14 nov 2024 Fonte: Equipa do Projeto Coerência - o Eixo do Desenvolvimento (FEC e IMVF) Temas: Coerência das políticas
Este artigo foi originalmente publicado na Edição nº 27 (novembro de 2024) da Revista da Plataforma Portuguesa das ONGD: "Um Mundo em Mudança: que espaço para a Cooperação?". Leia ou faça download da Revista aqui.
Por Equipa do Projeto Coerência - o Eixo do Desenvolvimento (FEC e IMVF)
Inundações, secas, tempestades, incêndios florestais ocorrem cada vez com mais frequência e com impactos sociais, económicos e ambientais devastadores. As catástrofes naturais ligadas às alterações climáticas aumentaram, aliás, 5 vezes nos últimos 50 anos e todos/as sabemos que a crise climática é uma das maiores ameaças que hoje enfrentamos e que é necessário agir. Como?
A transição climática como resposta aos desafios impostos pelas alterações climáticas irá obrigar-nos a profundas mudanças sociais e sobretudo económicas, com impacto direto no atual contexto climático global, para que se possam adotar práticas e modelos de vida mais sustentáveis.
Mas à medida que a sociedade avança em direção a uma economia mais verde, continuam presentes variadas incoerências e equívocos que podem desvirtuar o verdadeiro propósito e os benefícios destas transformações. Dado o contexto desafiante do ponto de vista geopolítico que enfrentamos, é cada vez mais necessário encontrar soluções justas para esta transição em curso, garantindo que a procura por soluções sustentáveis tenha em consideração as necessidades e os direitos das populações mais vulneráveis e afetadas, garantindo que todos tenham acesso a recursos, tecnologias e oportunidades para se adaptarem a um futuro em mudança.
Os modelos insustentáveis de desenvolvimento têm contribuído ativamente para as alterações climáticas. Seja pelos padrões de produção e consumo altamente insustentáveis, seja pelo privilegiar de um crescimento económico ilimitado
Os modelos insustentáveis de desenvolvimento têm contribuído ativamente para as alterações climáticas. Seja pelos padrões de produção e consumo altamente insustentáveis, seja pelo privilegiar de um crescimento económico ilimitado, a exploração e gestão de forma desapropriada de recursos essenciais à vida humana, a expansão agrícola e urbanização aceleradas, o uso intensivo de combustíveis fósseis, todos são grandes contribuintes para a emissão e concentração de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera e, consequentemente, para o aquecimento global e para outros efeitos em cadeia.
É, portanto, necessária uma transição para uma economia verde, e para economias de baixo carbono que prossigam objetivos de desenvolvimento sustentados sem a degradação ambiental que lhes está intrinsecamente associada, garantindo uma maior resiliência climática de adaptação às alterações climáticas. Mas é também necessário certificar que os benefícios e custos das ações climáticas são distribuídos de forma equitativa e que a transição para economias de baixo carbono é inclusiva, integrando a voz e a participação ativa das comunidades mais vulneráveis e afetadas.
Os esforços empenhados para cumprir as metas climáticas continuam a acontecer à custa de uma externalização dos custos e impactos para países em desenvolvimento. Continua a existir uma clara contradição entre os incentivos existentes e os objetivos e as metas climáticas na prática. Apesar dos compromissos internacionais assumidos, é cada vez mais claro que não estamos a conseguir combater eficazmente as alterações climáticas. Por um lado, as emissões de GEE continuam a aumentar tendo atingido níveis recorde o ano passado segundo as Nações Unidas.1
Combater as alterações climáticas é uma questão de desenvolvimento e de direitos humanos, e espaço de criação de oportunidades para um mundo mais inclusivo e próspero, que promova respeito pelos direitos humanos e laborais, melhoria das condições de vida, equidade e coesão social. A transição climática, quando alinhada com objetivos sociais e económicos mais amplos pode representar também oportunidades para a construção de um mundo mais justo e sustentável, podendo funcionar como impulsionadora da redução da pobreza e de promoção do desenvolvimento sustentável e inclusivo.
