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09 dez 2021 Fonte: Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD Temas: Economia solidária / alternativa / Microcrédito, Igualdade de Género

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de dezembro de 2021 "Igualdade de Género e Desenvolvimento" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.
 

Alexandra Silva, Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres

Começar pelo óbvio: não haverá nunca desenvolvimento (que seja) sustentável se mais de metade da população mundial não participar em condições (no mínimo) idênticas às da outra metade. Sabe-se que quanto mais mulheres trabalham, mais as economias crescem, dado que a participação das mulheres no trabalho remunerado aumenta o nível de rendimentos das famílias e, por consequência, dos países. Mas a que custo acontece esta participação? E qual o impacto da pandemia COVID-19 nessa participação?

No Mundo: Em 2021, 435 milhões de mulheres e raparigas vivem em pobreza extrema e 53% da população mundial não tem acesso a proteção social1. A pressão colocada nos serviços de saúde durante o 1º ano da pandemia da COVID-19 fez com que serviços essenciais como os relacionados com a saúde sexual e reprodutiva fossem interrompidos, estimando-se que tal tenha levado a 1.4 milhões de gravidezes não desejadas em países de rendimento médio ou baixo2.  

não haverá nunca desenvolvimento (que seja) sustentável se mais de metade da população mundial não participar em condições (no mínimo) idênticas às da outra metade.

Sabe-se que a pandemia intensificou a (sobre)carga do trabalho doméstico para as mulheres. Mesmo antes da pandemia, as mulheres já realizavam 3,2 vezes mais horas do que os homens em trabalho não pago do cuidado.3

Entre 2019 e 2020, a taxa de emprego das mulheres, em termos mundiais, desceu 4,4% face a 3% para os homens. Na totalidade, menos 54 milhões de mulheres deixaram de estar empregadas e 45 milhões deixaram de participar no mercado de trabalho de vez. Estima-se que, em 2021, o número de mulheres empregadas é de menos 13 milhões face a 2019, sendo que o número de homens empregados seja semelhante ao do ano anterior.4

Já as mulheres no chamado setor informal da economia foram severamente afetadas pela “tripla crise”: aumento do trabalho não pago dos cuidados em casa, perda de trabalho e de rendimentos - em junho de 2020, os rendimentos das mulheres no trabalho informal desceram para 42,4% dos níveis pré-pandemia.5

afinal, que modelo de organização social e económica queremos?

Embora as mulheres tenham sempre assumido o essencial das responsabilidades cuidadoras, elas são as trabalhadoras menos valorizadas e mais mal remuneradas, em setores sem os quais as nossas sociedades e economias simplesmente entrariam em colapso.

Está chegada a hora de nos questionarmos: afinal, que modelo de organização social e económica queremos? Com a pandemia que nos tem ensinado a ser e a fazer diferente, queremos simplesmente adaptarmo-nos ou queremos transformar a relação que temos com o trabalho centrado na produção e no consumo desenfreado de recursos? 

Este é o momento para reconhecer e valorizar o papel determinante que o trabalho do cuidado, remunerado ou não remunerado, até hoje essencialmente desempenhado por mulheres, tem na nossa sociedade. Este é o momento para exigirmos a transformação que está presente na economia feminista ou púrpura.6

A economia feminista desafia o atual modelo macroeconómico, baseado num crescimento insustentável assente na exploração das pessoas, principalmente das mulheres, e do meio ambiente, cujos recursos são finitos. Por outro lado, a forma como coletamos impostos e medimos o crescimento e a produtividade (ou seja, por meio do PIB) ignora completamente as contribuições inestimáveis do trabalho invisível e não pago das mulheres. 
A economia feminista assenta em 3 pilares:

  • Num novo quadro de política macroeconómica que abrange três dimensões fundamentais: justiça económica, justiça social e justiça ambiental. Este quadro macroeconómico deve alicerçar-se nos direitos humanos universalmente acordados (direitos civis e políticos, direitos económicos, sociais e culturais) respeitando a diversidade e permanecendo vigilante face às formas de discriminação múltiplas e interseccionais, ao mesmo tempo que assegura a justiça climática.
  • Numa infraestrutura de cuidados sociais universal que permita cuidar dos/as outros/as e ser cuidado/a em diferentes períodos das nossas vidas. Num modelo económico feminista, o cuidado é a espinha dorsal da sociedade; é o que faz a sociedade funcionar. 
  • Num mercado de trabalho inclusivo onde a igualdade, a proteção social e o cuidado são os elementos principais. Uma economia feminista promove a redução geral do tempo de trabalho para todas as pessoas, de modo a que as responsabilidades de cuidado e de trabalho possam ser mais equilibradas, tanto para as mulheres quanto para os homens. Também conta com uma infraestrutura pública abrangente e serviços públicos para facilitar a reprodução social, desde a saúde até aos transportes públicos. Uma economia feminista luta pela paz e pelo bem-estar para todas e todos e por um planeta saudável. 

Este é o momento para reconhecer e valorizar o papel determinante que o trabalho do cuidado, remunerado ou não remunerado, até hoje essencialmente desempenhado por mulheres, tem na nossa sociedade. 

Naquilo que acreditamos poder ser a transição de um ciclo económico para uma mudança de grande amplitude em todos os setores de atividade e no funcionamento da economia como um todo, há que garantir que TODAS AS PESSOAS – MULHERES E HOMENS – são beneficiadas e não prejudicadas. 

Sublinhamos: o pós-pandemia tem de ser acompanhado por um reposicionamento das sociedades relativamente ao seu modo de organização, comportamentos e estilos de vida, nomeadamente no que respeita à necessária alteração das desigualdades entre mulheres e homens e à eliminação das discriminações com base no sexo a que se somam outras. 

Este é o tempo para mudanças e políticas ousadas, às várias escalas: nacionais, regionais e mundiais. Porque será o combate às desigualdades estruturais e sistémicas que tornará o mundo justo, coeso e inclusivo.

Notas:

1 UNWomen (2021), Progress on the Sustainable Development Goals:  the gender snapshot 2021. Pág. 6. Disponível em https://www.unwomen.org/sites/default/files/Headquarters/Attachments/Sections/Library/Publications/2021/Progress-on-the-Sustainable-Development-Goals-The-gender-snapshot-2021-en.pdf 
2 Ibidem, pág. 8.
3 Ibidem, pág. 11.
4 Ibidem, pág. 14.
5 Ibidem, pág. 14.
6 Para um melhor conhecimento, ver Pacto Púrpura: Uma abordagem feminista da economia, disponível em https://plataformamulheres.org.pt/site/wp-content/ficheiros/2021/02/Pacto-Purpura-Uma-abordagem-feminista-da-economia.pdf 

Este artigo foi originalmente publicado na Edição da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD de dezembro de 2021 "Igualdade de Género e Desenvolvimento" Leia ou faça download da edição completa da Revista aqui.

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