menu

28 out 2020 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, Cooperação para o Desenvolvimento, Ajuda Pública ao Desenvolvimento, Ajuda Humanitária e de Emergência

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de outubro de 2020 "Perspetivas para o Futuro da Cooperação Portuguesa". Leia ou faça download da edição completa aqui.

 

Autora: Susana Réfega, Presidente da Direção da Plataforma Portuguesa das ONGD

A definição de uma nova Estratégia da Cooperação Portuguesa acontece num contexto internacional particularmente desafiante. Se 2020 já se projetava como um ano fundamental para o futuro da cooperação portuguesa, a rápida propagação de uma pandemia de proporções globais e com efeitos verdadeiramente desestabilizadores obrigou à integração de novos fatores que fazem deste um processo de importância redobrada. 

O ano de 2020 começou com a certeza de que, chegado o seu final, chegaria também ao fim o período de vigência do Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa (2014-2020). Dificilmente se imaginaria, no entanto, que a definição do documento que lhe sucederia ocorreria no momento em que a humanidade se encontra a combater a maior pandemia no período de várias gerações. Certo é que, depois dos acontecimentos que têm vindo a marcar a nossa vida coletiva – e caso não fosse ainda evidente –, a interdependência global que distingue este de outros momentos históricos obriga a encontrar respostas para problemas que dependem, inexoravelmente, da capacidade de trabalharmos em conjunto na procura de soluções integradas e baseadas numa lógica de solidariedade global. 

Enquanto política direcionada a um conjunto de países marcados por elevados níveis de pobreza e vulnerabilidade económica e com quem Portugal partilha relações históricas, a cooperação portuguesa é um dos eixos fundamentais da política externa nacional. Como expressão máxima da solidariedade de Portugal com as regiões menos desenvolvidas, a cooperação portuguesa é o mecanismo por excelência para potenciar o contributo do país na construção de um mundo mais justo e sustentável. O período em que nos encontramos é, por isso, determinante para que se associem às três áreas de intervenção da cooperação portuguesa – Cooperação para o Desenvolvimento, Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global e Ação Humanitária e de Emergência – um conjunto de objetivos ambiciosos, ajustados à realidade atual e capazes de contribuir para a concretização daqueles que têm sido – e devem continuar a ser – os seus desígnios máximos: a “erradicação da pobreza e o desenvolvimento sustentável dos países parceiros, num contexto de respeito pelos direitos humanos, pela democracia e pelo Estado de Direito””.[1]

A aposta na coerência das políticas para o desenvolvimento sustentável é, de acordo com as recomendações da OCDE[2],  um fator determinante para a construção de uma estratégia ambiciosa e com impacto. Considerando o caráter multidimensional do desenvolvimento de cada país, é cada vez mais importante considerar a interligação entre diferentes fenómenos e o seu impacto nas populações em situação de maior fragilidade. Desta forma, a nova Estratégia da Cooperação Portuguesa deve garantir que os objetivos e resultados das políticas nacionais para cada área setorial são coerentes com os objetivos e com as necessidades de desenvolvimento dos países parceiros. O acentuar do impacto das alterações climáticas, o aprofundamento das desigualdades e a proliferação de conflitos que obrigam a deslocações em massa, reforçam a necessidade de encontrar respostas globais e coerentes com a promoção do desenvolvimento sustentável. Face à magnitude e à crescente complexidade dos desafios que enfrentamos é importante que a Estratégia da Cooperação Portuguesa assuma também uma aposta clara na Educação para o Desenvolvimento e Cidadania Global. Só assim será possível aprofundar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido a este respeito, promover uma melhor compreensão das questões críticas da vida em sociedade e produzir o conhecimento necessário para a definição de políticas coerentes.

há ainda um longo caminho a percorrer para garantir participação efetiva da sociedade civil, que dos paises parceiros quer em Portugal

