24 nov 2020 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Sociedade Civil, Cooperação para o Desenvolvimento, Advocacia Social e Política
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de outubro de 2020 "Perspetivas para o Futuro da Cooperação Portuguesa". Leia ou faça download da edição completa aqui.
Conversámos com os representantes das Plataformas de ONG de alguns dos principais países parceiros da Cooperação Portuguesa sobre o contributo de Portugal para o desenvolvimento sustentável, as prioridades para os próximos anos e o envolvimento da Sociedade Civil.
Entrevista Realizada por: Carlota Bicho, Responsável de Comunicação na Plataforma Portuguesa das ONGD e Rita Leote, Diretora Executiva da Plataforma Portuguesa das ONGD
Daniel do Carmo, Diretor Executivo da Federação de ONG de Timor-Leste (FONG TIL)
A Cooperação Portuguesa desempenha um papel importante em Timor-Leste. Tendo em conta que fazemos parte da CPLP, as relações estabelecidas no âmbito da cooperação são fundamentais até mesmo para a sociedade civil timorense, que tem tido oportunidade de criar relações com a sociedade civil de outros países.
Do ponto de vista setorial, tem sido muito importante o contributo da Cooperação Portuguesa em Timor-Leste na área da educação em geral, com destaque para o ensino do português. Há também intervenções a assinalar da cooperação na área da juventude, adaptação às alterações climáticas, apoios ao nível dos pequenos negócios locais. A cooperação portuguesa com o Estado timorense na área da justiça também tem sido importante, pois temos muita falta de recursos nos tribunais, e o nosso sistema de justiça tem beneficiado da cooperação com Portugal.
a Cooperação Portuguesa poderia ter um papel no sentido de ajudar a impulsionar um pouco este planeamento para uma maior diversificação económica
Em termos de desafios e prioridades futuras, para além de áreas que já mencionei e que considero fundamentais, como a educação e o ensino da língua portuguesa, creio que a economia é uma questão central. Timor-Leste tem um problema de falta de diversificação económica, pois dependemos muito da exploração do petróleo. E, com a pandemia da covid-19 e os preços do petróleo e do gás a diminuir, vamos ficar numa situação complicada. Por isso, diria que nos próximos anos seria muito importante diversificar a economia e fortalecer a produção nacional, e a Cooperação Portuguesa poderia ter um papel no sentido de ajudar a impulsionar um pouco este planeamento para uma maior diversificação económica .
Ao nível do envolvimento da sociedade civil, diria que a Sociedade Civil timorense enfrenta dois grandes desafios: a falta de recursos e a falta de capacitação. A cooperação portuguesa pode ter um papel no apoio às iniciativas da Sociedade Civil timorense no sentido dos recursos –, nomeadamente financeiros – e capacitação por um lado, e, por outro lado, funcionar como um facilitador das relações com a sociedade civil fora de Timor-Leste, que são muito importantes.
Dirce Varela, Diretora Executiva da Plataforma de ONG de Cabo Verde
A Cooperação Portuguesa é uma das mais antigas de Cabo Verde. Acompanhou o processo histórico de construção do Estado de Cabo Verde, e tem tido um papel extremamente importante, com intervenções em grandes projetos e a alto nível, cujas modalidades, com o tempo e o grau de desenvolvimento do país, foram obviamente mudando. Mas o que é facto é que a Cooperação Portuguesa esteve sempre presente no desenvolvimento de Cabo Verde, e eu destacaria o seu papel fundamental na educação e no ensino da língua portuguesa.
Em termos de setores a apostar para o futuro, eu diria que o setor social deveria ser priorizado. Temos ainda grandes desigualdades sociais, e uma grande necessidade de investimento no empoderamento e na inclusão financeira da mulher . A maior parte da economia informal é feita por mulheres, o que as coloca numa situação de vulnerabilidade maior – o que se sentiu muito como covid19. Acredito que é muito importante que se trabalhe o empoderamento das mulheres no geral e esta questão da inclusão financeira das mulheres em particular.
eu diria que o setor social deveria ser priorizado. Temos ainda grandes desigualdades sociais, e uma grande necessidade de investimento no empoderamento e na inclusão financeira da mulher
Não deixaria de referir também o setor do ambiente. A sustentabilidade ambiental é um problema em Cabo Verde, e a Cooperação Portuguesa poderia também trabalhar mais nessa questão.
Parece-me também que a Cooperação Portuguesa, isto tendo até em conta uma questão ética, que tem a ver com a própria filosofia da cooperação portuguesa, podia ter um papel mais ativo no reforço das democracias dos países parceiros – e falo especialmente do espaço cívico.
Existem projetos da cooperação portuguesa com a sociedade civil em Cabo Verde, mas são projetos pequenos ou ao nível das embaixadas. Ter uma cooperação portuguesa mais virada para a sociedade civil, e menos virada para o estado seria um momento de viragem. Sendo que a Cooperação Portuguesa se encontra numa altura de revisão estratégica, acho que este é o momento para ter um olhar mais crítico, principalmente porque nós estamos no seio da CPLP. É necessário apostar em políticas de desenvolvimento próximas da sociedade civil, usando até as estratégias que a Cooperação Portuguesa já tem, com projetos e ações estruturantes.
