16 nov 2022 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de novembro de 2022 "Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global em Tempos de Mudança" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Por: Miguel Carvalho da Silva, Programa Educação Global - Centro Norte-Sul do Conselho da Europa
Num contexto geopolítico e geoeconómico em que os atores políticos e educativos continuam apostados na transformação digital e em que os agentes económicos continuam centrados no mercado de trabalho e na exploração laboral - participando mais do que nunca em economias geradoras de lucro - num cenário internacional cada vez mais volátil em que cresce e se banaliza de forma preocupante o discurso bélico, impera continuar a investir no pensamento crítico e numa cidadania informada, participativa e responsável.
Contrariamente ao que se podia esperar, a pandemia não trouxe alteração de paradigmas. Antes pelo contrário! A fase de rescaldo parece ter acelerado um desejo frenético de recuperação do cronos económico perdido. A especulação financeira, o desregulamento económico e a agressividade e instrumentalização dos discursos políticos varreram de vez qualquer veleidade para uma nova ordem mundial centrada na condição humana e na sua íntima relação com o planeta e no respeito dos seus ecossistemas.
num cenário internacional cada vez mais volátil em que cresce e se banaliza de forma preocupante o discurso bélico, impera continuar a investir no pensamento crítico e numa cidadania informada, participativa e responsável.
Mais do que nunca, o caminho aberto no passado por pedagogias complementares como a Educação para os Direitos Humanos, Educação para a Paz e Prevenção de Conflitos, Educação Intercultural, Educação para o Desenvolvimento e Educação para a Sustentabilidade, ganham particular relevo no contexto atual.
Num contexto em que a opinião pública, e de forma mais alarmante os jovens, demonstram claramente uma descrença no sistema da democracia representativa e abandonam os seus mecanismos participativos tradicionais, a Educação Global oferece as competências necessárias para os educandos se envolverem como cidadãos informados e críticos, conscientes dos desafios atuais e das suas interdependências a nível local e internacional, atendendo às necessidades do século XXI.
A Educação Global é uma educação transformadora virada para o futuro, analisando os desafios contemporâneos pelo meio de um conjunto de competências que promovem a análise crítica dos factos e a multiperspectividade, através de uma aprendizagem participativa, intercultural e intergeracional.
Educação Global oferece as competências necessárias para os educandos se envolverem como cidadãos informados e críticos, conscientes dos desafios atuais e das suas interdependências a nível local e internacional, atendendo às necessidades do século XXI.
Este processo não é estático e deve levar a uma necessária reflexão sobre o divórcio entre os cidadãos e os seus representantes políticos, sobre a crescente polarização dos posicionamentos políticos ou ideológicos, a intolerância, os medos. Numa palavra, vivemos uma crise de confiança generalizada em relação ao sistema de democracia participativa vigente. Talvez seja necessário repensar esses mecanismos participativos e insuflar uma nova dinâmica num sistema que aparenta estar ultrapassado.
Num contexto em que deixaram de existir contrapoderes e em que assistimos a uma nociva promiscuidade entre os interesses económicos e financeiros e a classe política, esta reflexão deve incluir todas as partes interessadas, a começar pelas/os educadoras/os, educandas/os e a sociedade civil, envolvendo as autoridades locais e os representantes institucionais.
A educação não é rentabilização imediata, é um processo de crescimento que requere meios e tempo adequados.
Para tal impera o desenvolvimento de políticas e processos educativos robustos para garantir planos de ação e impacto a longo prazo; reformas educativas que não sejam apenas uma sucessiva acumulação de resoluções ou iniciativas deixadas por cada governo, mas sim uma reforma corajosa que assenta numa revisão curricular radical e no reconhecimento e valorização do papel do educador - para que o espaço de aprendizagem e de partilha de competências seja verdadeiramente um espaço que permita uma interação dentro do grupo, de forma inclusiva, com o devido tempo para uma reflexão substancial, e para uma análise crítica dos factos por todas as partes envolvidas, num clima de cultura democrática de forma a incentivar a participação ativa e a responsabilidade. Mais do que um agente administrativo, o educador é antes de tudo um pedagogo que não deve estar assoberbado em relatórios nem a prestar contas para os incontornáveis rankings. A educação não é rentabilização imediata, é um processo de crescimento que requere meios e tempo adequados.
Apenas neste contexto poderemos aguardar maior envolvimento dos jovens em processos de tomada de decisão relevantes para gerir sociedades e economias em rápida mudança, e assim antecipar desafios globais em vez de resolver crises.
Mais do que nunca, a educação permanece a única garantia para um planeamento mais ético de um futuro sustentável, e partilhado de forma justa, equitativa e respeitadora.
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de novembro de 2022 "Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global em Tempos de Mudança". Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.