A nova Estratégia da Cooperação Portuguesa será, por tudo isto, um documento de referência para enquadrar o contributo de Portugal para a realização da Agenda 2030. Para que isso aconteça, é necessário colocar as necessidades de desenvolvimento dos países parceiros da cooperação portuguesa em primeiro lugar. Se, ao longo dos últimos anos, tem sido possível aprofundar a ligação das ações desenvolvidas às prioridades dos governos nacionais através de um maior envolvimento dos parceiros na definição dos Programas Estratégicos de Cooperação, há ainda um longo caminho a percorrer para garantir uma participação efetiva da Sociedade Civil, quer dos países parceiros quer em Portugal, na definição, implementação, avaliação e monitorização das atividades conduzidas e/ou financiadas pela cooperação portuguesa. A Plataforma tem apelado a uma auscultação mais estruturada e com maior qualidade às ONGD portuguesas, na medida em que a integração das organizações com uma forte presença no terreno nos processos estratégicos da cooperação é uma condição chave para a definição de respostas coerentes e integradas. O mesmo apelo tem sido feito relativamente à inclusão da Sociedade Civil dos países parceiros, condição essencial para fortalecer a apropriação dos processos de desenvolvimento, sobretudo num contexto em que os meios financeiros são insuficientes para dar resposta às necessidades das populações em situação de maior vulnerabilidade.

Ainda que o volume estimado de financiamento necessário para cumprir os ODS obrigue à mobilização de fundos provenientes de outras fontes que não apenas os Estados, a Plataforma tem insistido na importância de alinhar a próxima Estratégia da Cooperação Portuguesa com os compromissos internacionais assumidos por Portugal sobre Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD). Tendo em conta que a realização da Agenda 2030 prevê que os países desenvolvidos aloquem “0,7% do RNB para APD direcionada aos países em desenvolvimento e entre 0,15% a 0,20% do RNB para os Países Menos Avançados”, até 2030, a construção de uma estratégia com o mesmo horizonte temporal constitui a oportunidade ideal para se definir uma calendarização de aumento progressivo nos fundos disponibilizados por Portugal. A par disto, e num momento em que se tem procurado complementar o financiamento público com a mobilização de atores privados, reconhecer que a lacuna que persiste entre os níveis de APD e os fundos necessários para concretizar os ODS é reconhecer a importância de adotar estratégias que salvaguardem as “necessidades dos países parceiros em termos de inovação, de partilha de tecnologia e de geração de emprego no apoio ao setor empresarial local””[3] em detrimento da internacionalização da economia portuguesa. Há, por isso, um conjunto de princípios que devem ser cumpridos, de forma a garantir que a iniciativa privada não compromete os direitos humanos e a promoção do desenvolvimento sustentável nos países parceiros da cooperação portuguesa.

[importa] alinhar a próxima Estratégia da Cooperação Portuguesa com os compromissos internacionais assumidos por Portugal sobre a APD

Enquanto documento orientador da cooperação portuguesa, é essencial que a nova estratégia seja capaz de dar corpo a respostas concretas, coerentes entre si e dotadas dos recursos necessários para enfrentar os desafios globais mais urgentes. Para isso, é fundamental associar à Estratégia um Plano de Ação e Monitorização que defina um conjunto de metas e indicadores que permitam executar as prioridades acordadas e medir os avanços alcançados.

é fundamental associar à Estratégia um Plano de Ação e Monitorização que defina um conjunto de metas e indicadores que permitam executar as prioridades acordadas e medir os avanços alcançados.

Face à excecionalidade do momento em que nos encontramos e considerando a oportunidade única que a definição de uma nova estratégia representa, a Plataforma desenvolveu um processo interno de reflexão sobre o futuro da cooperação portuguesa. Enquanto aspeto determinante para a afirmação do papel de Portugal na construção de um mundo mais justo e sustentável, a expectativa é que a Estratégia reconheça a solidariedade global enquanto elemento central na abordagem da cooperação portuguesa ao longo da próxima década.

 

[1] Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa 2014 – 2020.


[2] Recomendações da OCDE em matéria de Coerência das Políticas para o Desenvolvimento Sustentável.


[3] Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa 2014 – 2020.

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de outubro de 2020 "Perspetivas para o Futuro da Cooperação Portuguesa". Leia ou faça download da edição completa aqui.

Acompanhe o nosso Trabalho.

subscrever newsletter