09 dez 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Igualdade de Género, Sociedade Civil
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de dezembro de 2021 "Igualdade de Género e Desenvolvimento" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
Grupo de Trabalho de Feminismos de La Coordinadora*
Estávamos no ano de 1989 quando um grupo de voluntárias e ativistas de organizações parceiras de La Coordinadora de Organizaciones para el Desarrollo (La Coordinadora) criou o Grupo de Género e Desenvolvimento. Nasceu com o objetivo de realçar o papel das mulheres nos processos de desenvolvimento e promover ações para que os programas de cooperação integrem a perspetiva de género. Era urgente garantir uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas. 30 anos mais tarde, o grupo mudou o seu nome para Grupo de Feminismos, uma aposta para uma abordagem muito mais ampla e integradora.
Ao longo deste tempo, temos observado a persistência de lacunas de género nas ONG de Desenvolvimento. Esta é uma realidade apesar de se tratar de um setor ser altamente feminizado. Além disso, observámos também dificuldades em integrar eficazmente a abordagem de género. Tudo isto levou-nos a apostar em processos que promovem a igualdade nas organizações.
E assim chegámos a 2013, quando realizámos um pequeno diagnóstico sobre a integração da perspetiva de género nas nossas próprias entidades. Este estudo revelou que as dificuldades que encontrámos na consolidação desta abordagem eram comuns a todos e todas nós. Identificámos também a La Coordinadora como um ator-chave para promover a transversalização desta visão nas nossas organizações parceiras. E assim, após várias sessões de formação e reflexão, o Conselho de Direção aprovou a Política de Género que nos acompanha desde então.
O que aprendemos ao longo deste tempo
Os processos pró-igualdade das organizações foram impulsionados mais pela vontade pessoal do que pela vontade institucional. É verdade que, posteriormente, tem havido um compromisso institucional explícito, embora nem sempre com os recursos necessários. Isto mostra que o empenho político das organizações não tem sido eficaz. Em muitas ocasiões, o trabalho sobre questões de género começou com uma campanha ou projeto que mais tarde acabou por alargar a experiência ao resto da organização.
Outra das questões detetadas é que as organizações partiam do princípio de que este debate tinha sido ultrapassado. Entendia-se que, como organizações de ação social, as relações eram igualitárias e que o trabalho já incluía uma perspetiva de género. Além disso, as pessoas tinham interiorizado o discurso e este era reproduzido sem realmente permear as ações. Isto tornou os processos difíceis porque nos impediu de detetar inconsistências.
as organizações partiam do princípio de que este debate tinha sido ultrapassado
Um dos desafios ainda pendentes é conseguir uma maior participação e presença das mulheres nos órgãos de gestão. É também necessário ter mais pessoas responsáveis pelas questões de género nos grupos de trabalho e nas próprias organizações.
Luzes que iluminaram o caminho
Ao longo deste percurso, contámos com questões essenciais sem as quais não teria sido possível chegar onde chegámos. Uma delas, e que tem sido fundamental, foi a militância, o empenho pessoal e o ativismo das pessoas. Ao longo destes anos, desenvolvemos uma enorme capacidade de trabalhar em equipa. O apoio de especialistas que não faziam parte do grupo também foi muito importante e foi fundamental para os nossos objetivos.
Ao longo deste percurso, contámos com questões essenciais sem as quais não teria sido possível chegar onde chegámos. Uma delas, e que tem sido fundamental, foi a militância, o empenho pessoal e o ativismo das pessoas.
Como resultado do nosso ativismo, conseguimos fazer do grupo uma referência dentro de La Coordinadora. Somos consideradas um grupo estratégico de advocacia. Precisamente em termos de advocacia, fizemos muitos progressos estabelecendo alianças estratégicas que não considerávamos antes. Uma das mais importantes é a que temos com os movimentos de base feminista. Por outro lado, temos tido um impacto dentro das nossas próprias organizações. Isto permitiu-nos romper com a segregação do trabalho, o que nos deu maior força e presença.
Em termos de defesa de políticas públicas, contribuímos para a promoção de processos pró-igualdade na cooperação. Defendemos a ideia de que deve existir um orçamento específico para promover a integração da perspetiva de género . De facto, uma boa parte do progresso nesta área no seio das nossas organizações deve-se às exigências dos financiadores.
Passos para o futuro
O percurso realizado mostrou-nos que La Coordinadora é um ator fundamental na promoção desta abordagem. A sua capacidade para melhorar o funcionamento das organizações e a qualidade da cooperação torna-a um ator-chave. Continuamos, portanto, a trabalhar para que os processos e ferramentas que são construídos neste espaço integrem uma perspetiva feminista.
Esta perspetiva feminista significa defender um modelo de cooperação baseado em abordagens que vão beber nos chamados "saberes do Sul global" que, a partir de milhares de cantos do planeta, constroem alternativas
Por outro lado, compreendemos que devemos continuar a manter um olhar transformador que vá para além da abordagem de género. Por outras palavras, precisamos de incorporar uma abordagem feminista; precisamos de refletir sobre quem somos, a nossa história, a nossa forma de entender a cooperação e o desenvolvimento, as nossas formas de trabalho, etc.
Esta perspetiva feminista significa defender um modelo de cooperação baseado em abordagens que vão beber nos chamados "saberes do Sul global" que, a partir de milhares de cantos do planeta, constroem alternativas. Abordagens comprometidas com uma visão descolonial e pós-colonial, com propostas ecofeministas, com a economia feminista e a ética do cuidado. Um olhar que é alimentado por uma abordagem interseccional e inclusiva, onde a sobreposição de discriminações baseadas na idade, etnia, raça, classe, orientação sexual, identidade de género ou diversidade funcional, entre outras, é um elemento essencial do trabalho.
Continuaremos a construir coletivamente uma visão feminista e crítica para contribuir para uma verdadeira transformação que melhore a vida das pessoas e proteja o planeta que habitamos.
*Grupo de trabalho. Grupo de especialistas numa área ou tema específico, pertencentes a uma organização membro de La Coordinadora, que se reúnem periodicamente para debater, chegar a um consenso e trocar experiências e recursos sobre esses temas específicos. Cada grupo tem uma pessoa que desempenha as tarefas de coordenação, bem como uma pessoa de referência no Conselho de Direção de La Coordinadora e outra na sua Equipa Técnica. Alguns grupos, em virtude do seu objeto e planificação, vão ao encontro das linhas do Quadro Estratégico de La Coordinadora e são considerados grupos de trabalho estratégicos. O grupo sobre feminismos é um destes grupos estratégicos.
Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de dezembro de 2021 "Igualdade de Género e Desenvolvimento" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.