os vários setores do desenvolvimento têm que estar alinhados e as diferentes políticas setoriais articuladas e coerentes, assegurando a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, e, portanto, desenhadas e implementadas em prol das pessoas e do planeta, simultaneamente
Isto exige uma ação coerente de mitigação climática, envolvendo todos os atores do desenvolvimento, sendo que para que sejam potenciadas as interligações positivas entre ação climática e desenvolvimento é necessário construir e reconstruir, uma relação diferente com a natureza que equilibre as várias dimensões do Desenvolvimento. Ou seja, os vários setores do desenvolvimento têm que estar alinhados e as diferentes políticas setoriais articuladas e coerentes, assegurando a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento, e, portanto, desenhadas e implementadas em prol das pessoas e do planeta, simultaneamente. Só assim será possível assegurar a coerência das políticas, assumindo uma responsabilidade partilhada e um contributo conjunto para um desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Para ser coerentes, as medidas e políticas publicas climáticas devem garantir a partilha dos custos de forma justa e responsável por todos, apoiando os países mais vulneráveis e mais afetados com menor resiliência
Não podemos enfrentar as alterações climáticas sem considerar os vários desafios multidimensionais ao desenvolvimento, seja no plano global, nacional ou local, assim como não somos capazes de promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável sem uma ação climática firme, de forma sustentada e inovadora. Como já foi referido, os desafios intensificados pelas alterações climáticas não afetam os lugares e as comunidades de forma igual e proporcional, os efeitos são especialmente sentidos em Africa e na Asia, que são países com menores recursos financeiros e capacidades de resposta. Portanto, para ser coerentes, as medidas e políticas publicas climáticas devem garantir a partilha dos custos de forma justa e responsável por todos,2 apoiando os países mais vulneráveis e mais afetados com menor resiliência. A cooperação e ajuda ao desenvolvimento para fins climáticos deve corresponder às prioridades e necessidades específicas dos países parceiros, mais afetados, para responder aos desafios de cada contexto.
As políticas e práticas devem também valorizar e enaltecer a natureza, e o capital natural, por exemplo através da promoção de conhecimentos tradicionais e locais, estilos de vida sustentáveis, de construções resilientes e aproveitando materiais locais, etc.
Portanto, a transição climática pode e deve ser entendida como uma oportunidade para eliminar praticas incoerentes, como é o caso dos subsídios aos combustíveis fósseis, dos projetos poluentes e de alta intensidade carbónica, das práticas empresariais nocivas para o ambiente e que colocam em causa direitos humanos, ambientais e sociais, entre outras. Garantindo que são adotadas abordagens integradas, intergovernamentais, multissetoriais e multi-atores.
Não tenhamos dúvidas que a resposta à crise climática será uma resposta à redução da pobreza, da fome, uma resposta assertiva à promoção da igualdade e do desenvolvimento sustentável. Mas isso implica um esforço conjunto para que as políticas dos vários setores sejam articuladas e coerentes a fim de funcionarem simultaneamente, em prol das pessoas e do planeta, assegurando dessa forma a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento.
E para ativar estas políticas, precisamos de garantir a mobilização de todos os atores do desenvolvimento. Precisamos de si. E precisamos de saber qual o papel que quer desempenhar nesta responsabilidade co-partilhada.
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Este artigo foi redigido com base em recursos produzidos no âmbito do projeto “Coerência – O Eixo do Desenvolvimento”, complementado por outras fontes de conhecimento. Para uma análise mais aprofundada sobre esta temática, pode consultar o estudo Desenvolvimento e Alterações Climáticas: Impactos e (In)sustentabilidade (2021) e o website www.coerencia.pt.
O projeto ”Coerência – O Eixo do Desenvolvimento" é uma parceria entre a FEC e o IMVF com o cofinanciamento do Camões, I.P. As opiniões veiculadas no artigo são da responsabilidade exclusiva da equipa do projeto, não exprimindo posições institucionais nem vinculando qualquer instituição.