Eduardo Elba, Diretor Executivo da Federação de ONG de São Tomé e Príncipe
A cooperação portuguesa em São Tomé e Príncipe data desde há muito e tem contribuído substancialmente para o desenvolvimento do país. Portugal tem estado presente num setor fundamental para o desenvolvimento que é o setor social – destaco os programas na área da saúde e da educação.
Em termos de prioridades futuras, e tendo em conta o contexto de pandemia em que vivemos, parece-me que o setor da saúde é fulcral e também deve ser priorizado e reforçado. Mas a área do desenvolvimento humano e o setor social continuam a ser fundamentais e não podem ser descurados, sob pena de criarmos outras situações menos boas que possam pôr em causa os progressos já realizados. Uma outra questão importante para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe prende-se com a dimensão demográfica, mormente a juventude. Sendo São Tomé e Príncipe um país jovem, este é um grupo muito importante, que precisa de apoio – desde questões relacionadas com a reinserção de meninos vulneráveis e em situação de risco ao apoio à formação profissional e universitária.
tendo em conta o contexto de pandemia em que vivemos, parece-me que o setor da saúde é fulcral (…) Mas a área do desenvolvimento humano e o setor social continuam a ser fundamentais
Outra área que também me parece prioritária no âmbito da cooperação é a área da governação, acima de tudo no sentido de melhorar a transparência. Seria importante que se unissem esforços no sentido de constituir uma célula de monitoria e avaliação dos programas de cooperação, plataformas de informação permanente e sistematizada sobre as ações, e estruturas de coordenação e gestão das quais a sociedade civil fizesse parte. Estas estruturas, mesmo que fossem informais, permitiriam à sociedade civil estar presente, divulgar e monitorizar de maneira a que, de forma independente, se pudesse realmente perceber se estamos a ir no caminho certo.
Acho que este é um momento importante para revisitar prioridades. E, neste ponto, acredito que a base da discussão deve ser alargada a outros atores como, por exemplo, a sociedade civil, visto que há muitas ONG com conhecimentos relevantes que possam participar positivamente. Há outros atores que também deveriam poder contribuir criando sinergias – incluindo até outros países doadores que participam nestas áreas em que Portugal está presente, de forma a que se possam complementar iniciativas e melhorar a qualidade de desenvolvimento.
Simão Tila, Coordenador Executivo da JOINT - Liga de ONGs em Moçambique
A Cooperação Portuguesa em Moçambique desempenha um papel importante através de diversos programas, em algumas províncias. Com destaque na área de infraestruturas e na educação e cultura – principalmente no provimento de bolsas de estudo para estudantes de Moçambique estudarem em universidades Portuguesas bem como a concessão bolsas internas do ensino superior e secundário em Moçambique. O sistema nacional de educação nos últimos tempos tem apresentado algumas fragilidades – o que até certo ponto pode ser entendido como uma opção política, e uma das premissas para que o cidadão Moçambicano se acomode com a fraca participação, aliada a falta compreensão sobre as politicas publicas no País .
Em termos de prioridades de cooperação no futuro, seria importante reforçar o desenvolvimento de capacidades nas diversas áreas com maior enfoque na das OSC para que possam aprimorar a sua capacidade de intervenção nas áreas de advocacia baseada em evidencias para fazer face várias violações de direitos – por exemplo ao nível da liberdade de imprensa , liberdade de expressão e em certos casos a liberdade de reunião .
seria importante reforçar o desenvolvimento de capacidades nas diversas áreas com maior enfoque na das OSC para que possam aprimorar a sua capacidade de intervenção nas áreas de advocacia baseada em evidencias para fazer face várias violações de direitos
Temos um défice também na área da educação cívica: há um baixo nível de consciência cidadã, o que tem um grande impacto na situação das pessoas e do país. Seria por isso muito importante apostar nesta área da educação cívica, nomeadamente com as organizações da sociedade civil, pois são elas que trabalham diretamente com as pessoas.
No âmbito da CPLP é importante que seja estabelecida uma interação com as Organizações da Sociedade Civil –ao exemplo do que acontece noutros blocos regionais, criando os espaços e incentivando-as a serem mais interventivas em conjunto, e a interagirem comunicarem com os Governos, afirmando o seu papel de representantes dos sem voz.
Também no âmbito das prioridades de trabalho com e sobre a sociedade civil, há toda uma dimensão de reforço legal e institucional – por exemplo, no que se refere à revisão da lei das associações, que é um tanto quanto proibitiva, sob o ponto de vista da criação da sustentabilidade organizacional. As organizações sem fins lucrativos, não podem desenvolver nenhuma atividade nem que seja para assegurar sua sustentabilidade, e por isso quando os programas acabam, ficam sem recursos.
Ainda do ponto do apoio legal e não só, temos outras questões como a usurpação de terra, (pelos megaprojetos mas também por pequenas empresas ou outro tipo de entidades). As pessoas perdem a terra, o seu meio de sustento, recebendo uma indemnização insignificante. Conseguimos ajudar algumas destas pessoas, mas não todas, porque estes processos envolvem advogados de nível internacional, e nós não temos os recursos. E precisamos também de apoio político, a nível internacional, para que haja pressão para que sejam tomadas decisões mais justas a este nível.
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de outubro de 2020 "Perspetivas para o Futuro da Cooperação Portuguesa". Leia ou faça download da edição completa aqui.