de critérios do Ocidente” é um dos pontos destacados pela organização como uma questão central na análise do ano 2022 “Os países não podem criticar as violações de direitos humanos num minuto e, no minuto seguinte, tolerar abusos semelhantes noutros países só porque os seus interesses estão em jogo”, afirma Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.
Liberdade de expressão, associação e reunião
2022 foi também um ano de significativa repressão aos direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica. Em grande parte dos países analisados, ocorreu uso da força excessiva ou ilegal contra manifestantes pacíficos, nova legislação para restringir o direito de alguma forma de dissidência, ou alegações credíveis de maus-tratos, em muitos casos equivalentes a tortura contra manifestantes e vozes dissidentes. Os atentados contra as liberdades de expressão e de reunião pacífica verificaram-se em vários pontos do globo: na Austrália, Índia, Indonésia e Reino Unido, as autoridades aprovaram nova legislação que restringe as manifestações, enquanto o Sri Lanka recorreu aos poderes estipulados em período de emergência para reduzir o número de manifestações generalizadas contra o agravamento da crise económica.
No que concerne à liberdade de expressão, a Amnistia destaca a situação na Rússia, onde escritórios dos meios de comunicação social foram encerrados só por fazerem referência à guerra na Ucrânia, mas também os casos de jornalistas presos em dezenas de outros países, entre os quais, o Afeganistão, a Etiópia, o Myanmar, e a Bielorrússia.
Discriminação de Mulheres e Meninas e Violência de Género
A violência contra mulheres, meninas e pessoas LGBTI continua a ser um problema global – e o relatório da Amnistia aponta o dedo ao Estados, que continuam a falhar na proteção dos Direitos Humanos neste âmbito. A organização destaca a situação das mulheres e meninas em todo o Médio Oriente e o Norte da África, onde as mulheres continuam a enfrentar discriminação tanto na lei como na prática, inclusive em relação aos direitos de herança, divórcio, representação política e oportunidade de emprego. “Autoridades na Arábia Saudita, no Egito, no Iémen, no Iraque e no Irão, submeteram mulheres defensoras dos direitos humanos e ativistas a processos, interrogatórios e/ou outras formas de assédio por se manifestarem contra a violência sexual e a discriminação de género.”
No site da Amnistia Portugal encontram-se outros destaques de grande relevância, como por exemplo:
- A situação dos Direitos dos Refugiados e Migrantes – sobre a qual se destaca a ativação pela UE, pela primeira vez, da Diretiva de Proteção Temporária, proporcionando às pessoas em fuga do conflito na Ucrânia acesso rápido a alojamento, ao mercado de trabalho e à educação;
- As questões de Direitos Humano relacionadas com as Alterações Climáticas – ponto em que se destaca a situação no sul de Angola, onde a seca atingiu níveis sem precedentes nos últimos anos, provocando escassez de alimentos e água e má-nutrição, resultando na morte de pessoas, e também de gado;
- Direitos Económicos, Sociais e Culturais – que foram duramente afetados pelos impactos das crises sucessivas (Covid-19, invasão da Ucrânia e subsequente crise alimentar), em particular no continente africanos, no qual os direitos de milhões de pessoas à alimentação, saúde e um nível de vida adequado foram gravemente lesados.
Esperança no Futuro?
Em 2023, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento criado a partir das cinzas de uma guerra mundial, completa 75 anos. Neste contexto, a Amnistia deixa um apelo aos líderes mundiais para que não esperem “que o mundo esteja mais uma vez em chamas para fazer valer as liberdades e princípios que foram estabelecidos à custa de milhões de vidas. Que 2023 seja um ano de virada para a defesa dos direitos humanos.” (Agnés Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional).
A organização defende uma reforma do sistema internacional, com normas que se fundamentem no respeito e cumprimento dos direitos humanos, de aplicação global, que se consubstancia em duas principais reivindicações:
- Que os mecanismos de direitos humanos da ONU sejam totalmente financiados, para que a responsabilização e as investigações possam prosseguir, e a justiça seja feita.
- Que o principal órgão decisório da ONU, o Conselho de Segurança, seja reformado para dar voz aos países e situações que têm sido tendencionalmente ignorados, com especial foco no Sul global.